
A
Romênia está se sobressaindo com seu cinema atual, extremamente crítico,
trazendo de vez o absurdo da realidade para as telas, tentando produzir uma
espécie de um novo realismo. Aqui produzindo uma visão acerca do preconceito
histórico aos ciganos, em um tom caricato, com uma comédia estranha e com
discursos sociais extremamente pesados. Narrando a história de um policial que
parte em busca da captura de um cigano fugitivo no século XIX.
A primeira coisa a se perceber é como
Jude usa os signos do Western para produzir uma visão da construção da nação de
seu país. Os índices do deserto, os planos longos, as longas jornadas de
cavalo, ao mesmo tempo que essa composição imagética produz esse tom épico, ele
sempre racha a áurea gloriosa com discursos ofensivos e terríveis. Eis aqui um
verdadeiro Eastern, com seus novos signos, o próprio preconceito realista e a
comicidade absurda. O herói é o policial Costandin, um homem mais velho, carregando
consigo uma pomposidade que sempre aparece de forma ridícula, expressado por
suas roupas extremamente limpas, seus esforços como a de alguém que não sabe
exatamente o que está fazendo. Talvez um pouco louco, vivendo nas ilusões de um
heroísmo. Já seu ajudante, seu Sancho Pancho, é um jovem mirrado, que saltita
mais que anda e apenas o serve. Essa dupla parece uma organização perfeita de
uma comédia burlesca.
A fotografia em preto e branco,
impondo os fortes contrastes entre os personagens, seja a sujeira sempre
associada aos ciganos e a limpeza associadas aos supostos romenos puros está em
forte associação com a coloração. Além de ajudar na visualização dessa época. A
reconstituição desse momento histórico é maravilhosa, mesmo que eles so
percorram zonas rurais, existem alguns elementos interessantes como uma
engenhoca romena que lembra e muito com uma roda gigante, obviamente reduzida.
A musicalidade, os rituais e o próprio uso de certos termos como “corvo” para
designar aos ciganos são próprios da época.
Essa força do diretor fez para que
tudo se tornasse extremamente condizente com a época é um dos grandes feitos do
filme, pois é uma exposição do quão absurdo a realidade já foi e ainda é.
Aparentemente muitos dos diálogos foram retirados de textos e documentos reais
do século XIX, um dos diálogos com um padre, por exemplo, demonstram como
funciona a lógica do preconceito do país. É uma associação entre xenofobia e
racismo. Além, de certo preconceito religioso que sempre se opera entre essas
duas esferas. É possível colocar Aferim, como uma obra revisionista, pois
analisa com precisão um momento histórico sempre dito como glorioso. Não
deixando passar os discursos de machismo recheados a todo momento pela grandeza
ilusória dos heróis militaristas. Talvez seja necessário fazer algo assim aqui
no Brasil também. Sempre acreditam que o presente está decadência, pois
supostamente no passado as fronteiras entre as diferenças são respeitadas, Jude
nos joga para o século XIX e não nos proíbe de escutar nada. Quase nenhuma fala
se expõe sem deixar claro seu fundo preconceituoso e ofensivo. Além da
injustiça social que é próprio motivo do filme.
Mas como dizer que essa obra pode
ser uma comédia se é tão carregada de ofensividade, como não se tornar apenas
algo de mal gosto? Bem, é num tom sempre ácido e irônico que o diretor expõe
tudo isso, além, é claro de uma boa caricatura do herói policial da lei. Seus
atos espalhafatosos, seus atos ritualísticos e hierarquizados são próprios para
criar a comédia visual e tornar tudo que ele fala algo, não menos ofensivo, mas
enfraquece o que está sendo dito como verdade. Tanto que depois de passar um
bom tempo de sua viagem com seu prisioneiro, entende seus motivos, entende que
ele não é tudo que dizem ser. Algo que é até bem como nos Western, quando o
herói, xerife, americano descobre que os índios têm seus motivos.
No fim do filme, o que mais fica
presente é a potência desse realismo crítico, expondo o absurdo do preconceito
cotidiano, revisando uma outra época. Uma época que ainda deságua nos tempos de
hoje, não necessariamente precisamos encontra a foz, mas nunca devemos negar
como o atrito do passado ainda reverbera no presente. Este é um realismo que
está a todo momento rindo de nervoso. Radu Jude demonstra que o cinema romeno
atual pode se caracterizar com certa especificidade sim, não necessariamente repetindo-se
nas técnicas, mas possivelmente em seu objetivo estético de tratar das grandes
mazelas sócias de forma criativa e poderosa.
Aferim, que significa “Bravo! ”
(Expressão comuns àquelas coisas dignas de aplauso) é um filme que nos coloca
em outro momento histórico com precisão, mas também nos faz sentir o presente,
a realidade nos tocar a todo momento. Revisionismo sem ser nostálgico, crítico
e absurdo, cômico e intenso.
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