terça-feira, 3 de outubro de 2017

1936 – Um Dia no Campo (Jean Renoir, França) ***** (5)

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Um filme ou uma curta, com seus 40 minutos consegue ser uma das mais belas realizações do diretor francês, sua fotografia que pulsa impressionismo, principalmente aquele idílico de seu pai, Pierre Renoir. Disseram que o filme foi produzido nos 30, mais exato em 1936, mas só distribuído nos anos 40, exatos dez anos após a sua realização, pois o diretor não conseguiu terminar as gravações por conta do forte clima de chuva na locação. Porém, o filme não parece nem um pouco incompleto, na verdade é um dos filmes mais eloquentes e poéticos do diretor.
            
O clima bucólico da locação remete sim à quadros impressionistas, assim como ao cinema impressionista pelo uso do movimento de câmera. Na cena que a jovem Henriette se diverte no balanço, com o plano preciso que a deixa em foco e torna o ambiente um verdadeiro rio de movimentos é uma das mais belas cenas dos filmes de Renoir, focando-se em seu olhar imaginativo, como se os seus sonhos estivessem ao alcance. Na narrativa, Henritte, com seu pai, mãe e possível esposo, chega a essa pequena vila cercada por um belo rio, encontram-se com os trabalhadores da região, pescadores, que, logo se impressionam com sua beleza. Inserindo a narrativa comum do diretor francês, as diferenças, os maneirismos das classes, principalmente a disparidade da decadência burguesa e dos trabalhadores, ou muitas vezes excluídos sociais. O enredo até certo ponto deixa esses grupos separados, os encontrando sempre com a profundidade de campo, os pescadores conversam enquanto a família se diverte ao fundo, e vice-versa. A comédia é bem simples, por vezes trabalhando com a caricatura dos personagens burgueses, apenas Henriette parece não estar infectada por tal mal, talvez por ainda precisar experimentar o mundo, ainda ser jovem e se afetar pelas coisas grandiosas do mundo, como por exemplo, o amor.
            
Quando finalmente os pescadores começam a interagir, antes não só discutiam sobre com quem gostaria de ficar, mas sim sobre a vida, sobre as consequências de suas escolhas e ações. Percebe-se claramente um olhar idílico, uma tentativa de aproveitar a vida sem torná-la burocrática. Quando o pai e o suposto noivo de Henriette se afastam e resolvem não pegar nos barcos, neste momento Renoir traz a maior potência de sua estética, a montagem parece buscar até mesmo um naturalismo, um movimento afetuoso da natureza, quando Henritte atravessa o rio de barco com um deles para um local mais reservado, recheado de folhas, que parecem dançar na fotografia poderosa e poética que o diretor impõe. A cena seguinte em que a personagem é beijada em um close-up poderosíssimo parece dizer diversas coisas, em certo ponto demonstra um terror da garota por conta de soar como um beijo forçado. É interessante refletir sobre como grandes beijos do cinema clássico parecem ser forçados pelos seus personagens. Porém, existe uma ambiguidade por conta de sua juventude, o medo do desconhecido, é isso que reluta e seus olhos molhados são uma verdadeira tristeza por saber que todo o seu futuro já está traçado como uma mulher casada com um idiota qualquer. Esta cena se sucede por uma montagem extremamente bem elaborada do movimento da natureza, as folhas sendo jogadas para os lados (lembrando imensamente alguns planos de Tarkovsky) e o rio retorna, com uma chuva intensa, a câmera parece boiar neste rio da vida, em seu curso inevitável.
            
Com sua montagem Renoir constrói o movimento que a vida tem, ela não para, continua em seu inexorável fluxo de tempo. A correnteza é o próprio tempo e vento, a chuva que assolam todos os arredores são como as intensidades que aprofundam a vivência singular de todos os seres humanos. Como Boudu que tenta se afogar em um rio e quando mais parece ter encontrado um lugar para se fixar, volta ao rio, ou ainda, o próprio movimento de seus filmes que parecem procurar expressar o sopro de vida, o próprio realismo poético. Mas esse rio com seu movimento conturbado e não linear, que se enche, se esvazia, se movimenta rápido e às vezes devagar, também é lugar das memórias. O fim do filme chega a esse momento, quando carrega consigo todas as memórias do que sua vida poderia ser e não foi, de tudo que você poderia ter feito, mas a vida não para, só com a morte.
            
Talvez, uma de suas obras que o olhar sincero sobre a natureza tenha sido o mais influenciado pelo seu pai, de uma beleza sem igual. Não tão político ou irônico como A Grande Ilusão e As Regras do Jogo, porém está ao lado dessas obras, pois tem a mesma poesia encarnada no movimento de câmera e da natureza. Se está incompleto ou não, acaba não afetando a coesão do enredo e ainda mais, sua curta duração parece ser essencial para deixar uma sensação semelhante a que causa em seus personagens.        

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