quinta-feira, 5 de julho de 2018

2017 – Me Chame Pelo Seu Nome (Luca Guadagnino, EUA & Itália) ****1/2 (4.5)


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O novo longa de Guadagnino, escrito com o mesmo sabor de outrora por James Ivory, continua conseguindo descrever com uma precisão absurda o ato de se apaixonar, porém sempre com espaço para que a vida em sua incondicional estranheza se faça. Elio é um jovem que está de férias no Norte da Itália, com sua família, quando se apaixona por Oliver, um aluno arqueólogo de seu pai.
            
Mas talvez dizer dessa forma seja simplificar o que se realiza num processo minucioso, porém liberto de se apaixonar. Elio, interpretado com uma sinceridade jovial por Timothée Chalamet, é um leitor ávido, filhos de pais altamente ligados tanto à ciência (pelas pesquisas de seu pai) ou à arte (pelo apreço à literatura de sua mãe). Porém, também é jovem e se entedia com facilidade na pequena cidade italiana, onde está sempre à procura de uma boa nova história para descobrir e acaba por encontrá-las nos livros. Para acabar com a morosidade de suas férias, a presença do convidado de seu pai, Oliver, interpretado por Armie Hammer, acaba por distorcer a ordem das coisas e confundir a cabeça do garoto. Não só porque ele traz uma espécie de novidade a um ambiente de mesmice, como também é uma estátua grega ambulante, com suas curvas helénicas.
            
Guadagnino prioriza planos longos, captando a sutileza nas atuações de cada um, são atuações de gestos muito mais que de caráter. Essa por sua vez não tenta produzir um personagem que se torne uma figura, um ícone, mas sim um ser que se movimenta com afeto pelo ambiente e pode produzir uma intensidade. E é por isso, que na competitividade desenvolvida pelos dois personagens, o diretor deixa a câmera estática a observar os dois desafiando-se em pequenos jogos mentais e corporais. A princípio, tem-se a impressão de ser uma batalha por território, mas logo vai se tornando uma admiração tremenda, eles reconhecem a total alteridade de cada um deles.

É nesse idílio, herdeiro de Renoir e dos próprios filmes de Ivory, que os dois homens se debruçam sobre a grama, se jogam pelos lagos secretos, se conectam com a natureza, mas não em busca de uma “eu” natural interior, mas em experimentar seus corpos. Principalmente Elio, no auge de sua adolescência e da exploração de sua sexualidade, não é à toa a icônica cena do pêssego que é seguido aos prantos do personagem, pois a experimentação é sempre estar no limiar do que sabe e do que não sabe, é sempre olhar para um abismo do desconhecido, que lhe torna por vezes passivo aos próprios afetos. É por isso que é possível compreender a relação de Elio com Marzia, interpretada por Esther Garrel.
            
A sequência em que o seu pai o convida para acompanhar na descoberta de uma estátua pela praia é de um frescor de descoberta imenso. Não só contém, a partir da figura de contemplação da estátua encontrada, o elo que pode conectar os dois protagonistas, mas principalmente o plano no qual a estátua surge das águas.  É a partir do comentário de seu pai acerca do chamado ao desejo que a estátua grega propõe que se percebe a intensidade dessa sequência. Tudo se faz pelos gestos, seja um aperto de mão, um toque mais duradouro, é o corpo que prevalece.
            
A fotografia de Sayombhu Mukdeeproom, grande companheiro de Apichatpong Weerasethakul e de Miguel Gomes, consegue captar com perfeição a leveza da natureza, do tempo que parecia infinito, captando o verde e o azul límpido. Talvez este filme é aquele que contenha a cor mais poderosa em relação à sensação de idílio. Aliás, a montagem impõe esse ritmo morno, eterno, com suas imagens que se dissolvem, se fundem. Acompanhada de uma trilha sonora cheia de músicas clássicas e com a bela participação de Sufjan Stevens, com sua voz doce e o violão sincero. Com essa composição de aspectos técnicos, a decupagem de Guadagnino, aliada do forte roteiro de Ivory vão traçando uma das mais belas histórias de amor. 
            
Pois bem, a competição se torna amor, mas para além disso, o filme tem a potência de fazer os personagens deixarem seus próprios “eu” de lado e se inverterem. Eles já faziam isso pouco a pouco no longa, seja a iniciativa de Elio de usar o colar judeu de Oliver, ou o americano que começa a fumar, como se fosse uma aproximação de alteridades. Não, eles não se imitam, a arte, assim como o amor não deve nada a imitação e sim ao devir. Quando Oliver diz “me chame pelo seu nome que eu o chamarei pelo meu” é como se estive numa metamorfose com Elio, mas não que gera um híbrido quimérico, é como se os dois se transformassem de forma tremenda pelo outro. Os dois permitem a invasão de seu eu por essa figura do outro de forma tamanha que o “eu” não é fixo.
            
O devir se encontra aí como mote de todo o desenvolvimento do enredo, não se passa impune de suas experiências, sempre se altera o sujeito e o que o atravessa. Seria muito fácil apenas dizer que Elio descobriu-se gay, ou que é bissexual, assim como Oliver, porém o que todos os espectadores presenciam é um acontecimento de paixão. Seja pelo subtexto de Heidegger, ou pela frequência do movimento da água, sempre partindo. Me Chame Pelo Seu Nome é uma história de amor que transforma, reside aqui um Eros poderoso, não há necessidade de exposição ou de explicação, muito menos de definições, apenas a potência dos gestos que preservarão no tempo como as estátuas gregas.
            
Portanto, esse longa é um dos melhores romances do século XXI, pois nos faz relembrar que nem tudo está perdido quando se fala sobre o amor. Temos que nos perder um pouco mais nele, deixar que outro exista e ateste sua diferença, pois o que estamos fazendo é tentar domá-lo para que ele se torne igual e por isso a rejeição em relação a expressão do amor.

Um comentário:

  1. Esse filme não possui uma temática lgbt, e sim, o puro e simples ato de se apaixonar. Ele filme fala sobre amor, e mostra minuciosamente como surge uma paixão entre dois jovens, da forma mais linda, e natural, possivel

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