
Nesses últimos anos o gênero de
terror vem sendo levado a sério por uma parcela de artistas interessantes no
cinema. Quando digo sério não é de forma literal, mas sim que vendo sendo
explorado a partir de questões culturais e do espírito de época e,
principalmente, experimentando diversas de suas potencialidades. Um Lugar Silencioso
surge como uma verdadeira experimentação de design de som, criando texturas no
silêncio e ritmo com as variações musicais.
Em
primeiro momento, o longa apresenta as regras do universo no qual se insere. O
mundo como conhecemos agora é outro, todos que ainda vivem cultivam o silêncio,
pois criaturas inomináveis tomaram conta do planeta e elas capturam suas presas
a partir do som que emitem. Magistralmente a montagem e o design de som são
cadenciados de forma que já demonstre o incômodo que é para o ser humano
permanecer em silêncio por tanto tampo, vivenciar o silêncio, pois o entendemos
como uma pausa no fluxo da fala, um corte, ou seja, sentimentos o silêncio como
uma mordaça simbólica de nossa expressividade. Logo, nesse seu “prólogo”, consegue-se
adentrar de forma imersiva nesse processo de seus personagens.
Krasinski,
ao escrever o roteiro e dirigir, parece ter se influenciado fortemente no
período de gravidez de sua esposa, fortificando um sentido até mesmo instintual
de família. Os personagens desse longa são uma família entre eles, Lee,
interpretado pelo próprio diretor, com uma intensidade e ternura no olhar, algo
pouco visto em suas atuações; Evelyn, interpretada pela esposa real de
Krasinski, a geniosa Emily Blunt que com certeza é a atriz mais exigida aqui,
adentrando em situações complexas na qual precisa explorar o máximo de
construção de tensão pelo seu rosto; entre as crianças temos três Regan, a mais
velha interpretada por Millicent Simmonds,
Marcus , interpretado por Noah Jupe e por fim, Beau, interpretado pelo
novato Cade Woodward.
Como
eu ia dizendo, o instinto de família parece crescer nesse mundo adverso. Muito
já se foi desconstruído em relação a formação cultural, histórica e econômica
da família como instituição social, porém é sempre bom lembrar de como alguns
animais institivamente protegem seus familiares. O ser humano quando em
condições das mais absurdas, em certo ponto, pela impulsividade e intensidade
do momento pode expressar o mesmo instinto que os animais. Lee, por exemplo,
construiu mecanismos para que pudessem viver em paz, mesmo com a presença dos
monstros, seja o uso da areia grossa e fofa em diversos percursos para que seus
pés não façam barulho, ou ainda, a tentativa de produzir cômodos com isolamento
acústicos em sua casa. Um detalhamento obsessivo e necessário para sobrevivência.
A
personagem mais intensificada com certeza é Evelyn. Ela está grávida e contém
um senso de proteção forte, fazendo suas mesmas análises de seu corpo para
manter-se atenta ao processo de gravidez, além de sua preocupação constante com
seus outros filhos. Ela parece retirar energia e força de todos os lugares para
a sobrevivência. Cabe salientar aqui a especificidade de Regan, pois a
personagem e a atriz são surdas, o que talvez tenha facilitado a família a
desenvolver uma comunicação sem a voz, já que todos sabem a linguagem dos
sinais.
O
design de som, como já havia dito, é cheio de relevo. Quando focado na
experiência de Regan, nenhum som é reproduzido devido a sua surdez, algo que
por vezes acaba por torná-la mais vulnerável já que não sabe quando os monstros
estão chegando, ou se ela está produzindo algum barulho. No geral, o silêncio
conduz a narrativa, mesmo que exista muitas vezes uma trilha sonora baixa ao
fundo, que por vezes antecipa alguns sentimentos. A genialidade do som se
encontra em variar entre o silêncio total e o mínimo de barulho, que pela
expressividade das atuações e pelo acréscimo de uma trilha que estende o
terror, se tornam verdadeiras peças de causar medo. Estando muito além do susto
habitual, que é quase sempre premeditado, ou repetitivo.
É possível
dizer que aqui não existe esse repetitivo. A narrativa elaborada por Krasinski,
em seu enredo, carrega um ritmo veloz, que urge a apreensão do espectador. Sua
direção por sua vez é delicada e detalhista, com muitos planos abertos e
explorando muito a relação de seus personagens com o meio. Além de saber produzir
mistério com o monstro, mesmo que em determinado momento ele apareça até em
excesso, mas a situação de urgência é tamanha que o medo não é mais a do
desconhecido, é muito mais o suspense de saber se haverá ou não escape da
situação. O design do monstro é algo digno de nota, um uso ótimo de efeitos
visuais, elaborando uma criatura bizarra e nojenta (por mais pouco inovadora
que seja), ainda tendo sua própria sonoridade, que ecoa sempre quando está
perto.
Talvez próximo
ao seu fim exista algumas escolhas de Krasinski que resolvem a história de
forma que destoa um pouco do que foi apresentado, mas que não atrapalham em
nada a veracidade das emoções e sensações que o filme consegue produzir no
espectador.
Portanto, Um
Lugar Silencioso implica o espectador do gênero de terror em explorar o som de
maneira distinta, ou melhor, extraordinária. Criando personagens fortes e
extremamente conectáveis, com atuações poderosas e uma consistência
impressionante na condução do enredo por parte de seu diretor.
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