domingo, 15 de outubro de 2017

1993 – Um Assassinato Misterioso Manhattan (Woody Allen, EUA) **** (4.0)


 photo Manhattan-Murder-Mystery-1_zpslghutad5.jpg

Woody Allen é um diretor que faz um cinema extremamente autoral, alguns podem até mesmo achar repetitivo, porém seus diálogos neuróticos sempre tocam em pontos de extrema conexão ou de total absurdo. Neste longa, produzido no início dos anos 90, o diretor constrói uma homenagem aos pequenos livros de suspense, junto com sua melhor expressão, o Noir americano, reconstruindo de maneira moderna a última de cena de A Dama de Xangai do Orson Welles. Trazendo novamente Diane Keaton no papel de esposa, assim como em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall para os íntimos) e o próprio diretor como o marido da mesma, o casal se envolve num possível caso de assassinato.
            
É impressionante como a relação e a vivacidade dos dois consegue permanecer intacta depois de muitos anos, Diane Keaton continua brilhando e criando faíscas em tela. Woody Allen nunca foi um eximo ator, porém interpreta muito bem ele mesmo em seus filmes. A introdução no enredo do caso de assassinato ocorre de maneira bem cômica, primeiro pelo fato de existir uma tensão, já que a personagem de Diane Keaton, Carol, está com um ímpeto de mudanças, ou melhor, de busca por momentos que a tirem da zona de conforto que por vezes é alcançada após tantos anos em uma mesma rotina. Dessa forma, conversa sobre assuntos diferenciados com um amigo do casal, o que apenas deixa Larry, o personagem do diretor, levemente insatisfeito. Segundo, por eles conhecerem a senhora supostamente assassinada no dia anterior de sua morte, o que acaba mexendo ainda mais com os afetos e com a memória dos dois. Porém, como de praxe, Larry, em sua neurose, prefere não se envolver, fazendo de tudo para evitar qualquer relação com a situação, por vezes até mesmo se iludindo com algumas provas absurdas. Já Carol, ao lado de seu amigo, começa a se envolver cada vez mais, em busca de entender o que está acontecendo, sentindo-se como uma jovem novamente, fazendo a adrenalina correr em seu corpo.
            
Se os personagens sozinhos conseguem ser extremamente cativantes e divertidos, com seus diálogos rápidos e corriqueiros, o mistério é uma verdadeira tramoia que deixaria o Hitchcock completamente entretido. Obviamente, Allen não é um gênio em construir suspense, mas consegue, principalmente com homenagens ao próprio cinema construir momentos muito interessantes. Como a cena assustadora em que Larry e Carol ficam presos no elevador. Parecendo este ser um dos seus principais propósitos, reconstruir por meio do cinema noir e do suspense do passado um senso de adrenalina e vivacidade em seus personagens já envelhecidos. Por isso, existe uma homenagem bem forte ao filme de Orson Welles, A Dama de Xangai, mais especifico em sua última cena, que o personagem do próprio Welles (como Woody Allen, Orson Welles também dirige e protagoniza seu filme) entra e se perde numa sala de espelhos, uma cena que parece existir no imaginário coletivo de todo amante do noir. Allen reconstrói a cena de maneira inusitada, em um cinema velho onde o filme está sendo exibido e suas imagens refletem em diversos espelhos espalhados por todo o espaço, como se o seu personagem caminhasse sobre uma influência direta do que estava vivendo. Melhor explicando, Allen tenta com esta metáfora demonstrar que o que move a adrenalina de seus personagens é o suspense, o suspense tão famoso pelo cinema, pelo processo cinematográfico.
            
O diretor ainda propõe um uso de câmera de mão para cenas que normalmente em seus filmes compõem-se com câmeras estáticas, poderia ser a adrenalina embutida pelo desejo de seus personagens, ou uma tentativa de renovação de estilo com o passar de tanto tempo, é preciso analisar mais filmes do mesmo período para demarcar. Mas é uma proposta que funciona com a narrativa deste filme, o suspense, a espionagem e que discute, principalmente, o relacionamento dos dois personagens, acima de tudo.
            
Por fim, é sempre bom ver como um diretor tão prolífico quanto Allen consegue produzir tantas boas histórias, não por inovação, pois o que mais faz é se repetir, mas simplesmente por saber narrar, ou melhor percebe-se uma voz, um diretor, uma estética presente em seus filmes. Um Assassinato Misterioso em Manhattan é engraçado e cheio de pequenos suspenses, que homenageiam de boca cheia o gênero.   

Um comentário: