
Paul Thomas Anderson se consolida
como um dos mais interessantes cineastas americanos dos últimos tempos, com
suas narrativas cada vez mais refinadas, estilo de encenação que prioriza a
vocalização sobre os trejeitos e principalmente um olhar erótico sobre qualquer
assunto. Quando digo erótico não quero dizer necessariamente sensual, mas que
carrega certo mistério, certa estranheza. Um dos motivos disso não é só sua
estética, mas também a trilha-narração de Greenwood que invade as cenas e se
torna as rodas para que o senso de tensão caminhe.
É
até mesmo difícil comentar separadamente acerca de cada questão técnica, pois o
filme escoa pela tela em sua totalidade, como se todas as suas camadas tivessem
tão engrenhadas umas nas outras que se tornassem um bloco audiovisual
intensivo. É interessante notar o caminho no qual PTA está trilhando indo dos
seus longas iniciais, em que o entrelaçamento das narrativas de seus personagens
existia como foco, para chegar a hoje, em que a narrativa se concentra em dois
ou três personagens, buscando o máximo de tensão no pequeno espaço que os
separam.
Com
isso, Reynolds Woodcock, numa sempre magistral atuação de Daniel Day-Lewis,
vive uma vida completamente destinada à sua obsessão de fazer vestidos, sempre
infeliz com seus relacionamentos. Sua vida muda quando encontra com Alma, uma
garçonete de um pequeno café. O que há de especial nela é difícil de se perceber
a princípio. Ao nos depararmos com a beleza, um pouco apagada, de Vicky Grieps,
parece que existe algo que o chama a atenção da qual, nós espectadores, não
conseguimos ter acesso. Compondo o elenco ainda há Cyril (Lesley Manville),
irmã, quase mãe de Reynolds, que vive com ele e administra sua vida.
É
digno notar que o design de produção do longa e suas roupas estão num nível
exuberante, a forma com que os vestidos, o tecido, as linhas são filmadas, são
objetos feitos com extrema precisão, mas que se tornam mágicos no olhar
cinematográfico. Para além disso, a ambientação, as casas, os carros, esses
pequenos detalhes nos colocam nos anos 50 com uma facilidade extrema, por mais
que praticamente não exista momentos fora da mansão dos Woodcock. Porém, o
ambiente se torna eloquente e elegante por conta da preciosidade do estilo de
Anderson, que nos carrega em uma câmera móvel pelas escadas, por quartos, e
quando a câmera foca na mesa de café da manhã, ou de jantar, os utensílios e as
paredes parecem que se tornam parte integrada da vida dos personagens, parece
que existe um pouco deles afetivamente nos objetos.
Essa
qualidade fotografia se configura não só pela coloração bem elaborada, mas sim
por um certo brilho clássico que produz uma névoa luminosa no mundo em que
estes personagens se relacionam. É de certo, um estilo formalista, existe algo
do clássico americano aqui, mas, principalmente do erótico, é a mesma névoa que
absorve o rosto de Bergman em Interlúdio. Aliás, os planos-sequências são
realizados de maneira a tornar grande parte das ações e decisões dos
personagens mais misteriosas e tensas. Afinal, é o mistério que define o espaço
entre Reynolds e Alma.
Veja
só, Reynolds se apaixona por Alma, não só por, como diz Cyril, ter a forma
física que mais o agrada, mesmo com suas “imperfeições”, mas também, pois
existe algo a se construir com ela. Ele a veste por isso, para criar uma obra
de arte, que não é o vestido, mas uma mulher ideal. É um ato de narcisismo
total, de projeção de ego. Mas o que ele não esperava é que Alma tivesse um
poder erótico que polisse seu narcisismo. É possível descrever o processo da
relação dos dois, a princípio, não existia um espaço para Alma agir na vida
dele, ela sempre era objeto de suas produções artísticas, mas não de maneira
forçosa. Ela o queria, principalmente pela sua fome incessante, de forma
literal e simbólica.
Ela
gostaria de adentrar em seu quarto, mas sempre era impedida de habitar seu
território egoísta. Aos poucos, começa a desafiar essa dominação, o que de
maneira interessante cria desejo nele, ou seja, passa a permitir a entrada dela
pouco a pouco em sua estrutura subjetiva, tateando os limites. Mas não como um
passe de mágica, é entre irritações e gracejos por ser confrontado, com efeito
sua fome cresce no mistério de Alma. Mas a grande façanha dela é perceber o
mecanismo de funcionamento de Reynolds. Quando ele trabalha de forma tão
intensa para compor essa sua grande fome, fica, por conseguinte, doente,
completamente vulnerável e completamente a mercê dos cuidados de um outro.
Por
isso mesmo, é possível compreender tamanha gratidão que ele tem por sua mãe,
que surge em mensagens secretas em todos os vestidos que faz. Não é à toa que,
quando Alma cuida dele, alucina com sua mãe. Essa vulnerabilidade de ser
controlado é desejada por ele, ao mesmo tempo que a necessidade do controle de
outro. A relação dos dois se desenvolve como num limite extremo entre o espaço
egoísta dos dois, do desejo para com outro e de ser desejado pelo outro. Nessa
estranheza guerra de sedução, a violência, seja simbólica quanto real, parece
compor algo muito comum de todas as relações, os limites entre o que cada um é,
e o que cada um pode fazer para o outro.
O
espaço entre eles é composto por um mistério que aparentemente é desvendado
numa sequência deslumbrante de silêncio, olhares e de uma espécie de morte de
si. Quando PTA foca no beijo, a trilha cresce e invade, uma estranha luz
fantasmagórica se faz no fundo. Eis aí uma paixão irresistível e por mais
dissecada e aberta pelas entranhas mantém seu mistério de composição romântica,
onde a razão se desfaz.
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