terça-feira, 21 de março de 2017

1932 – Boudu, A Salvo das Águas (Jean Renoir, França) ****1/2 (4.5)

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Um dos primeiros filmes falados de Jean Renoir, com uma estética muito moderna e diferente dos filmes produzidos na época, estética ao qual se adaptou muito melhor ao cinema falado. Boudu conta a história de um mendigo que se joga num rio, assim sendo, um pequeno burguês o salva em um ato de caridade e , por fim, o aceita em sua casa, para mostrar a todos o quão bondoso é. Renoir trabalha aqui o seu melhor tema, as relações de classe e a hipocrisia da burguesia, mas primeiro é preciso se atentar a outros aspectos muito próprios do diretor e de sua época.
      
É de se impressionar a habilidade que o cinema francês tem, principalmente no decorrer dos anos 20 e 30, em sua tendência de trazer a água como componente de seus ambientes. Já que por muito perdurou-se um estilo cinematográfico no país que tinha a busca de um máximo de movimento, encontrando nos rios e mares o movimento ininterrupto da vida. No caso do filme é um rio que parece conduzir a própria narrativa com uma fluidez límpida. Renoir também usa de recursos da linguagem cinematográfica de maneira que propicia a potência da fluidez, como a imagem subjetiva da luneta do Sr. Lestingois, que avista o Boudu cambaleando pelas ruas da cidade, invisível a princípio, e apenas um homem com sua luneta para enxerga-lo, quase de outro planeta. A direção leve, mas meticulosa, demonstrando uma importância da profundidade de campo, sempre afastando e aproximando ações do quadro e outras vezes até fazendo com que a câmera se desprendesse de seus personagens, gerando certa consciência de quadro que ainda estava por vir.
          
Sendo uma comédia extremamente ácida que traz um personagem que é indomável, não conhece os signos dos burgueses, não sabe como conviver com outras pessoas, muitas vezes guiado puramente pelo movimento. Sua inquietude chega a irritar, mas a performance de Michael Simon é tão pura que só me faz enxergar o personagem como um ser livre, que vaga como o próprio rio tão presente em sua história. A cena que mais o marca é o momento em que uma garotinha entrega cinco francos para ele comprar pão, sem entender o porquê, ele logo entrega o dinheiro para um homem burguês (facilmente identificado como, pelo fato de estar dirigindo um carro) e diz “Para comprar pão”, o homem fica atordoado. Sua não submissão e aceitação das caridades são como irrupções na própria mente desta classe social.

         
Dessa forma, Renoir desafia a burguesia em sua falsa caridade que tem muito mais a ver com as aparências que qualquer coisa, não é à toa que a mentira ronda a casa do Sr. Lestingois e que as aparências, de fato, pouco importam. No fim, o homem com mais razão é o grandioso Boudu, que conseguia deslizar por tudo, até mesmo cuspindo num livro de Balzac. O diretor, assim como Balzac, debruçou-se com os temas da hipocrisia burguesa, mas quem sabe mesmo como destrui-la é o Boudu.

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