
Num dos três trabalhos produzidos
no ano de 2017, talvez o seu mais simples de todos, Hong Sang-Soo parece fazer
surgir a natureza da fotografia. Certo elemento que já tinha poder em suas
narrativas, se torna o termo fundamental de movimento das vidas de seus
personagens. Manhee, uma gerente de uma produtora, é demitida durante o
Festival de Cannes e conhece Claire, uma mulher francesa que adora fotografar.
Em
sua narrativa fragmentada, sempre existe algo das vidas daqueles personagens de
que nos é excluído, ao mesmo tempo que parece que enxergamos eles de tantas
formas diferentes que o conhecemos por completo. A ordem dos acontecimentos
parece criar um jogo na cabeça do espectador, no qual ele imagina o que
aparentemente se tornou elipse, mas no fundo, o que Hong Sang-Soo quer é
demonstrar como a ordem das ações regula o trabalho do espectador no cinema. Se
algo é suprimido, exige uma implicação que necessita ser diferente. Se algo,
então, retorna de outro ângulo, também provoca uma construção diferente do
espectador e o diretor coreano parece estar sempre perfazendo caminhos que de
certo fazem o espectador olhar para todas as situações de seus filmes, por mais
que similares, de maneira diferente.
Com
isso, a primeira sequência é exatamente assim. Enquanto, Manhee é chamada a
conversar com sua chefe, para um café ocasional na primeira cena. Logo, depois,
com uma elipse, ela se encontra chorosa em um café e uma amiga a encontra, onde
revela que foi demitida por razões inapropriadas. Um pouco depois, o diretor
retorna ao fato que foi elipsado, não encerrado de fato o mistério ou a
imaginação do espectador – como poderia facilmente acontecer –, mas dando força
a ele com o próprio incômodo que ela causa. Afinal, a demissão de Manhee parece
mesquinha e misteriosa. Uma palavra torna-se o mote das ações dos personagens,
pois foi determinante para a demissão da personagem: honestidade.
Se
de um lado temos Manhee completamente abalada e reflexiva acerca de sua
situação, em mais atuação de Kim Min-Hee que carrega consigo não só uma
delicadeza natural, mas uma verdadeira disposição corporal para imergir em seus
personagens, a partir de pequenos gestos e expressões. Do outro, temos a
misteriosa Claire, interpretada com uma simplicidade e estranha ingenuidade por
Isabelle Huppert. A francesa da capital que veio à Cannes assistir a um curta
de uma amiga, mas que passeia por entre as vidas dos personagens, fazendo todas
as vidas se tocarem, mas não se verem. Tudo isso, pois ela acredita no poder de
mudança que a fotografia traz.
A
personagem de Claire constrói o elo narrativo entre Manhee e o outro lado da
situação, sua chefe, interpretada por Chang Min-hee e principalmente So,
interpretado por Jung Jin-young, o diretor com qual as duas estão associadas e
que tem o filme em exibição no Festival. Distante de todo o luxo e correria do
evento, pelos cafés e praias da cidade francesa se formam os encontros e desencontros.
Pois ela se encontra com cada um deles e estabelece um diálogo entre eles a
partir das fotografias que tira de forma espontânea. Não se sabe ao certo se o
que revela aos outros personagens é verdade, mas com o que diz movimenta a
história, mas não só com a fala, mas também com o ato fotográfico.
Talvez
esse seja o ponto mais intenso da narrativa, pois para Claire a fotografia
modifica a pessoa, não é à toa que Roland Barthes, em seu livro a Câmera Clara,
costumava dizer que para se produzir com a pose na foto, deve-se de certo modo
morrer e que toda fotografia era um atestado de morte, sempre aquilo que não é
mais, foi-se. Além disso, traz também consigo a ideia de que só se pode mudar
as coisas as olhando lentamente. E o próprio cinema de Hong Sang-Soo parece
fazer isso, seus planos estáticos e com ocasionais repetições que nos fazem
olhar para o mesmo, para sempre perceber suas inúmeras diferenças. A foto é
dispositivo que não só acelera a narrativa quando faz retornar uma espécie de
“morte” aos personagens e os joga no mundo, como também a lentifica, pois nos
faz olhar para alguns lugares novamente e permanecer com eles.
Muitos
já anunciaram a influência do cinema de Alain Resnais no diretor coreano, assim
como a óbvia influência dos contos morais de Eric Rohmer (seria uma coincidência
este ter um filme chamado “O Joelho de Claire”?), mas ressalto o olhar próximo
de Veermer que o diretor tem ao enquadrar seus personagens, principalmente
neste longa, próximo à entrada de luz na cena, no caso, as janelas. Criando uma
encenação que traz uma iluminação límpida para um ambiente interior, ao passo
que sempre permitir observar o exterior por essas entradas.
Para
não revelar demais de um filme tão curto (uma hora e nove minutos apenas), é
necessário dizer apenas que a tristeza e a alegria, o elusivo cotidiano de Hong
Sang-Soo é sempre uma bela canção do cinema. Honestidade pode definir bem seu
cinema, escreve o que vive, mas transforme-se enquanto isso.
Discordo um pouco do início do texto quando você diz que esse é um dos filmes mais simples dele, pra mim foi um dos mais complexos. Como você citou, ele brinca muito com a ordem cronológica dos fatos (assim como em outros filmes dele) porém, de uma forma muito mais confusa e ampla, em paralelo a isso, existe a presença de uma personagem ambígua e quase impossível de se desvendar, com falas rasas, mas ao mesmo tempo, tocantes. Eu gostei bastante desse filme, a pesar de não ser o meu favorito dele.
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