
Deve-se fazer uma pequena incursão sobre a visão da
esquizofrenia para a psicanálise, pois esta costuma dizer muito sobre os filmes
do diretor. Nesta abordagem psicológica, fala-se muito sobre como o
inconsciente é estruturado em linguagem, pois é assim que existe a inserção do
sujeito no social. O fenômeno que produz tal ação é o Complexo Édipo. Sim,
utilizando do personagem da peça de Sófocles, a até hoje mal falada, assim como
sujeita a críticas construtivas, teoria de que o filho se apaixona pela mãe (ou
de forma uma pouco menos eufemística, tem desejo sexual investido para a figura
materna), mas tudo isso são símbolos de um processo de inserção social. A
figura materna, quem produz a função materna (que não necessariamente é a mãe,
ou uma mulher) é quem introduz o bebê à linguagem, por ser alienado pela mesma,
o bebê acaba, consequentemente, investindo seu desejo sexual nesta figura para
que se insira na linguagem, logo existe um outro processo de separação que é a
do entendimento que o incesto não pode ocorrer, feito pela função paterna (não
necessariamente o pai, ou um homem, ou sequer uma pessoa). Esta última é o que
o insere completamente na cultura vigente, pois é a forma que as regras sociais
mais primordiais são inseridas e muitas vezes encarnadas. Ao fim do complexo de
édipo, o sujeito adquire a estrutura neurótica, que é a mais comum e a possível
para um convívio social. A esquizofrenia seria a afecção somática da psicose,
em que o sujeito não é inserido na linguagem e se expressa fora dela, ou seja,
cria uma língua estrangeira com o lhe foi oferecido da linguagem. Lacan e
outros pós-freudianos trazem a concepção de que a esquizofrenia se expressa no
Real, este último conceito diz daquilo que é imanente e não é possível de
nomear, ou seja, aquilo que não consegue produzir sentido (ou seja, não se faz linguagem).
Portanto, o que pode ocorrer na vida de uma pessoa para
que a mesma adquira a esquizofrenia, claro, sem falar da carga genética que é
um propulsor, é que exista algum acontecimento forte o suficiente na vida do
sujeito para que o mesmo não consiga significá-lo. Sabendo disso, quando o
diretor resolve seguir os passos do personagem de maneira fragmentada, ao mesmo
tempo que relata o seu passado, o diretor fazia uma análise psicológica dos sintomas
de seu paciente (fragmentação, delírios e alucinações), assim como buscava
entender a origem dos mesmos em sua vida, numa busca arqueológica (no filme
promovida pelo próprio personagem). Dessa forma, sua proposta estética consegue
ser intrigante e forte com a ajuda do seu ator principal, poucos atores que
fizeram personagens psicóticos foram tão imersos no seu papel quanto Ralph
Fiennes, seu olhar perturbado, seu balbuciar, sua escrita desconcertante,
anotações de uma memória em pedaços. Cronenberg poeticamente demonstra sua
situação em imagens, vagando nas ruas passa por uma ambientação estranha, onde
as janelas e portas são pintadas e não existem de verdade, preso sem poder
sair, qualquer lugar que aponte uma saída é falso, tudo se torna um muro. Em
suas memórias, o jovem Spider brinca com os fios em seu quarto, enquanto
assiste à relação de seus pais desmoronar, por conta de um caso extraconjugal
com uma prostituta e com a bebida. Mais uma vez o diretor posiciona pequenos
símbolos e certas sugestões na mente do espectador, porém sempre fragmentadas,
tentando compreender a história de seu personagem ao lado dele.
Talvez um dos momentos mais interessantes do filme seja
metáfora construída pela montagem do todo do filme. Spider passa grande parte
do tempo no manicômio tentando montar um quebra-cabeça gigantesco e em outro
momento ele entrega um caco que faltava à uma placa de vidro. É como se o tempo
todo, em todos os lugares, ele precisasse juntar as peças para que não se
perca. Essa proposta de narrar tanto o momento atual do personagem, quanto seu
passado acabam construindo um possível loop no qual por conta de sua triste
condição o torna imerso numa mesma ação repetidas vezes. Não conseguindo
simbolizar a situação sempre parece chegar a um limiar onde não pode prosseguir
na elaboração, não pode aceitar e com isto não pode continuar num processo de
melhora.
Como já havia dito em Crash, o diretor não deixou sua proposta
estética morrer, ainda explora o corpo, a mente, os limites e as relações entre
eles. Agora, todavia, se expressa com uma certa limpeza clínica, não mais num
laboratório de experimentos onde os corpos se destruíam, se misturavam, o que
não quer dizer não sofram. O corpo ainda é filmado com uma intensidade
Cronenberguiana, as suas afecções ainda são expressas pelo paralelismo da mente
e do corpo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário