
Este
filme é o último produzido nos anos 80 pelo diretor, talvez, marcando a entrada
no ecletismo dos anos 90 de sua filmografia e, posteriormente, no século XXI,
com um visual e estilo ainda mais diferentes. Gêmeos é um estudo de
personagens, que se misturam e sofrem com isso, pois não conseguem enxergar
mais suas próprias diferenças. Um drama que foge das mirabolantes narrativas de
outrora, mas sem deixar de ser um clássico Cronenberg, intenso em suas
peculiaridades.
Elliot e Beverly são irmãos gêmeos, interpretados
de forma esplêndida por Jeremy Irons, um ator que com certeza deveria ser mais
reconhecido. Com um início que rapidamente passa pela infância e juventude dos
personagens, consolidando o interesse deles pela biologia, principalmente em
relação ao feminino já que se tornam ginecologistas, assim como a prática de
confundir a todos, já que os dois revezam eventos e acontecimentos. O roteiro
deixa notório também que eles compartilham de tudo, seja mulher, ou estudo.
Dessa forma, a composição do Jeremy Irons é precisa, por vezes realmente tenta
confundir o espectador, como em determinado momento não sabemos mais quem é
quem, já que realmente misturam-se tanto que é como se seus corpos fossem um
só. Elliot é o mais eloquente dos irmãos e Beverly é o mais tímido, talvez a
única diferença entre os dois, a princípio, pois ao conhecerem Claire as
diferenças começam a se sobressair. Diga-se de passagem, o interesse por ela
surge por conta de seu colo do útero trifurcado, ou seja, o interesse é pela
transformação genética, na multiplicação, é como se estivessem sempre olhando
para um espelho. Elliot a seduz, mas é Beverly quem se apaixona por ela, se
torna completamente obcecado, algo que o faz não querer dividi-la mais.
Neste momento é que Cronenberg mostra
seu domínio sobre o cinema do corpo, quando Beverly sonha aterrorizado ao estar
deitado ao lado de seu próprio irmão, porém completamente grudados, como gêmeos
siameses, grudados pelo estômago. Com seu apreço aos efeitos práticos, o
ligamento entre eles pulsa, expõe suas veias, é completamente orgânico. No
sonho, Claire morde o que une os irmãos e arranca com os dentes todo a carne e
sangue. Ilustrando não só o desejo do irmão, mas todos os seus medos. Seu
desejo é ficar com Claire, mas sabe que ela irá desfazer essa união, já que
consegue ressaltar e intensificar as diferenças entre eles. Daí, surge a
história dos irmãos gêmeos siameses, os famosos Eng e Chang, chineses, que
viveram suas vidas grudados e durante toda a vida tentaram fazer a cirurgia de
separação, porém no século XIX era extremamente mais difícil do que era hoje.
Chang morreu de ataque cardíaco, três horas depois, Eng morreu, muitos assumem
que este último morreu de medo, pois sentiu no corpo o que era um corpo morrer,
seu corpo, seu eu fora de si, porém ainda em si. Para o diretor esta
dificuldade de existência destes irmãos gêmeos siameses é o principal cerne de
toda problemática do filme.
Existe outro comentário ainda mais
assustador neste filme, concerne ao medo do diretor pelo corpo, medo e
obviamente fixação, assim como encantamento. Com o afastamento de Beverly,
Elliot se torna cada vez mais presunçoso no seu trabalho, chegando a fazer
procedimentos incorretos, como, por exemplo, o momento em que usa de um
aparelho cirúrgico externo para uma simples análise interna, infringindo
bastante dor à paciente. A frase que ele diz ao seu irmão é “ o mal não está no
instrumento, está no corpo”, para o médico era o corpo da paciente que estava
errado, pois não conseguia entender-se nele. A cena é ainda mais interessante
quando utiliza do instrumento que construiu com seu irmão, instrumento premiado
no início do filme, demonstrado de forma perturbadora como dói a criação de
dois em um só. Mas sua loucura não para por aí, para ele todos os corpos estão
errados e por isso constrói instrumentos que parecem ter sido feitos pela
Inquisição, tenta utilizá-los em uma cirurgia, num dos momentos mais intensos
do filme, em que todos vestem-se de vermelho, como se a violência estivesse
presente antes mesmo de acontecer.
Com isto, Cronenberg continua sua
investida incessante na união da mente e do corpo. Vivências compartilhadas que
realmente unem os corpos, construindo um outro ser, os corpos se fixam de forma
até mesmo doentia. Gêmeos é uma poderosa obra deste diretor sobre um só corpo
em dois, um só ator em dois personagens. Tendo em sua última cena uma
verdadeira pintura perturbadora sobre essa relação.
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