terça-feira, 12 de setembro de 2017

2015 – As Mil e Uma Noites 3, O Encantado (Miguel Gomes, Portugal ****1/2(4.5)

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Nesta última parte do longo filme que é As Mil e Uma Noites de Miguel Gomes, temos o vislumbre do encantamento das coisas simples e diferentes que existem nas pequenas cidades de Portugal. Perdendo um pouco a poderosa coesão que já havia sido produzida no estilo de contos triplos, aqui parece que as histórias se misturam. Ao mesmo tempo que existe mais momentos para a experimentação, usando do letreiro como no cinema mudo para narrar os segmentos.
            
A primeira narrativa se chama “Xerazade” e é a primeira história que concerne, de fato, quem as conta. Neste momento, as roupas árabes clássicas se misturam com o tom praiano das cidades litorâneas do país e o tédio, desespero começam a florescer na mente da narradora. Acompanhada por músicas brasileiras como Novos Baianos e Secos e Molhados, a personagem resolve se aventurar, experimentar, só assim para contar novas histórias. Cada pessoa que ela conhece, brincando com certos potenciais cômicos, acaba por ser uma breve nova narrativa para a personagem. Aliando-se em experimentos visuais, a cidade atual, que existe do outro lado do mundo, aparece invertida, assim como há outros momentos em que a tela se divide, mostrando a mesma ação de diferentes pontos de vista, assim como desbanca-se em certo toque musical. Xerazade e Miguel Gomes experimentam com a linguagem e narrativa, até onde podem levá-la? Gomes ainda aparece disfarçado como árabe em certo momento. Este segmento lhe deixa com água na boca por mais, pois no seu fim, a personagem ganha um grande aprendizado que por mais que se experimente, se pense que sabe ou fez de tudo, na verdade sempre há mais, sempre há desejo. Este segmento acaba sendo mais um diálogo do seu diretor consigo mesmo, procurando encontrar motivos para continuar contando histórias, uma busca cheia de sensualidade e música brasileira.
            
“O Inebriante Canto dos Tentilhões” introduz-se como um documentário, em que poucos diálogos realmente acontecem e a maior parte a narração surge como letreiro. A princípio, este segmento é singelo e curioso, já que detalha a vida de cidadãos comuns que são apaixonados pelos cantos dos pássaros, no caso, dos tentilhões que são os animais estudados por Darwin. Eles ficam, na verdade, treinando os pássaros para cantarem mais, como se estivessem os obrigando a evoluir por meio do combate. Todos eles se reúnem em competições para fazerem seus tentilhões cantarem, por vezes tanto que morrem. Gomes ainda faz brincadeiras visuais e narrativa, em que compara o canto destas aves com as bandas metal, ou quando com o letreiro em sincronia com o som emitido demonstra as peculiaridades do canto dessa criatura. Poderia Gomes estar explorando os limites da adaptação humana? Demonstrando por meio dos pássaros que somos criaturas adaptativas, mas em certo momento as condições podem se tornar insuportáveis. No meio desta incursão documental se inicia o terceiro segmento nomeado “ A Floresta Quente”, narrado em chinês, em que uma imigrante relata sua estadia no país europeu, ao mesmo tempo que as imagens documentam cenas de um protesto, sendo com certeza a menor história narrada até então e a de menor afeto também. Logo, Xerazade retorna ao conto dos tentilhões que impressionantemente conseguem se estender até o fim do filme, trazendo o momento da competição. Percebe-se que nesse estilo documental existe a mistura do documentário e da ficção, que é bem diferente do mockumentary. Buscando encanto na vivência cotidiana e simples, porém também inusitada do povo português, produz o segmento mais indulgente de todas as três partes.
            
Apesar de um início promissor, esta terceira parte parece perder força. Porém, analisando As Mil e Uma Noites como um todo, pois foi assim que foi pensando, um longa de mais ou menos seis horas, é um verdadeiro experimento estético, político, cômico, trágico e surpreendente. Miguel Gomes é um diretor muito consciente das potencialidades do cinema e tentou explora-las ao máximo aqui, em certos momentos conseguiu produzir muito afeto e de forma satírica realizou o filme que fez o que tanto disse que não teria capacidade de realizar.

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