quarta-feira, 4 de outubro de 2017

1938 – A Marselhesa (Jean Renoir, França) **** (4.0)

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A Marselhesa é o nome do hino da França, foi composta durante a Revolução Francesa e popularizada pelos homens que lutavam contra o governo de Luís XVI. O filme de Renoir retrata a visão dos soldados da cidade de Marselha, ou melhor dos civis que se rebelaram, trazendo um grupo por vezes caricato. Um dos prelúdios para as grandes obras A Grande Ilusão e A Regra do Jogo.
             
Não há como negar que em certos momentos alguns diálogos parecem um pouco didáticos, ou até mesmo parecerem discursos prontos. Algumas das falas seguiram até mesmo o referencial histórico, o Renoir gostaria de fazer um filme que ensinasse a importância da Revolução, principalmente ressaltando esse pequeno grupo de Marselha, trazendo assim um recorte de um acontecimento muito importante. Muito se diz sobre o filme ter sido financiado pela Frente Comunista e por alguns é taxado como propaganda, mas o que ocorre, de fato, passa longe de ser propaganda de uma ideologia. A história do filme de Renoir toca em temas políticos sim, que parecem ainda absurdamente atuais, as mesmas lutas de classes. Um dos momentos que demonstra essa figura didática e sútil dos diálogos, é logo no início quando se introduz alguns dos personagens mais importantes para o enredo, o Bomier, que claramente é o mais caricato, com seu sorriso largo e nariz pontiagudo, sendo muitas vezes o lado cômico e agindo com impulsividade e Arnaud, o mais objetivo e que realmente conhece a importância social do que está fazendo, sua luta não é apenas sua e ele sabe bem disso. Neste momento conversam com um homem que fugiu dos aristocratas que queriam enforca-lo por ter matado um pombo e mais tarde um padre, este momento serve de uma introdução para toda a narrativa seguinte, entendendo-se assim toda a situação da França naquele momento e quem são os personagens, suas implicações sociais e afetivas.
            
A narrativa avança no tempo, porém sem prejudicar o ritmo do enredo. Quanto mais o grupo revolucionário avança, percebe-se a coceira na orelha dos aristocratas, eles não parecem levar a sério em nenhum momento o que o povo pode fazer. Existe essa disparidade intensa entre as cenas do povo e dos aristocratas, os primeiros quase sempre em cenários abertos, apropriando-se dos locais no quais estão, compondo-se com o ambiente, com a nação, como eles mesmo se auto intitulam “patriotas”. Já os segundos, estão sempre em ambiente fechados, carregados de maquiagem, sentados, imersos em sua mesmice. No meio dessa disparidade e da movimentação dos grupos políticos, um outro personagem que tem um papel mais secundário parece servir para fazer os comentários mais interessantes sobre os acontecimentos da época e não impressiona ele ser um artista, com a fisionomia que o aproxima do próprio Renoir. Javel é pintor, um pintor realista que em certo momento afirma “parei de pintar pastorzinhos e pastorazinhas, isso era bom apenas para os aristocratas”. Um comentário que chega a ser cômico, pois o pai do diretor é o pintor Pierre-Auguste Renoir, muito conhecido por seus quadros impressionistas, que expõem um vislumbre de certa vivência burguesa e quase aristocrática. Seria forçado dizer que é um comentário direto ao seu pai, pois o diretor tem aspectos tão modernos quanto ele em relação à técnica em suas determinadas artes, é mais provável que seja uma frase afirmativa do poder do realismo poético.
            
E por mais que o roteiro recaia tantas vezes em certos modelos de discurso, o diretor não deixa de expor com eloquência sua habilidade com a utilização de todo o campo de visão do espectador. Usando também o movimento de câmera de forma exemplar, com travellings que passeiam pelos soldados de todos os lados, ou como caminha por entre o povo demonstrando a alegria da vitória. A montagem do filme também se sobressai, pois consegue dar mais potencial às cenas de ação, que contém coreografias bem aquém do esperado, soam extremamente teatrais. A sua fixação pela água retorna no mar, com menos ênfase, mas é num momento forte em que os personagens discutem por que estão lutando e refletem sobre a própria efemeridade e continuidade da vida.
            
A Marselhesa é um belo filme, importante para os interessados em história, assimilando fatos históricos ao estilo irônico, intenso e poderoso de Renoir. Acentuando o potencial realista do diretor, que mistura o clássico e o moderno de maneira aprazível. 

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