
Como produzir um Star Wars para
os tempos de hoje, num mundo tão cinzento, no qual o bem e o mal não são
conceitos que caracterizam mais a sociedade? Uma franquia que se fechava em sua
batalha eterna entre o bem e o mal, num maniqueísmo que já havia sido
desafiado, mas por fim, sempre ressaltado. Rian Johnson continuou nos passos de
J.J Abrams entregando pitadas do que já foi visto, como certas estruturas
narrativas de construção dos personagens, mas ele foi além quando fez todos os
ídolos caírem de seus pedestais, não existe herói ou vilão austero.
Essa
crítica tem um caráter bem distinto de outras, apesar de não revelar nada que
não seja apresentado para além do primeiro ato, me atenho bastante ao movimento
narrativo, em suas reverberações.
Existem
quatro núcleos narrativos distintos que se inter-relacionam: a relação que se
desenvolve com Rey pedindo a Luke que ele participe da batalha contra a Nova
Ordem; a situação de Kylo Ren dentro da Nova Ordem; a relação intensa entre uma
nova e uma velha geração da Resistência, tendo o embate entre Poe Demeron e
Leia, e mais precisamente sua escolhida Holdo; e por fim, a missão inusitada de
Finn e Rose.
Bem,
a Resistência segue fugindo da Nova Ordem, sendo perseguida passo a passo,
precisando tomar decisões cada vez mais catastróficas para que a faísca
sobreviva. Poe Demeron, o heroico e idealizado personagem do filme anterior,
mostra-se um homem bastante impulsivo, acreditando mais em sua vontade que a de
um coletivo. Após suas escolhas arriscadas, Leia o impede de fazer comando pela
Resistência, nomeando uma misteriosa General Holdo em seu lugar, interpretada
por Luara Dern. Na transposição desse
núcleo, Kylo Ren se sente falho, não só por ter perdido uma batalha anterior para
pessoas menos treinadas, como também por ter matado seu pai. Ele vivencia
também uma quebra do ideal. Enquanto um se enxerga como o rebelde perfeito,
aquele que faz o inimaginável ao custo de diversas coisas, Kylo percebe como
está sendo moldado a completar um destino que no fundo não é seu.
Finn
acorda, após os ferimentos da batalha do filme anterior, no meio da fuga da
Resistência. Ele ainda é o mesmo, louco para fugir, viver em paz. Desde que
apareceu ele foi apresentado como um homem que foge e é isso que pretende fazer
quando é impedido por Rose. Ela é uma jovem resistente que perdeu sua irmã a
pouco tempo e atua como guardadora das cápsulas de fuga da nave, ela concebe
com bastante clareza o que é ser um membro da Resistência, e o que isso significa
para aqueles que sofrem opressão em todo o universo. Eles se envolvem no
impasse de Poe. Por ser rebelde ele deve agir urgentemente, porém está
impossibilitado de comandar, já que Holdo tem seu próprio plano para resolver
tal situação. Nessa transposição Finn e Rose são mandados ao o Casino de Canto
Bight para encontra um decodificador para salvá-los do rastreio da Nova Ordem.
A
sequência do Casino é carregada de certa estranheza, a música de John Williams
aqui emula as melodias do cabaré em sua mistura com outros ritmos e, com isso,
o passeio pelas criaturas absurdas e divertidas é tão próxima ao universo
criado por George Lucas. Mas o ritmo dessa sequência é um pouco defasado em
relação aos outros da narrativa, fugindo da intensidade, ele se propõe a
momentos mais divertidos, o que não é necessariamente ruim, mas sofre de
algumas articulações de ação bem frágeis. De qualquer forma, a força dessa
sequência reside em sua possibilidade de estreitar ainda mais os laços entre os
lados maniqueístas. Canto Bight é um casino onde vendem naves tanto para a
Resistência quanto para Nova Ordem, enquanto uns guerreiam e sofrem, outro se
divertem em hedonismo a custo das mortes. Nada diferente do mercado armamentista
nos tempos de hoje.
A
visão desse horror promove duas situações importantes: a primeira é a
apropriação de Rose do ideal de rebelde, com o uso até mesmo cafona do anel que
revela o símbolo do grupo para algumas crianças escravizadas. Mesmo vendo a realidade
cinzenta do mercado. A segunda é a visão que Finn constrói sobre isso, ele
passa a reconhecer melhor qual a possibilidade prática da esperança, pois para
além da fuga, ela acaba por fazer alguns sujeitos agirem no meio do inesperado.
