terça-feira, 22 de maio de 2018

2017 – Star Wars: Os Últimos Jedi (Rian Johnson, EUA) ****1/2 (4.5)

 photo STILL-25-920x584_zps5oevc11o.jpg

Como produzir um Star Wars para os tempos de hoje, num mundo tão cinzento, no qual o bem e o mal não são conceitos que caracterizam mais a sociedade? Uma franquia que se fechava em sua batalha eterna entre o bem e o mal, num maniqueísmo que já havia sido desafiado, mas por fim, sempre ressaltado. Rian Johnson continuou nos passos de J.J Abrams entregando pitadas do que já foi visto, como certas estruturas narrativas de construção dos personagens, mas ele foi além quando fez todos os ídolos caírem de seus pedestais, não existe herói ou vilão austero.
            
Essa crítica tem um caráter bem distinto de outras, apesar de não revelar nada que não seja apresentado para além do primeiro ato, me atenho bastante ao movimento narrativo, em suas reverberações.
            
Existem quatro núcleos narrativos distintos que se inter-relacionam: a relação que se desenvolve com Rey pedindo a Luke que ele participe da batalha contra a Nova Ordem; a situação de Kylo Ren dentro da Nova Ordem; a relação intensa entre uma nova e uma velha geração da Resistência, tendo o embate entre Poe Demeron e Leia, e mais precisamente sua escolhida Holdo; e por fim, a missão inusitada de Finn e Rose.
            
Bem, a Resistência segue fugindo da Nova Ordem, sendo perseguida passo a passo, precisando tomar decisões cada vez mais catastróficas para que a faísca sobreviva. Poe Demeron, o heroico e idealizado personagem do filme anterior, mostra-se um homem bastante impulsivo, acreditando mais em sua vontade que a de um coletivo. Após suas escolhas arriscadas, Leia o impede de fazer comando pela Resistência, nomeando uma misteriosa General Holdo em seu lugar, interpretada por Luara Dern.  Na transposição desse núcleo, Kylo Ren se sente falho, não só por ter perdido uma batalha anterior para pessoas menos treinadas, como também por ter matado seu pai. Ele vivencia também uma quebra do ideal. Enquanto um se enxerga como o rebelde perfeito, aquele que faz o inimaginável ao custo de diversas coisas, Kylo percebe como está sendo moldado a completar um destino que no fundo não é seu.
            
Finn acorda, após os ferimentos da batalha do filme anterior, no meio da fuga da Resistência. Ele ainda é o mesmo, louco para fugir, viver em paz. Desde que apareceu ele foi apresentado como um homem que foge e é isso que pretende fazer quando é impedido por Rose. Ela é uma jovem resistente que perdeu sua irmã a pouco tempo e atua como guardadora das cápsulas de fuga da nave, ela concebe com bastante clareza o que é ser um membro da Resistência, e o que isso significa para aqueles que sofrem opressão em todo o universo. Eles se envolvem no impasse de Poe. Por ser rebelde ele deve agir urgentemente, porém está impossibilitado de comandar, já que Holdo tem seu próprio plano para resolver tal situação. Nessa transposição Finn e Rose são mandados ao o Casino de Canto Bight para encontra um decodificador para salvá-los do rastreio da Nova Ordem.
            
A sequência do Casino é carregada de certa estranheza, a música de John Williams aqui emula as melodias do cabaré em sua mistura com outros ritmos e, com isso, o passeio pelas criaturas absurdas e divertidas é tão próxima ao universo criado por George Lucas. Mas o ritmo dessa sequência é um pouco defasado em relação aos outros da narrativa, fugindo da intensidade, ele se propõe a momentos mais divertidos, o que não é necessariamente ruim, mas sofre de algumas articulações de ação bem frágeis. De qualquer forma, a força dessa sequência reside em sua possibilidade de estreitar ainda mais os laços entre os lados maniqueístas. Canto Bight é um casino onde vendem naves tanto para a Resistência quanto para Nova Ordem, enquanto uns guerreiam e sofrem, outro se divertem em hedonismo a custo das mortes. Nada diferente do mercado armamentista nos tempos de hoje.
            
A visão desse horror promove duas situações importantes: a primeira é a apropriação de Rose do ideal de rebelde, com o uso até mesmo cafona do anel que revela o símbolo do grupo para algumas crianças escravizadas. Mesmo vendo a realidade cinzenta do mercado. A segunda é a visão que Finn constrói sobre isso, ele passa a reconhecer melhor qual a possibilidade prática da esperança, pois para além da fuga, ela acaba por fazer alguns sujeitos agirem no meio do inesperado.
            
