
Esse filme de Cronenberg,
eXistenZ, é como o sucessor de Videodrome, um novo filme para novos tempos,
exatamente na virada do século. Enquanto seu filme de 1983 trouxe a TV como a
nova retina dos olhos humanos, como uma própria extensão do corpo humano, aqui não
é mais a televisão em seu formato, mas sim, os videogames e sua brincadeira de
simular a realidade de forma que o espectador (se tornando, participante) atue
de forma ativa na sua modificação, e ainda, induzido o participante a fazer
coisas que superficialmente não gostaria. O enredo se inicia quando a designer
de jogos Aleggra Geller, interpretada por Jennifer Jason Leigh, está exibindo
seu novo jogo para um grupo seleto de pessoas. Neste local tentam matá-la, o
que a força fugir com o seu segurança, Ted Pikul, interpretado por Jude Law.
Trazendo toda intensidade da realidade sobre a simulação
dos jogos, o console do jogo é como um controle inervado que precisa ser
estimulado quase que sexualmente. Dessa forma, percebe-se que a história se
passa numa outra realidade, até pelo fato de que grande parte dos seres humanos
têm receptores na medula para que o console se conecte com seu corpo por
completo e assim como o console, o receptor necessita ser estimulado
sexualmente, não é à toa que sua forma lembra, descaradamente, um ânus. Com
isso o equipamento do jogo é completamente encarnado, pulsa, tem vida, é tão ou
mais real que os próprios corpos dos sujeitos. Entrando em conjunção com estes
corpos como numa relação sexual. Tendo isso em vista, Cronenberg mais uma vez
demonstra como o transcendente, ou melhor, como certo tipo de escapismo pode
ser danoso, porém sempre sensual, poderoso e estranhamente palpável. Muito se
diz da ficção como forma de escapar da realidade, porém muitos se esquecem da
maneira que a mesma na verdade está colada à realidade, por isso, não adianta
fugir, haverá rastros de realidade em toda ficção.
Quando os dois personagens resolvem entrar no jogo para
testá-lo, existe quase uma sensação de que estão usando algum tipo de droga
pesada. Como se estivessem entediados com o tempo comum passando devagar,
entediados com o próprio movimento da vida. Assim, escapando para uma realidade
supostamente virtual, na qual, não havia nenhuma diferenciação da sua realidade
anterior, porém existia uma narrativa, algo que parecia guiar os personagens.
Eles até mesmo falam coisas que não gostariam, apenas para produzir essa
narrativa. Entretanto, o que parece existir aqui é um comentário ácido à
realidade virtual, que está cada vez mais bem desenvolvida no mundo atual, pois
sua suposta liberdade parece induzir os sujeitos a agirem de maneira absurda,
este absurdo não respeita vida, não compreende o peso da vida, torna tudo
rarefeito. Fica, assim, a dúvida, será que são induzidos a agir dessa maneira,
ou apenas encontram algo (a narrativa) para culpar por suas ações terríveis? O
videogame (ou os jogos eletrônicos no geral) e sua vontade de produzir uma
comunidade virtual, na qual realmente qualquer pessoa pode fazer o que quiser
parece destruir um pouco a realidade, as intensidades dos desejos parecem
aumentar, porém a satisfação parece diminuir.
Deste modo, Cronenberg introduz dentro dessa narrativa
absurda, um jogo ainda mais absurdo faz de maneira estranha a sua crítica a
todo tipo de escapismo. Sempre mostrando que no fundo esses mecanismos, nos
quais, os seres humanos se acoplam na verdade dizem muito do inconsciente
deles. Em Videodrome, o prazer sadomasoquista de seu protagonista se
intensifica quanto mais assiste à TV, aqui Pikul e Geller se tornam violentos e
em transe. Não bastando em produzir este comentário sobre como o fluxo de
desejo livre do ser humano é fisgado por certos escapismos, ele ainda traz toda
uma narrativa sobre conspiração (que se repete em diversos de seus filmes), uma
conspiração daqueles que desejam à realidade. Como saber o que é real quando os
jogos têm tanta carne quanto nós mesmos?
Muito se discute por que Cronenberg voltou, apenas dessa
vez, a produzir filmes com seus efeitos práticos impressionantes e sujos, ao
passo que no seu filme anterior, Crash, já parecia produzir uma proposta de
observação do corpo como um médico, produzindo diagnósticos limpos. Acredito
que tenha sido pela necessidade própria da narrativa e sua conexão embrionária
com Videodrome, encarnando as máquinas de maneira que assuste as pessoas. Por
fim, é digno comentar como o enredo deste filme é estranho, mas coeso, cheio de
reviravoltas e peculiaridades que se tornam uma das obras mais importantes do
diretor.
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