Mas
de certo, o núcleo de Rey era o que mais interessava ao público. Em sua
tentativa de trazer Luke de volta para a batalha. Johnson produz momentos do
inesperado aqui, principalmente em relação a figura de Luke, que em sua última
aparição parecia ser o ideal de um Jedi perfeito, que em seu estilo estoico,
apenas realiza suas funções com plena certeza e necessidade. Novamente existem
falhas nessas construções ideais. Luke não só renunciou todo o seu conhecimento
Jedi, como também foi o principal causador da criação da Nova Ordem. Sua
renúncia é de uma melancolia imensa, por mais que habilmente a Ilha em que viva
seja recheada de criaturas e momentos divertidos.
Rey
se depara com essa dificuldade contemporânea em que todos os grandes seres das
representações mitológicas se destruíram, ruíram, tornaram-se apenas ficção. É
aí que temos alguns grandes acontecimentos acerca da mitologia da Força. A
primeira é o treinamento que Luke propõe, já que de certeza ele não poderá
ajudar. Rian Johnson expõe sua habilidade em como a montagem e sua composição
até mesmo simples conseguem evocar o sentido, a intensidade e complexidade
desse mistério que chamam de força. O segundo é sobre como a Ilha se organiza, pois,
ela é um templo Jedi e por isso mesmo existe a árvore dos Jedi – carregando
sabedoria, expressando a linhagem hereditária das habilidades, o pacto
histórico com o bem – e, o buraco dos Sith, em que as raízes se misturam de
forma desordenada, praticamente um rizoma – carregando o mistério, o caos e o
vazio –.
O
fracasso de Luke como Jedi é na verdade um componente de seu aprendizado, não é
à toa que um grande personagem diz que o fracasso é o melhor professor. Mark
Hamill está em sua melhor atuação da carreira, demonstrando com o olhar o mesmo
Luke que já havíamos visto anteriormente e ao mesmo tempo um rosto novo, o do
homem fracassado, daquele que se exilou e fugiu. Na transposição nesse
intricado diálogo entre os ideais e a realidade, sobre acertar ou errar, sobre
o bem e o mal, Kylo Ren misteriosamente entra em comunicação pela força com
Rey. Essa relação ajuda a entender o quanto os dois se parecem. Kylo, em mais
uma atuação excepcional de Adam Driver, continua desesperado por conseguir
tornar-se um verdadeiro Sith, para tornar-se o ditador da galáxia, porém seu
desespero agora faz reinar uma dúvida que o coloca no ponto limite. Já Rey, com
mais uma atuação singela e emocional de Daisy Ridley, se vê perdida reunida com
lendas e com um grandioso poder do qual ainda não sabe como refinar.
Essa
combinação é o que gera a intensidade entre a relação deles, pois os dois se
reconhecem e sofrem com a condição de não saberem mais a direção que estão
indo. Um dos acontecimentos mais potentes de toda o longa é o encontro dos dois
na Nave de Snoke, não só esteticamente surreal, pelo uso exagerado e quase
onírico do vermelho, mas principalmente pelo resultado narrativo final, é nesse
momento que se decide onde reside a esperança.
Veja
bem, a grande potência de todos esses núcleos narrativos que ficam se
intercalando é exatamente esse vetor que atravessa todas as histórias. Um
diálogo eterno entre o passado, o presente e o futuro. Todos eles constroem
visões diferentes de como lidar com eles, se Kylo Ren desdobra ao máximo a
proposta “mate seu passado” (quase a mesma que a de Luke incialmente), Finn
descobre finalmente o que é ser um Rebelde. Pois aqui a esperança surge no meio
da situação trágica e ela não está nos ideais do passado, ela não está numa
tentativa de apagar o passado também, mas sim na força de olhar para frente.
Poe Demeron aprende com as lideranças do passado, Rey aprende com a melancolia
do presente e Finn encontra seu futuro, a verdade é que todos os principais
personagens dessa nova trilogia transitam por um desenvolvimento meticuloso.
Saindo do arquétipo comum do herói,
o fracasso que já era uma peça importante se torna fundamental para entender o
trágico da esperança. Num ritmo alucinante, Johnson dirigiu com maestria as
sequências de ação, mesmo que curtas elas carregam uma intensidade que não está
só na música, nas dezenas de piruetas, mas nos gestos próprios. Aliás, o último
arco narrativo que ocorre no Planeta Crait, salgado e pungente, arrepia o
espectador pela habilidade de organizar os afetos de seus personagens no meio
do caos, criando uma faísca que pode se tornar fogo a qualquer momento.
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