
Apesar de realizar tarde a publicação, esse foi um dos grandes filmes do ano passado, vencedor de alguns prêmios como o Oscar de melhor atriz e de ator coadjuvante. A emoção que pulsa nas veias destes personagens é o ódio, seja ele com um objeto causal claro, ou não, é através dele que todo o enredo se conecta e chega a seu ápice. Assim, conta história de Mildred, uma mulher que perdeu sua filha e busca a todo momento por respostas daqueles que deveriam ter solucionado o caso. Desencadeando uma série de acontecimentos por ter posto três outdoors fazendo críticas à polícia local.
McDonagh
produziu uma intricada narrativa, na qual toda ação gera uma reação, porém,
indo de encontro a um drama comum, o diretor britânico faz transparecer seu
humor ácido. O que de certo parece causar incômodo em diversos momentos,
afinal, sua narrativa atravessa por temas polêmicos. A ação de Mildred acarreta
em dois pontos principais, como se arrastados pela força de seu ódio: em
primeiro lugar, aos diversos crimes contra as mulheres nunca solucionados ou
esquecidos; em segundo lugar, a crítica à polícia, que tem como princípio
questionar qual a prioridade dessa instituição nos Estados Unidos, solucionar
crimes ou perseverar com o racismo estrutural? São elementos que estão sempre
sendo arrastados pelos atos dos personagens, mas que não são necessariamente o
ponto crucial da narrativa. O estilo do diretor se faz nesse limiar estranho e
inusitado, que muitos acharam parente do cinema dos Irmãos Coen, com a
severidade do mundo atravessada no humor nonsense.
A
maior proeza de sua narrativa reside em construir dois personagens que se
espelham em suas idiossincrasias. Mildred, numa interpretação intensa de
Frances McDormand, com um olhar severo, mesmo que por vezes deixe escapar o
choro, não vive mais o luto de sua vida, por mais que certa culpa paire sobre
sua cabeça. Ela contém um ódio tremendo daquele que a matou, assim como
daqueles que parecem não fazer o suficiente para solucionar o caso. Suas roupas
sempre contêm algo de vermelho, assim como os grandes anúncios, ressaltando a
intensidade do que pronuncia. Do outro lado, Dixon, numa interpretação cheia de
trejeitos, porém ainda crível de Sam Rockwell, um policial desajeitado e cheio
de preconceitos, que não para de ler seus quadrinhos romantizados sobre a
justiça, além de ainda viver com sua mãe, recheado de irresponsabilidade. Ele
recebe com muita intensidade o ódio de Mildred, além de que por todo o filme
gasta suas energias, despejando ódio contra outros, como negros e gays.
Um
dos personagens mais interessantes que habita esse embate é o xerife
Willoughby, interpretado com uma veracidade no olhar por Woody Harrelson, sendo
este um policial que apenas gostaria de fazer um trabalho bem feito, porém vive
enfrentando desavenças tanto da população (Mildred), quanto de dentro da
polícia (Dixon). Esse personagem é como se fosse o verdadeiro cabo de guerra
entre as tensões, e ele se encontra doente, numa situação complicada. Seu arco
narrativo se constrói delicadamente e influência nas principais viradas do
enredo. A verdade é que todos os personagens do longa, mesmo os mais
secundários como o filho de Mildred, interpretado por Lucas Hedges, ou James,
um admirador de Mildred, interpretado por Peter Dinklage, são extremamente
críveis, pois são cheios de qualidades e falhas, não são o mero maniqueísmo que
se costuma ver em filmes de vingança, por exemplo. Alguns destes, por vezes
revelam o universo cinza como ponto de virada, mas aqui, esse universo se
encontra em cada um dos personagens desde o início.
Mas
como havia dito, o espelhamento destes dois polos se faz, não porque são
moralmente ou eticamente parecidos, mas porque existe um movimento de tensão no
dois que os une. É o fogo que os une, o ódio que os dois sentem e os direcionam
ao mundo, atingido aquele objeto de paixão, assim como fazem respingar a
violência ao redor. McDonagh deixa isso bem notório quando coloca os dois
personagens, numa montagem alternada, realizando uma ação muito parecida ao
evitar a efetuação da violência ocasionada pela energia destrutiva do ódio.
Se
o roteiro do longa parece ser seu ponto forte, não quer dizer que a direção de
McDonagh fique para trás. É só observar como dito o uso da montagem, dos
pequenos planos sequências orquestrando as ações dos personagens, alguns
complexos, diga-se de passagem. Ele conduz a narrativa num bom grau de
economia, ressaltando seus personagens e a intensidade de suas ações, além de impor
o ritmo de seu estranho humor no meio de todo esse embrulho de ódio.
Por
fim, é necessário dizer algumas coisas. O espelhamento dos personagens não
torna Dixon moralmente correto, ou um sujeito em sua ética íntima, ele pode ser
visto ainda como um preconceituoso, mas não sejamos reducionistas. Talvez só precisamos
de um pouco mais de racionalidade, tornar nosso ódio útil, não nos deixar levar
a ações imediatas que só levam a mais e mais ódio. Talvez usá-lo com
sabedoria... Mas está aí uma tarefa para toda a história.
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