terça-feira, 17 de abril de 2018

2017 – O Dia Depois (Hong Sang-Soo, Coreia do Sul) **** (4.0)


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Esse foi o segundo filme lançado por Hong Sang-Soo no ano de 2017, exibido na competitiva do Festival de Cannes. Com sua fotografia preto e branco, que há tempos não figurava em seus filmes (desde seu ótimo O Dia Em Que Ele Chegar), narra em tom cômico, mas também cheio de nuances poéticas, um caso extraconjugal e suas artimanhas para fazê-lo durar no tempo. Assim, Bongwan contrata uma nova secretaria para sua editora de livros, enquanto sua esposa suspeita que ele está a traindo com alguém de seu trabalho.
            
A música que serve como tema do longa – usualmente existe um único tema que perdura em certos momentos em todos os seus longas – é certamente distinto do que se costuma ouvir nos filmes do diretor. Utilizando muitas vezes Beethoven e outros grandes nomes da música clássica, aqui surge uma música eletrônica instrumental, em uma crescendo melancólico que também ressalta certa angustia contemporânea. Enquanto ela reverbera, Bongwan, interpretado por Kwon Hae-Hyo, atravessa a madruga, se alimenta mal e discute com a mulher antes de sair de casa. Na vastidão da cidade vazia vai de encontro com sua amante. Além disso, ele malha, tenta parecer mais jovem, já que ela é mais jovem. E os relógios contabilizam o seu tempo gasto.
           
É desse ponto que a nova secretaria surge. Kim Min-Hee interpreta Ah-Reum, uma personagem deveras interessante, considerando a si mesma como católica, porém com uma condição muito diferente daquela na qual a culpa e remorso se fazem como os afetos dominantes. Ela parece ter uma noção quase budista da vida já que imagina seu deus como algo disforme e que sua vida não é nada mais que uma pequena fração do tempo, ela pode morrer a qualquer momento. Sua postura melancolia criam um tom cômico agridoce na relação dela com seu chefe.  
            
A tensão entre a nova secretária e seu chefe se desenvolve exatamente por sua postura indagadora e que coloca sempre as escolhas de seu chefe na parede. Veja, por exemplo, a discussão que os dois têm sobre o propósito na vida. Ele adentra na postura existencial de que as palavras não tocam as coisas, portanto não deve se prender a nada, assim como proclama que o Real é outra coisa que a realidade. Uma distinção é atestada entre o Simbólico, ou seja, o mundo da linguagem e o Real, aquilo que é inominável. Porém, ela demonstra ser estritamente materialista quando o questiona sobre uma realidade que não se possa tocar, além de acreditar que ele só não acredita em nada por uma conveniência de acreditar que tudo é permitido.
            
Hong Sang-Soo intercala essas cenas com momentos do editor chefe com a ex-secretária. Esse processo faz o espectador comparar as relações e buscar certa lógica nas duas, repetições e diferenças. Seja pela força com que ex-secretária desafia Bongwan a todo momento, mas ao mesmo tempo faz com uma eloquência diferente, não com a sutileza das palavras que é comum à Ah-Reum, mas com uma palavra-empurrão, com uma insistência provocadora. Assim, é impossível não refletir sobre a memória e tempo, a forma com que o diretor apresenta suas cenas sempre coloca a percepção no indiscernível destas coisas. Como a passagem do tempo é um fato da mente humana
            
Esteticamente esse longa se encontra em consonância com a obra de Song. Contudo, aqui mais que em qualquer outro filme do diretor, o preto e branco se faz de forma mais límpida, chega a ser impressionante como o branco explode dentro do escritório de Bongwan, como os livros, papéis, paredes e quadros compõem com clareza máxima os ambientes. Até mesmo as ruas frias da madrugada, ou em qualquer ambiente externo. O primeiro diálogo no bar de Ah-Reum e Bongwan tem um feixe de luz incidindo pela janela, perfeitamente como numa obra de Veermer, além desta, outra cena que impressiona visualmente é a beleza da neve caindo enquanto Ah-Reum abre a janela do carro, e reza ao olhar o presente que cai dos céus e ilumina com limpidez a noite.
            
Pois bem, não existe expressionismo ou guerra de luz e sombras no preto e branco do diretor, mas uma a luz irrompendo e tornando tudo visível. É necessário ressaltar, também, como o zoom cadencia o ritmo do longa levemente, usando como dispositivo de concentração e ênfase nos diálogos ditos, aliás, ressaltando a naturalidade e espontaneidade dos gestos de Kim Min-Hee. Por fim, o que se torna visível nessa apreensão do detalhe e na iluminação das sombras é como essa melancolia de seus personagens por vezes disfarça um cinismo cômico.
            
O desenrolar do enredo não só carrega essa veia cômica, como também consegue surpreender o espectador com momentos inesperados, mas nunca exagerados. Assim, alguns dias depois, os afetos atravessam no relógio eterno do protagonista, alguns são esquecidos, outros são eternizados e a vida segue.

Um comentário:

  1. Esse sim, foi um filme "simples" de Hong sang Soo, em questão de tempo e materiais, porém, acredito que ele tenha brincado muito com q dinamica dos personagens e a história em si, fazendo com que o foco todo do espectador tenha sido no enredo.

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