
Gerwig com certeza possui uma
leveza no tratamento dos atores, assim como em suas próprias atuações, na qual
a espontaneidade é o que rege os olhares e reações dos personagens. Ela que
surgiu dos mumblecores e se estabeleceu como uma estrela indie, nos filmes Noah
Baumbach, sempre conseguiu criar uma espécie de verdade singela em seus
personagens. Ela traz o frescor da juventude em sua narrativa com a mesma
energia anárquica de Truffaut. Lady Bird é uma garota com essa energia,
desafiando a tudo e a todos, simplesmente pela sua energia.
Se
auto nomeando Lady Bird como uma espécie de necessidade de criar-se, a
protagonista desse filme está sempre indo pelo caminho contrário do que almejam
a ela. Em seu colégio, com suas poucas amigas, já que nem todos suportam as
investidas criativas e confusas, por vezes até mesmo contraditórias dela. De
certo, essas suas espontaneidades pareciam demonstrar uma vontade artística,
que logo se efetua no teatro. Bird sonha em ser uma artista, em viver em Nova
York, construindo um belo ideal romântico acerca da vida do jovem artista
americano. Saoirse Ronan encarna com perfeição os pequenos trejeitos da
personagem, os olhares intensos, cada gesto parece tão leve que a personagem
parece não caber em nenhum um estereótipo, por mais que atravesse por certos
valores da “cultura indie ou hipster” americana.
Já sua mãe,
Marion, com quem entra em constantes brigas, é interpretada por Laurie
Meatcalf. Ela é faz de tudo pela sua filha, ao mesmo tempo que apresenta uma
severidade usual de alguém que se acostumou com certa ordem, certa organização.
Elas brigam tanto, pois Marion não consegue compreender a exagerada rebeldia de
sua filha, afinal como compreender algo tão sem sentido, mas tão usual?
Assim,
de ponto cômico a ponto cômico a narrativa vaga por acontecimentos
aparentemente irrelevantes na vida da personagem, como o namoro com Danny e seu
término compreensível, ou ainda sua relação com o mid-cult Kyle. Seus amores
sempre tem a intensidade de uma vida inteira em um período curto de tempo, pois
no fim parecem apenas maneiras de se mostrar forte ou capaz o suficiente. A
todo momento ela tenta estetizar seu eu, com seu nome, com a produção de
diversas imagens para os outros, até tentando viver certas experiências, apenas
para compor seu próprio eu à maneira que deseja ou que romantiza. É
interessante se pensar que Bird só não se torna completamente insuportável com
sua rebeldia sem sentido, por conta do realismo que Gerwig impõe na narrativa,
que a transformam em algo mais complexo. Por assim dizer, é só observar as
pequenas mudanças por qual passa a personagem, nada exagerado ou catártico. Sua
mudança não é para torná-la uma pessoa diferente.
Gerwig
enquadra as personagens nas cenas em exteriores quase sempre de corpo inteiro,
pois é necessário vê-las em seu ambiente, fazendo completamente parte do
cenário. Pois, além de ser um filme para sua própria juventude, este é um filme
sobre sua cidade natal Sacramento. Aos poucos percebe-se a importância dos
espaços no filme, quando suas curvas, seus caminhos começam a desaparecer. Ou
ainda, com alguns espelhamentos narrativos, como o travelling na qual Bird e
sua amiga Julie passeiam pelo subúrbio de Sacramento, em contraponto ao
travelling que acompanha a solitária Bird em Nova York. Outro recurso interessante
é um espelhamento com uma imagem virtual, em que as duas amigas observam a
ponte de Sacramento que espelha duplamente a grande ponte de São Francisco no
mesmo estado (referenciado por Hitchcock em Um Corpo Que Cai) e ainda a grande
ponte de Nova York (referenciado por Woody Allen em Manhattan).
O
que mais impressiona é a sinceridade com que a diretora expõe os comportamentos
mais divertidos, como os mais insólitos de sua personagem. Como por exemplo a
briga com qual usa uma ofensa racista com seu irmão adotado. É essa sinceridade
que aos poucos vai tornando a personagem cada vez mais complexa e interessante,
afinal, ela não é perfeita, ela não é reduzida a uma espécie de função
narrativa. O suicídio e a depressão também aparecem em volta das personagens,
seja de forma bem familiar ou um pouco mais distante, Gerwig puxa completamente
um diálogo, a partir de sua juventude, para com a juventude atual. Trazendo até
as músicas de seu tempo (não muito distante, afinal, ela tem 34 anos
atualmente).
Bird
é tão próxima de Gerwig, quanto Doinel foi de Truffaut, jovens rebeldes. Que
com a intensidade que apreendem o mundo querem também o construir. Ela não é
engajada socialmente, ela não é uma pessoa extremamente inteligente, não é
revolucionária, não é nobre, também não sofreu algo de notável na vida, talvez
seus desejos e sofrimento sejam simples, pueris demais. Mas a sinceridade com
que tudo é exposto, assim como sua realidade encantam.
# E para aqueles que gostariam de
saber o que aconteceu com Bird após o fim do filme, Frances Ha, dirigido por
Baumbach e roteirizado por Gerwig é praticamente uma sequência desta história.
Lindo! Esse filme me tocou muito, tanto ele quanto frances ha, eu tenho uma mania de me encontrar em personagens um pouco destrutivos
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