segunda-feira, 23 de abril de 2018

2017 – Com Amor, Van Gogh (Dorota Kobiela & Hugh Welchman, Inglaterra) ****(4.0)


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A ambiciosa animação sobre a morte de Van Gogh é de certo um feito fenomenal, talvez sua narrativa não seja tão potente quanto sua técnica, mas não tem como não se impressionar com as pinturas em movimento. Armand Roulin busca a partir do discurso de outros o que aconteceu para que um homem grandioso como Van Gogh se matasse.
            
O filme foi realizado com a ajuda de mais de 120 pintores para dar movimento às pinturas. É impressionante ver os gramados revoltos movendo-se, os corvos passando em seu aspecto simplório, mas carregado de um preto ondular. A pintura de Van Gogh é movimento por si só, o filme apenas estendeu o movimento para além da pintura. Além disso, o filme também se utiliza da técnica da rotoscópia, no qual atores sofrem um processo de tornar-se animação. Com certeza este foi um trabalho tecnicamente árduo, pois era preciso que eles soassem coerente com o ambiente do pintor holandês, parece que existe uma total consonância com cada presença e a força da ambientação. Este deve ter sido um dos melhores usos da técnica de animação, já que a atuação dos personagens e mobilidade da animação estão em total harmonia. A fluidez com que cada personagem atravessa os cenários, por mais que se tornem estáticos em diversos momentos, é executado de forma magistral.
            
Narrativamente é que o filme acaba por se tornar um pouco menos instigante que seus visuais. Seguindo o percurso de Arman Roulin, interpretado por Douglas Booth, que busca desvendar os motivos por trás da morte de Van Gogh. É interessante até certo ponto descobrir a figura enigmática dos céus ondulados pelos discursos de diversos personagens extremamente diferentes, além, é claro, de conhecer pequenos detalhes sobre alguns dos seus últimos momentos. Porém, veja bem, existe um uso excessivo de flashbacks como mecanismo narrativo, que até é plausível, já que o público clamaria pela presença em tela do pintor, assim como a própria estrutura (a do mistério) apresenta como uma possibilidade viável a utilização de mecanismo. O que acaba por torná-lo menos forte é o uso do preto e branco durante os flasbacks e a diferença do uso da câmera. Enquanto, nas cenas do presente temos planos abertos que ressaltam as paisagens e as cores que pulsam em cada movimento, durante os flashbacks toda a vida e potência se perdem. Não é que se tornam mais melancólicos ou coisa parecida, só parecem esvaziados de qualquer tipo de intensidade, com seus planos fechados e aparentemente usando em alguns momentos apenas da rotoscópia.
            
Talvez seus diretores tinham como ideia causar esse sentimento de esvaziamento, porém parece ir de encontro com a ideia de melancólico do próprio Van Gogh. Seus quadros são a melhor expressão ou meio de expressividade de seus sentimentos e sensações, retirar-lhes de tudo para usar de técnicas usuais para atingir o melancólico me pareceu frágil, vide a potência sensorial e sentimental que os quadros como os utilizados no presente produziam. De qualquer forma, o seu conteúdo demonstra um pintor desmitificado, sua principal função é desmitificar o louco Van Gogh e nos apresentar o singelo Vincent. Por isso o título original (Loving, Vincent, ou seja, Com Amor, Vincent) produzia mais ressonância poética, já que é exatamente assim que assina todas suas cartas pessoais, como Vincent, a escolha do título brasileiro é puramente mercadológica. 
            
Como eu ia dizendo, a desmitificação da figura marcada na história é feita a partir desses relatos, que de certo confundem o protagonista. Tornando-o um detetive em busca de uma verdade. Com certeza o ponto mais intrigante de todo o filme são os relatos do dr. Gachet, interpretado com certa tristeza por Jerome Flynn e sua filha Marguerite, interpretada pela sempre intensa Saoirse Ronan. Marguerite é a que mais se aproxima do íntimo do pintor, tudo que revela ou deixa de relevar é como pedras derrubando ídolos e romantismos baratos.
            
Portanto, Com Amor, Van Gogh é mais impressionante pelos seus feitos técnicos e até certo ponto visuais, que narrativos. Encantador e triste como as obras do pintor, buscando sua real face, entrando num labirinto dos discursos procurando uma saída, procurando uma verdade.

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