
O novo longa de Guadagnino,
escrito com o mesmo sabor de outrora por James Ivory, continua conseguindo
descrever com uma precisão absurda o ato de se apaixonar, porém sempre com
espaço para que a vida em sua incondicional estranheza se faça. Elio é um jovem
que está de férias no Norte da Itália, com sua família, quando se apaixona por
Oliver, um aluno arqueólogo de seu pai.
Mas
talvez dizer dessa forma seja simplificar o que se realiza num processo
minucioso, porém liberto de se apaixonar. Elio, interpretado com uma
sinceridade jovial por Timothée Chalamet, é um leitor ávido, filhos de pais
altamente ligados tanto à ciência (pelas pesquisas de seu pai) ou à arte (pelo
apreço à literatura de sua mãe). Porém, também é jovem e se entedia com
facilidade na pequena cidade italiana, onde está sempre à procura de uma boa
nova história para descobrir e acaba por encontrá-las nos livros. Para acabar
com a morosidade de suas férias, a presença do convidado de seu pai, Oliver,
interpretado por Armie Hammer, acaba por distorcer a ordem das coisas e
confundir a cabeça do garoto. Não só porque ele traz uma espécie de novidade a
um ambiente de mesmice, como também é uma estátua grega ambulante, com suas
curvas helénicas.
Guadagnino
prioriza planos longos, captando a sutileza nas atuações de cada um, são
atuações de gestos muito mais que de caráter. Essa por sua vez não tenta
produzir um personagem que se torne uma figura, um ícone, mas sim um ser que se
movimenta com afeto pelo ambiente e pode produzir uma intensidade. E é por
isso, que na competitividade desenvolvida pelos dois personagens, o diretor
deixa a câmera estática a observar os dois desafiando-se em pequenos jogos
mentais e corporais. A princípio, tem-se a impressão de ser uma batalha por
território, mas logo vai se tornando uma admiração tremenda, eles reconhecem a
total alteridade de cada um deles.
É nesse
idílio, herdeiro de Renoir e dos próprios filmes de Ivory, que os dois homens
se debruçam sobre a grama, se jogam pelos lagos secretos, se conectam com a
natureza, mas não em busca de uma “eu” natural interior, mas em experimentar
seus corpos. Principalmente Elio, no auge de sua adolescência e da exploração
de sua sexualidade, não é à toa a icônica cena do pêssego que é seguido aos
prantos do personagem, pois a experimentação é sempre estar no limiar do que
sabe e do que não sabe, é sempre olhar para um abismo do desconhecido, que lhe
torna por vezes passivo aos próprios afetos. É por isso que é possível
compreender a relação de Elio com Marzia, interpretada por Esther Garrel.
A
sequência em que o seu pai o convida para acompanhar na descoberta de uma
estátua pela praia é de um frescor de descoberta imenso. Não só contém, a
partir da figura de contemplação da estátua encontrada, o elo que pode conectar
os dois protagonistas, mas principalmente o plano no qual a estátua surge das
águas. É a partir do comentário de seu
pai acerca do chamado ao desejo que a estátua grega propõe que se percebe a
intensidade dessa sequência. Tudo se faz pelos gestos, seja um aperto de mão,
um toque mais duradouro, é o corpo que prevalece.
A
fotografia de Sayombhu Mukdeeproom, grande companheiro de Apichatpong
Weerasethakul e de Miguel Gomes, consegue captar com perfeição a leveza da
natureza, do tempo que parecia infinito, captando o verde e o azul límpido.
Talvez este filme é aquele que contenha a cor mais poderosa em relação à sensação
de idílio. Aliás, a montagem impõe esse ritmo morno, eterno, com suas imagens
que se dissolvem, se fundem. Acompanhada de uma trilha sonora cheia de músicas
clássicas e com a bela participação de Sufjan Stevens, com sua voz doce e o
violão sincero. Com essa composição de aspectos técnicos, a decupagem de
Guadagnino, aliada do forte roteiro de Ivory vão traçando uma das mais belas
histórias de amor.
Pois
bem, a competição se torna amor, mas para além disso, o filme tem a potência de
fazer os personagens deixarem seus próprios “eu” de lado e se inverterem. Eles
já faziam isso pouco a pouco no longa, seja a iniciativa de Elio de usar o
colar judeu de Oliver, ou o americano que começa a fumar, como se fosse uma
aproximação de alteridades. Não, eles não se imitam, a arte, assim como o amor
não deve nada a imitação e sim ao devir. Quando Oliver diz “me chame pelo seu
nome que eu o chamarei pelo meu” é como se estive numa metamorfose com Elio,
mas não que gera um híbrido quimérico, é como se os dois se transformassem de
forma tremenda pelo outro. Os dois permitem a invasão de seu eu por essa figura
do outro de forma tamanha que o “eu” não é fixo.
O
devir se encontra aí como mote de todo o desenvolvimento do enredo, não se
passa impune de suas experiências, sempre se altera o sujeito e o que o
atravessa. Seria muito fácil apenas dizer que Elio descobriu-se gay, ou que é
bissexual, assim como Oliver, porém o que todos os espectadores presenciam é um
acontecimento de paixão. Seja pelo subtexto de Heidegger, ou pela frequência do
movimento da água, sempre partindo. Me Chame Pelo Seu Nome é uma história de
amor que transforma, reside aqui um Eros
poderoso, não há necessidade de exposição ou de explicação, muito menos de
definições, apenas a potência dos gestos que preservarão no tempo como as
estátuas gregas.
Portanto,
esse longa é um dos melhores romances do século XXI, pois nos faz relembrar que
nem tudo está perdido quando se fala sobre o amor. Temos que nos perder um
pouco mais nele, deixar que outro
exista e ateste sua diferença, pois o que estamos fazendo é tentar domá-lo para
que ele se torne igual e por isso a rejeição em relação a expressão do amor.
Esse filme não possui uma temática lgbt, e sim, o puro e simples ato de se apaixonar. Ele filme fala sobre amor, e mostra minuciosamente como surge uma paixão entre dois jovens, da forma mais linda, e natural, possivel
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