
A ambiciosa animação sobre a
morte de Van Gogh é de certo um feito fenomenal, talvez sua narrativa não seja
tão potente quanto sua técnica, mas não tem como não se impressionar com as
pinturas em movimento. Armand Roulin busca a partir do discurso de outros o que
aconteceu para que um homem grandioso como Van Gogh se matasse.
O
filme foi realizado com a ajuda de mais de 120 pintores para dar movimento às
pinturas. É impressionante ver os gramados revoltos movendo-se, os corvos
passando em seu aspecto simplório, mas carregado de um preto ondular. A pintura
de Van Gogh é movimento por si só, o filme apenas estendeu o movimento para
além da pintura. Além disso, o filme também se utiliza da técnica da
rotoscópia, no qual atores sofrem um processo de tornar-se animação. Com
certeza este foi um trabalho tecnicamente árduo, pois era preciso que eles
soassem coerente com o ambiente do pintor holandês, parece que existe uma total
consonância com cada presença e a força da ambientação. Este deve ter sido um
dos melhores usos da técnica de animação, já que a atuação dos personagens e
mobilidade da animação estão em total harmonia. A fluidez com que cada
personagem atravessa os cenários, por mais que se tornem estáticos em diversos
momentos, é executado de forma magistral.
Narrativamente
é que o filme acaba por se tornar um pouco menos instigante que seus visuais. Seguindo
o percurso de Arman Roulin, interpretado por Douglas Booth, que busca desvendar
os motivos por trás da morte de Van Gogh. É interessante até certo ponto
descobrir a figura enigmática dos céus ondulados pelos discursos de diversos
personagens extremamente diferentes, além, é claro, de conhecer pequenos
detalhes sobre alguns dos seus últimos momentos. Porém, veja bem, existe um uso
excessivo de flashbacks como mecanismo narrativo, que até é plausível, já que o
público clamaria pela presença em tela do pintor, assim como a própria
estrutura (a do mistério) apresenta como uma possibilidade viável a utilização
de mecanismo. O que acaba por torná-lo menos forte é o uso do preto e branco
durante os flasbacks e a diferença do uso da câmera. Enquanto, nas cenas do
presente temos planos abertos que ressaltam as paisagens e as cores que pulsam
em cada movimento, durante os flashbacks toda a vida e potência se perdem. Não
é que se tornam mais melancólicos ou coisa parecida, só parecem esvaziados de
qualquer tipo de intensidade, com seus planos fechados e aparentemente usando
em alguns momentos apenas da rotoscópia.
Talvez
seus diretores tinham como ideia causar esse sentimento de esvaziamento, porém
parece ir de encontro com a ideia de melancólico do próprio Van Gogh. Seus
quadros são a melhor expressão ou meio de expressividade de seus sentimentos e
sensações, retirar-lhes de tudo para usar de técnicas usuais para atingir o
melancólico me pareceu frágil, vide a potência sensorial e sentimental que os
quadros como os utilizados no presente produziam. De qualquer forma, o seu
conteúdo demonstra um pintor desmitificado, sua principal função é desmitificar
o louco Van Gogh e nos apresentar o singelo Vincent. Por isso o título original
(Loving, Vincent, ou seja, Com Amor, Vincent) produzia mais ressonância
poética, já que é exatamente assim que assina todas suas cartas pessoais, como
Vincent, a escolha do título brasileiro é puramente mercadológica.
Como
eu ia dizendo, a desmitificação da figura marcada na história é feita a partir
desses relatos, que de certo confundem o protagonista. Tornando-o um detetive
em busca de uma verdade. Com certeza o ponto mais intrigante de todo o filme
são os relatos do dr. Gachet, interpretado com certa tristeza por Jerome Flynn
e sua filha Marguerite, interpretada pela sempre intensa Saoirse Ronan.
Marguerite é a que mais se aproxima do íntimo do pintor, tudo que revela ou
deixa de relevar é como pedras derrubando ídolos e romantismos baratos.
Portanto,
Com Amor, Van Gogh é mais impressionante pelos seus feitos técnicos e até certo
ponto visuais, que narrativos. Encantador e triste como as obras do pintor,
buscando sua real face, entrando num labirinto dos discursos procurando uma
saída, procurando uma verdade.
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