segunda-feira, 9 de abril de 2018

2015 – Aferim! (Radu Jude, Romênia) **** (4.0)


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A Romênia está se sobressaindo com seu cinema atual, extremamente crítico, trazendo de vez o absurdo da realidade para as telas, tentando produzir uma espécie de um novo realismo. Aqui produzindo uma visão acerca do preconceito histórico aos ciganos, em um tom caricato, com uma comédia estranha e com discursos sociais extremamente pesados. Narrando a história de um policial que parte em busca da captura de um cigano fugitivo no século XIX.
            
A primeira coisa a se perceber é como Jude usa os signos do Western para produzir uma visão da construção da nação de seu país. Os índices do deserto, os planos longos, as longas jornadas de cavalo, ao mesmo tempo que essa composição imagética produz esse tom épico, ele sempre racha a áurea gloriosa com discursos ofensivos e terríveis. Eis aqui um verdadeiro Eastern, com seus novos signos, o próprio preconceito realista e a comicidade absurda. O herói é o policial Costandin, um homem mais velho, carregando consigo uma pomposidade que sempre aparece de forma ridícula, expressado por suas roupas extremamente limpas, seus esforços como a de alguém que não sabe exatamente o que está fazendo. Talvez um pouco louco, vivendo nas ilusões de um heroísmo. Já seu ajudante, seu Sancho Pancho, é um jovem mirrado, que saltita mais que anda e apenas o serve. Essa dupla parece uma organização perfeita de uma comédia burlesca.
            
A fotografia em preto e branco, impondo os fortes contrastes entre os personagens, seja a sujeira sempre associada aos ciganos e a limpeza associadas aos supostos romenos puros está em forte associação com a coloração. Além de ajudar na visualização dessa época. A reconstituição desse momento histórico é maravilhosa, mesmo que eles so percorram zonas rurais, existem alguns elementos interessantes como uma engenhoca romena que lembra e muito com uma roda gigante, obviamente reduzida. A musicalidade, os rituais e o próprio uso de certos termos como “corvo” para designar aos ciganos são próprios da época.
            
Essa força do diretor fez para que tudo se tornasse extremamente condizente com a época é um dos grandes feitos do filme, pois é uma exposição do quão absurdo a realidade já foi e ainda é. Aparentemente muitos dos diálogos foram retirados de textos e documentos reais do século XIX, um dos diálogos com um padre, por exemplo, demonstram como funciona a lógica do preconceito do país. É uma associação entre xenofobia e racismo. Além, de certo preconceito religioso que sempre se opera entre essas duas esferas. É possível colocar Aferim, como uma obra revisionista, pois analisa com precisão um momento histórico sempre dito como glorioso. Não deixando passar os discursos de machismo recheados a todo momento pela grandeza ilusória dos heróis militaristas. Talvez seja necessário fazer algo assim aqui no Brasil também. Sempre acreditam que o presente está decadência, pois supostamente no passado as fronteiras entre as diferenças são respeitadas, Jude nos joga para o século XIX e não nos proíbe de escutar nada. Quase nenhuma fala se expõe sem deixar claro seu fundo preconceituoso e ofensivo. Além da injustiça social que é próprio motivo do filme. 
            
Mas como dizer que essa obra pode ser uma comédia se é tão carregada de ofensividade, como não se tornar apenas algo de mal gosto? Bem, é num tom sempre ácido e irônico que o diretor expõe tudo isso, além, é claro de uma boa caricatura do herói policial da lei. Seus atos espalhafatosos, seus atos ritualísticos e hierarquizados são próprios para criar a comédia visual e tornar tudo que ele fala algo, não menos ofensivo, mas enfraquece o que está sendo dito como verdade. Tanto que depois de passar um bom tempo de sua viagem com seu prisioneiro, entende seus motivos, entende que ele não é tudo que dizem ser. Algo que é até bem como nos Western, quando o herói, xerife, americano descobre que os índios têm seus motivos.
            
No fim do filme, o que mais fica presente é a potência desse realismo crítico, expondo o absurdo do preconceito cotidiano, revisando uma outra época. Uma época que ainda deságua nos tempos de hoje, não necessariamente precisamos encontra a foz, mas nunca devemos negar como o atrito do passado ainda reverbera no presente. Este é um realismo que está a todo momento rindo de nervoso. Radu Jude demonstra que o cinema romeno atual pode se caracterizar com certa especificidade sim, não necessariamente repetindo-se nas técnicas, mas possivelmente em seu objetivo estético de tratar das grandes mazelas sócias de forma criativa e poderosa.
            
Aferim, que significa “Bravo! ” (Expressão comuns àquelas coisas dignas de aplauso) é um filme que nos coloca em outro momento histórico com precisão, mas também nos faz sentir o presente, a realidade nos tocar a todo momento. Revisionismo sem ser nostálgico, crítico e absurdo, cômico e intenso.

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