
Um
filme ou uma curta, com seus 40 minutos consegue ser uma das mais belas
realizações do diretor francês, sua fotografia que pulsa impressionismo,
principalmente aquele idílico de seu pai, Pierre Renoir. Disseram que o filme
foi produzido nos 30, mais exato em 1936, mas só distribuído nos anos 40,
exatos dez anos após a sua realização, pois o diretor não conseguiu terminar as
gravações por conta do forte clima de chuva na locação. Porém, o filme não
parece nem um pouco incompleto, na verdade é um dos filmes mais eloquentes e
poéticos do diretor.
O clima bucólico da locação remete
sim à quadros impressionistas, assim como ao cinema impressionista pelo uso do
movimento de câmera. Na cena que a jovem Henriette se diverte no balanço, com o
plano preciso que a deixa em foco e torna o ambiente um verdadeiro rio de
movimentos é uma das mais belas cenas dos filmes de Renoir, focando-se em seu
olhar imaginativo, como se os seus sonhos estivessem ao alcance. Na narrativa,
Henritte, com seu pai, mãe e possível esposo, chega a essa pequena vila cercada
por um belo rio, encontram-se com os trabalhadores da região, pescadores, que,
logo se impressionam com sua beleza. Inserindo a narrativa comum do diretor
francês, as diferenças, os maneirismos das classes, principalmente a
disparidade da decadência burguesa e dos trabalhadores, ou muitas vezes
excluídos sociais. O enredo até certo ponto deixa esses grupos separados, os
encontrando sempre com a profundidade de campo, os pescadores conversam
enquanto a família se diverte ao fundo, e vice-versa. A comédia é bem simples,
por vezes trabalhando com a caricatura dos personagens burgueses, apenas
Henriette parece não estar infectada por tal mal, talvez por ainda precisar experimentar
o mundo, ainda ser jovem e se afetar pelas coisas grandiosas do mundo, como por
exemplo, o amor.
Quando finalmente os pescadores
começam a interagir, antes não só discutiam sobre com quem gostaria de ficar,
mas sim sobre a vida, sobre as consequências de suas escolhas e ações.
Percebe-se claramente um olhar idílico, uma tentativa de aproveitar a vida sem
torná-la burocrática. Quando o pai e o suposto noivo de Henriette se afastam e
resolvem não pegar nos barcos, neste momento Renoir traz a maior potência de
sua estética, a montagem parece buscar até mesmo um naturalismo, um movimento
afetuoso da natureza, quando Henritte atravessa o rio de barco com um deles
para um local mais reservado, recheado de folhas, que parecem dançar na
fotografia poderosa e poética que o diretor impõe. A cena seguinte em que a
personagem é beijada em um close-up poderosíssimo parece dizer diversas coisas,
em certo ponto demonstra um terror da garota por conta de soar como um beijo
forçado. É interessante refletir sobre como grandes beijos do cinema clássico
parecem ser forçados pelos seus personagens. Porém, existe uma ambiguidade por
conta de sua juventude, o medo do desconhecido, é isso que reluta e seus olhos
molhados são uma verdadeira tristeza por saber que todo o seu futuro já está
traçado como uma mulher casada com um idiota qualquer. Esta cena se sucede por
uma montagem extremamente bem elaborada do movimento da natureza, as folhas
sendo jogadas para os lados (lembrando imensamente alguns planos de Tarkovsky)
e o rio retorna, com uma chuva intensa, a câmera parece boiar neste rio da
vida, em seu curso inevitável.
Com sua montagem Renoir constrói o
movimento que a vida tem, ela não para, continua em seu inexorável fluxo de
tempo. A correnteza é o próprio tempo e vento, a chuva que assolam todos os
arredores são como as intensidades que aprofundam a vivência singular de todos
os seres humanos. Como Boudu que tenta se afogar em um rio e quando mais parece
ter encontrado um lugar para se fixar, volta ao rio, ou ainda, o próprio
movimento de seus filmes que parecem procurar expressar o sopro de vida, o
próprio realismo poético. Mas esse rio com seu movimento conturbado e não
linear, que se enche, se esvazia, se movimenta rápido e às vezes devagar,
também é lugar das memórias. O fim do filme chega a esse momento, quando
carrega consigo todas as memórias do que sua vida poderia ser e não foi, de
tudo que você poderia ter feito, mas a vida não para, só com a morte.
Talvez, uma de suas obras que o
olhar sincero sobre a natureza tenha sido o mais influenciado pelo seu pai, de
uma beleza sem igual. Não tão político ou irônico como A Grande Ilusão e As
Regras do Jogo, porém está ao lado dessas obras, pois tem a mesma poesia
encarnada no movimento de câmera e da natureza. Se está incompleto ou não,
acaba não afetando a coesão do enredo e ainda mais, sua curta duração parece
ser essencial para deixar uma sensação semelhante a que causa em seus
personagens.
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