sexta-feira, 13 de outubro de 2017

1997 – eXistenZ (David Cronenberg, Canadá & EUA) ****1/2 (4.5)

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Esse filme de Cronenberg, eXistenZ, é como o sucessor de Videodrome, um novo filme para novos tempos, exatamente na virada do século. Enquanto seu filme de 1983 trouxe a TV como a nova retina dos olhos humanos, como uma própria extensão do corpo humano, aqui não é mais a televisão em seu formato, mas sim, os videogames e sua brincadeira de simular a realidade de forma que o espectador (se tornando, participante) atue de forma ativa na sua modificação, e ainda, induzido o participante a fazer coisas que superficialmente não gostaria. O enredo se inicia quando a designer de jogos Aleggra Geller, interpretada por Jennifer Jason Leigh, está exibindo seu novo jogo para um grupo seleto de pessoas. Neste local tentam matá-la, o que a força fugir com o seu segurança, Ted Pikul, interpretado por Jude Law.
            
Trazendo toda intensidade da realidade sobre a simulação dos jogos, o console do jogo é como um controle inervado que precisa ser estimulado quase que sexualmente. Dessa forma, percebe-se que a história se passa numa outra realidade, até pelo fato de que grande parte dos seres humanos têm receptores na medula para que o console se conecte com seu corpo por completo e assim como o console, o receptor necessita ser estimulado sexualmente, não é à toa que sua forma lembra, descaradamente, um ânus. Com isso o equipamento do jogo é completamente encarnado, pulsa, tem vida, é tão ou mais real que os próprios corpos dos sujeitos. Entrando em conjunção com estes corpos como numa relação sexual. Tendo isso em vista, Cronenberg mais uma vez demonstra como o transcendente, ou melhor, como certo tipo de escapismo pode ser danoso, porém sempre sensual, poderoso e estranhamente palpável. Muito se diz da ficção como forma de escapar da realidade, porém muitos se esquecem da maneira que a mesma na verdade está colada à realidade, por isso, não adianta fugir, haverá rastros de realidade em toda ficção.
            
Quando os dois personagens resolvem entrar no jogo para testá-lo, existe quase uma sensação de que estão usando algum tipo de droga pesada. Como se estivessem entediados com o tempo comum passando devagar, entediados com o próprio movimento da vida. Assim, escapando para uma realidade supostamente virtual, na qual, não havia nenhuma diferenciação da sua realidade anterior, porém existia uma narrativa, algo que parecia guiar os personagens. Eles até mesmo falam coisas que não gostariam, apenas para produzir essa narrativa. Entretanto, o que parece existir aqui é um comentário ácido à realidade virtual, que está cada vez mais bem desenvolvida no mundo atual, pois sua suposta liberdade parece induzir os sujeitos a agirem de maneira absurda, este absurdo não respeita vida, não compreende o peso da vida, torna tudo rarefeito. Fica, assim, a dúvida, será que são induzidos a agir dessa maneira, ou apenas encontram algo (a narrativa) para culpar por suas ações terríveis? O videogame (ou os jogos eletrônicos no geral) e sua vontade de produzir uma comunidade virtual, na qual realmente qualquer pessoa pode fazer o que quiser parece destruir um pouco a realidade, as intensidades dos desejos parecem aumentar, porém a satisfação parece diminuir.
            
Deste modo, Cronenberg introduz dentro dessa narrativa absurda, um jogo ainda mais absurdo faz de maneira estranha a sua crítica a todo tipo de escapismo. Sempre mostrando que no fundo esses mecanismos, nos quais, os seres humanos se acoplam na verdade dizem muito do inconsciente deles. Em Videodrome, o prazer sadomasoquista de seu protagonista se intensifica quanto mais assiste à TV, aqui Pikul e Geller se tornam violentos e em transe. Não bastando em produzir este comentário sobre como o fluxo de desejo livre do ser humano é fisgado por certos escapismos, ele ainda traz toda uma narrativa sobre conspiração (que se repete em diversos de seus filmes), uma conspiração daqueles que desejam à realidade. Como saber o que é real quando os jogos têm tanta carne quanto nós mesmos?
            
Muito se discute por que Cronenberg voltou, apenas dessa vez, a produzir filmes com seus efeitos práticos impressionantes e sujos, ao passo que no seu filme anterior, Crash, já parecia produzir uma proposta de observação do corpo como um médico, produzindo diagnósticos limpos. Acredito que tenha sido pela necessidade própria da narrativa e sua conexão embrionária com Videodrome, encarnando as máquinas de maneira que assuste as pessoas. Por fim, é digno comentar como o enredo deste filme é estranho, mas coeso, cheio de reviravoltas e peculiaridades que se tornam uma das obras mais importantes do diretor. 

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