
A
Marselhesa é o nome do hino da França, foi composta durante a Revolução
Francesa e popularizada pelos homens que lutavam contra o governo de Luís XVI.
O filme de Renoir retrata a visão dos soldados da cidade de Marselha, ou melhor
dos civis que se rebelaram, trazendo um grupo por vezes caricato. Um dos
prelúdios para as grandes obras A Grande Ilusão e A Regra do Jogo.
Não há como negar que em certos momentos
alguns diálogos parecem um pouco didáticos, ou até mesmo parecerem discursos
prontos. Algumas das falas seguiram até mesmo o referencial histórico, o Renoir
gostaria de fazer um filme que ensinasse a importância da Revolução,
principalmente ressaltando esse pequeno grupo de Marselha, trazendo assim um
recorte de um acontecimento muito importante. Muito se diz sobre o filme ter
sido financiado pela Frente Comunista e por alguns é taxado como propaganda,
mas o que ocorre, de fato, passa longe de ser propaganda de uma ideologia. A
história do filme de Renoir toca em temas políticos sim, que parecem ainda
absurdamente atuais, as mesmas lutas de classes. Um dos momentos que demonstra
essa figura didática e sútil dos diálogos, é logo no início quando se introduz
alguns dos personagens mais importantes para o enredo, o Bomier, que claramente
é o mais caricato, com seu sorriso largo e nariz pontiagudo, sendo muitas vezes
o lado cômico e agindo com impulsividade e Arnaud, o mais objetivo e que
realmente conhece a importância social do que está fazendo, sua luta não é
apenas sua e ele sabe bem disso. Neste momento conversam com um homem que fugiu
dos aristocratas que queriam enforca-lo por ter matado um pombo e mais tarde um
padre, este momento serve de uma introdução para toda a narrativa seguinte,
entendendo-se assim toda a situação da França naquele momento e quem são os
personagens, suas implicações sociais e afetivas.
A narrativa avança no tempo, porém sem
prejudicar o ritmo do enredo. Quanto mais o grupo revolucionário avança,
percebe-se a coceira na orelha dos aristocratas, eles não parecem levar a sério
em nenhum momento o que o povo pode fazer. Existe essa disparidade intensa
entre as cenas do povo e dos aristocratas, os primeiros quase sempre em
cenários abertos, apropriando-se dos locais no quais estão, compondo-se com o
ambiente, com a nação, como eles mesmo se auto intitulam “patriotas”. Já os
segundos, estão sempre em ambiente fechados, carregados de maquiagem, sentados,
imersos em sua mesmice. No meio dessa disparidade e da movimentação dos grupos
políticos, um outro personagem que tem um papel mais secundário parece servir
para fazer os comentários mais interessantes sobre os acontecimentos da época e
não impressiona ele ser um artista, com a fisionomia que o aproxima do próprio
Renoir. Javel é pintor, um pintor realista que em certo momento afirma “parei
de pintar pastorzinhos e pastorazinhas, isso era bom apenas para os
aristocratas”. Um comentário que chega a ser cômico, pois o pai do diretor é o
pintor Pierre-Auguste Renoir, muito conhecido por seus quadros impressionistas,
que expõem um vislumbre de certa vivência burguesa e quase aristocrática. Seria
forçado dizer que é um comentário direto ao seu pai, pois o diretor tem
aspectos tão modernos quanto ele em relação à técnica em suas determinadas
artes, é mais provável que seja uma frase afirmativa do poder do realismo
poético.
E por mais que o roteiro recaia
tantas vezes em certos modelos de discurso, o diretor não deixa de expor com
eloquência sua habilidade com a utilização de todo o campo de visão do
espectador. Usando também o movimento de câmera de forma exemplar, com
travellings que passeiam pelos soldados de todos os lados, ou como caminha por
entre o povo demonstrando a alegria da vitória. A montagem do filme também se
sobressai, pois consegue dar mais potencial às cenas de ação, que contém
coreografias bem aquém do esperado, soam extremamente teatrais. A sua fixação
pela água retorna no mar, com menos ênfase, mas é num momento forte em que os
personagens discutem por que estão lutando e refletem sobre a própria
efemeridade e continuidade da vida.
A Marselhesa é um belo filme,
importante para os interessados em história, assimilando fatos históricos ao
estilo irônico, intenso e poderoso de Renoir. Acentuando o potencial realista
do diretor, que mistura o clássico e o moderno de maneira aprazível.
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