Mas de certo, o núcleo de Rey era o que mais interessava ao público. Em sua tentativa de trazer Luke de volta para a batalha. Johnson produz momentos do inesperado aqui, principalmente em relação a figura de Luke, que em sua última aparição parecia ser o ideal de um Jedi perfeito, que em seu estilo estoico, apenas realiza suas funções com plena certeza e necessidade. Novamente existem falhas nessas construções ideais. Luke não só renunciou todo o seu conhecimento Jedi, como também foi o principal causador da criação da Nova Ordem. Sua renúncia é de uma melancolia imensa, por mais que habilmente a Ilha em que viva seja recheada de criaturas e momentos divertidos.
            
Rey se depara com essa dificuldade contemporânea em que todos os grandes seres das representações mitológicas se destruíram, ruíram, tornaram-se apenas ficção. É aí que temos alguns grandes acontecimentos acerca da mitologia da Força. A primeira é o treinamento que Luke propõe, já que de certeza ele não poderá ajudar. Rian Johnson expõe sua habilidade em como a montagem e sua composição até mesmo simples conseguem evocar o sentido, a intensidade e complexidade desse mistério que chamam de força. O segundo é sobre como a Ilha se organiza, pois, ela é um templo Jedi e por isso mesmo existe a árvore dos Jedi – carregando sabedoria, expressando a linhagem hereditária das habilidades, o pacto histórico com o bem – e, o buraco dos Sith, em que as raízes se misturam de forma desordenada, praticamente um rizoma – carregando o mistério, o caos e o vazio –.
            
O fracasso de Luke como Jedi é na verdade um componente de seu aprendizado, não é à toa que um grande personagem diz que o fracasso é o melhor professor. Mark Hamill está em sua melhor atuação da carreira, demonstrando com o olhar o mesmo Luke que já havíamos visto anteriormente e ao mesmo tempo um rosto novo, o do homem fracassado, daquele que se exilou e fugiu. Na transposição nesse intricado diálogo entre os ideais e a realidade, sobre acertar ou errar, sobre o bem e o mal, Kylo Ren misteriosamente entra em comunicação pela força com Rey. Essa relação ajuda a entender o quanto os dois se parecem. Kylo, em mais uma atuação excepcional de Adam Driver, continua desesperado por conseguir tornar-se um verdadeiro Sith, para tornar-se o ditador da galáxia, porém seu desespero agora faz reinar uma dúvida que o coloca no ponto limite. Já Rey, com mais uma atuação singela e emocional de Daisy Ridley, se vê perdida reunida com lendas e com um grandioso poder do qual ainda não sabe como refinar.
            
Essa combinação é o que gera a intensidade entre a relação deles, pois os dois se reconhecem e sofrem com a condição de não saberem mais a direção que estão indo. Um dos acontecimentos mais potentes de toda o longa é o encontro dos dois na Nave de Snoke, não só esteticamente surreal, pelo uso exagerado e quase onírico do vermelho, mas principalmente pelo resultado narrativo final, é nesse momento que se decide onde reside a esperança.
            
Veja bem, a grande potência de todos esses núcleos narrativos que ficam se intercalando é exatamente esse vetor que atravessa todas as histórias. Um diálogo eterno entre o passado, o presente e o futuro. Todos eles constroem visões diferentes de como lidar com eles, se Kylo Ren desdobra ao máximo a proposta “mate seu passado” (quase a mesma que a de Luke incialmente), Finn descobre finalmente o que é ser um Rebelde. Pois aqui a esperança surge no meio da situação trágica e ela não está nos ideais do passado, ela não está numa tentativa de apagar o passado também, mas sim na força de olhar para frente. Poe Demeron aprende com as lideranças do passado, Rey aprende com a melancolia do presente e Finn encontra seu futuro, a verdade é que todos os principais personagens dessa nova trilogia transitam por um desenvolvimento meticuloso.
            
Saindo do arquétipo comum do herói, o fracasso que já era uma peça importante se torna fundamental para entender o trágico da esperança. Num ritmo alucinante, Johnson dirigiu com maestria as sequências de ação, mesmo que curtas elas carregam uma intensidade que não está só na música, nas dezenas de piruetas, mas nos gestos próprios. Aliás, o último arco narrativo que ocorre no Planeta Crait, salgado e pungente, arrepia o espectador pela habilidade de organizar os afetos de seus personagens no meio do caos, criando uma faísca que pode se tornar fogo a qualquer momento.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário