
Este é um filme da primeira safra
de Ozu, no cinema mudo. Ainda com sua estética em formação, percebe-se bem a
influência do cinema americano, mais precisamente o estilo de Lubistch. Sendo
assim, conta a história de Shinji que trabalha numa companhia de seguros e luta
para cuidar de sua família.
A
primeira coisa que se deve dizer deste Ozu é que diferente do que Metz
comentava sobre o cinema mudo, aqui as expressões não clamam pelas palavras,
não existe um exagero do gesto que se classifica pelo linguista como uma
dificuldade de expressar-se sem as palavras. Existe uma sutileza que irá perdurar
pelo resto de todos os filmes do diretor. Assim, a atuação de Tokihiko Okada
como Shinji vai da calmaria à contemplação, ao estresse das injustiças sociais
e cotidianas, ao desespero de ter feito algo que ninguém faria. Aliás, todo o elenco
faz um belo trabalho.
A
história se inicia com Shinji mais jovem, quando um rigoroso professor faz os
alunos ficarem em formação na parte de fora da escola. Ele surge aí quase como
um delinquente, por não conseguir cumprir com as ordens necessárias. Quando
deixa a fila para trás, senta no chão e observa a natureza, o vento, as
árvores. Então, uma elipse avança a narrativa em sete anos e aí que percebemos
certa infelicidade e complacência do protagonista em seu trabalho, ouvindo o
desejo dos filhos de ganharem certos presentes, tentando ao máximo ser homem
que todos querem que ele seja. Ao mesmo tempo que é de certo triste estar nessa
posição, Ozu, por vezes faz ação decorrer com um tom burlesco cômico, dentro de
pequenas situações de escritório.
O
enredo ganha contornos quando todos estão esperando receber o bônus salarial,
porém o funcionário mais velho da empresa acaba por ser demitido. Nesse momento
compreende-se o motivo da primeira cena, de Shinji jovem. Pois aqui ele produz
o ato de rebeldia que muda o curso de sua história, ele vai de encontro com seu
chefe por conta de tal ação e acaba sendo demitido. É aí que o protagonista da
história começar a permanecer muito em casa e a procurar emprego atrás de
emprego para sobreviver.
Em
sua casa, Ozu, usa aqui dos conhecidos “plano tatame”, no qual a câmera se
posiciona bem baixa e não como num contra-plongee, mas em seus noventa graus
padrão. Enquadrando assim seus personagens mais ao longe, obtendo uma visão que
muitos chamariam de puramente japonesa, já que culturalmente é dessa
perspectiva que se observa as cenas nesse país oriental. É possível ter uma
visão mais intimista da vida tradicional japonesa assim. Já no trabalho, é
utilizado bastante travellings que produzem a sensação de uma velocidade maior
nos acontecimentos, além dos enquadramentos serem propriamente ditos os planos
americanos.
O
diretor também usa de signos temporais simples para indicar a passagem de tempo
e da cultura japonesa, por vezes as roupas estendidas no varal, ou alguma casa
com seus contornos orientais conseguem chamar a atenção para todo o contexto
social do qual se fala. Esses planos, que posteriormente se desenvolveriam
deveras na obra do diretor, aqui aparecem em seu estado protótipo, sendo usados
principalmente como transição e passagens temporais, além de pontuarem as cenas
com um sabor de cotidiano. Ozu tem uma compreensão muito grande da imagem,
muito afrente de seu tempo. Existe desde esse filme uma tridimensionalidade da
imagem, algo que era possível ver no Renoir dos anos 30 também.
Alguns
o chamam de formalista pela rigidez que estaria por desenvolver a partir da
elaboração maior em cima destas sutis técnicas que aparecem de forma
embrionária aqui. Porém, o diretor também é conhecido pela sua humanidade e
sutileza, é nesse ponto que seus filmes crescem ainda mais. É no reencontro, é
no canto em coral daqueles que se ajudam na necessidade, nos momentos mais
difíceis que se encontra a potência do estilo de Ozu.
Portanto,
este foi meu primeiro filme de Yasujiro Ozu, um filme que consegue ser cômico e
dramático com muita simplicidade, além de obter tudo isso no cinema mudo sem
necessitar de uma expressividade exagerada (comum ao expressionismo por exemplo).
A poesia do diretor se encontra nos espaços vazios que constroem ao redor de
seus acontecimentos, não só com o efeito contemplativos, mas principalmente
afetivos.
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