terça-feira, 24 de julho de 2018

2017 – Lady Bird (Greta Gerwig, EUA) ****1/2 (4.5)


 photo LadyBird825_zpsyjuofu4q.jpg

Gerwig com certeza possui uma leveza no tratamento dos atores, assim como em suas próprias atuações, na qual a espontaneidade é o que rege os olhares e reações dos personagens. Ela que surgiu dos mumblecores e se estabeleceu como uma estrela indie, nos filmes Noah Baumbach, sempre conseguiu criar uma espécie de verdade singela em seus personagens. Ela traz o frescor da juventude em sua narrativa com a mesma energia anárquica de Truffaut. Lady Bird é uma garota com essa energia, desafiando a tudo e a todos, simplesmente pela sua energia.
            
Se auto nomeando Lady Bird como uma espécie de necessidade de criar-se, a protagonista desse filme está sempre indo pelo caminho contrário do que almejam a ela. Em seu colégio, com suas poucas amigas, já que nem todos suportam as investidas criativas e confusas, por vezes até mesmo contraditórias dela. De certo, essas suas espontaneidades pareciam demonstrar uma vontade artística, que logo se efetua no teatro. Bird sonha em ser uma artista, em viver em Nova York, construindo um belo ideal romântico acerca da vida do jovem artista americano. Saoirse Ronan encarna com perfeição os pequenos trejeitos da personagem, os olhares intensos, cada gesto parece tão leve que a personagem parece não caber em nenhum um estereótipo, por mais que atravesse por certos valores da “cultura indie ou hipster” americana.

Já sua mãe, Marion, com quem entra em constantes brigas, é interpretada por Laurie Meatcalf. Ela é faz de tudo pela sua filha, ao mesmo tempo que apresenta uma severidade usual de alguém que se acostumou com certa ordem, certa organização. Elas brigam tanto, pois Marion não consegue compreender a exagerada rebeldia de sua filha, afinal como compreender algo tão sem sentido, mas tão usual?
            
Assim, de ponto cômico a ponto cômico a narrativa vaga por acontecimentos aparentemente irrelevantes na vida da personagem, como o namoro com Danny e seu término compreensível, ou ainda sua relação com o mid-cult Kyle. Seus amores sempre tem a intensidade de uma vida inteira em um período curto de tempo, pois no fim parecem apenas maneiras de se mostrar forte ou capaz o suficiente. A todo momento ela tenta estetizar seu eu, com seu nome, com a produção de diversas imagens para os outros, até tentando viver certas experiências, apenas para compor seu próprio eu à maneira que deseja ou que romantiza. É interessante se pensar que Bird só não se torna completamente insuportável com sua rebeldia sem sentido, por conta do realismo que Gerwig impõe na narrativa, que a transformam em algo mais complexo. Por assim dizer, é só observar as pequenas mudanças por qual passa a personagem, nada exagerado ou catártico. Sua mudança não é para torná-la uma pessoa diferente.
            
Gerwig enquadra as personagens nas cenas em exteriores quase sempre de corpo inteiro, pois é necessário vê-las em seu ambiente, fazendo completamente parte do cenário. Pois, além de ser um filme para sua própria juventude, este é um filme sobre sua cidade natal Sacramento. Aos poucos percebe-se a importância dos espaços no filme, quando suas curvas, seus caminhos começam a desaparecer. Ou ainda, com alguns espelhamentos narrativos, como o travelling na qual Bird e sua amiga Julie passeiam pelo subúrbio de Sacramento, em contraponto ao travelling que acompanha a solitária Bird em Nova York. Outro recurso interessante é um espelhamento com uma imagem virtual, em que as duas amigas observam a ponte de Sacramento que espelha duplamente a grande ponte de São Francisco no mesmo estado (referenciado por Hitchcock em Um Corpo Que Cai) e ainda a grande ponte de Nova York (referenciado por Woody Allen em Manhattan).
            
O que mais impressiona é a sinceridade com que a diretora expõe os comportamentos mais divertidos, como os mais insólitos de sua personagem. Como por exemplo a briga com qual usa uma ofensa racista com seu irmão adotado. É essa sinceridade que aos poucos vai tornando a personagem cada vez mais complexa e interessante, afinal, ela não é perfeita, ela não é reduzida a uma espécie de função narrativa. O suicídio e a depressão também aparecem em volta das personagens, seja de forma bem familiar ou um pouco mais distante, Gerwig puxa completamente um diálogo, a partir de sua juventude, para com a juventude atual. Trazendo até as músicas de seu tempo (não muito distante, afinal, ela tem 34 anos atualmente).
            
Bird é tão próxima de Gerwig, quanto Doinel foi de Truffaut, jovens rebeldes. Que com a intensidade que apreendem o mundo querem também o construir. Ela não é engajada socialmente, ela não é uma pessoa extremamente inteligente, não é revolucionária, não é nobre, também não sofreu algo de notável na vida, talvez seus desejos e sofrimento sejam simples, pueris demais. Mas a sinceridade com que tudo é exposto, assim como sua realidade encantam.

# E para aqueles que gostariam de saber o que aconteceu com Bird após o fim do filme, Frances Ha, dirigido por Baumbach e roteirizado por Gerwig é praticamente uma sequência desta história.

Um comentário:

  1. Lindo! Esse filme me tocou muito, tanto ele quanto frances ha, eu tenho uma mania de me encontrar em personagens um pouco destrutivos

    ResponderExcluir