terça-feira, 3 de abril de 2018

2017 – Columbus (Kogonada, EUA) ****1/2 (4.5)


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Por vezes o cinema independente americano produz pérolas como essa. Com uma delicadeza grande, o filme é montado e organizado em sua composição salientando as formas geométricas, porém não na medida que apresenta tudo como pura lógica, mas, principalmente pelo efeito estético da arquitetura. Kogonada, em sua estreia, faz surgir a referência à Ozu, de forma muito própria, narrando os encontros de Casey e Jin, na bela cidade de Columbus.
            
Casey é interpretada com uma doçura e singeleza por Haley Lu Richardson inesperada, uma personagem adolescente que carrega certo peso nas costas, um cansaço no olhar, mas ainda assim encontra espaço para sorrisos. Ela sempre viveu nessa cidade, porém atualmente está num impasse. Ela ama a cidade, suas formas, seus caminhos e expressões, ao mesmo tempo que tem que cuidar de sua mãe, que retornou à casa, após passar um tempo na reabilitação. Seu amor pela cidade a faz tanto querer ficar e apreciar, como sair e estudar fora. Ela sente que chegou a hora de partir dali, mesmo que tenha um dever de cuidado em relação a sua mãe. O outro personagem, Jin, interpretado com o mesmo cansaço, porém com uma experiência maior por John Cho, é o filho de um grande arquiteto que é obrigado a voltar da Coreia para o EUA para cuidar da doença de seu pai. A história dos dois está completamente conectada por esses impasses, Jin obviamente tem um dever como filho de permanecer com o pai, mas renega a cidade de Columbus, apenas se entedia com ela, deseja sair o mais rápido possível e voltar ao seu trabalho. Os dois estão impossibilitados de uma forma ou de outra de sair da cidade, assim parecem esperar pela movimentação própria do desejo deles.
            
Enquanto um nega suas origens, até mesmo afirmando não gostar de arquitetura, o outro se emociona com cada pedaço da cidade. Até a relação que os dois desenvolvem com seus pais parece trazer um caminho para isso, seja Jin por não ter tido uma boa relação com o pai, logo seu lugar de origem parece distante, já Casey sente uma necessidade de cuidar de sua mãe, assim sua conexão com seu lugar de origem é forte o suficiente para suprimir os seus desejos de estudos. Mas essa supressão ocorre não em forma de puro sofrimento, isso é óbvio, existe um amor real a cidade e a mãe. A cidade cuida dela de certa forma. Existe um diálogo em meio a tantos sobre o cotidiano dos personagens que é sobre o centro médico da cidade, construído como uma espécie de ponte. Aqui é suscitada a ideia de que a arquitetura poderia ser realizada pensando na saúde de quem a observa, o formato da construção emulando uma ponte serviria de processo para uma inevitável sensação de passagem.

Eis uma das grandes questões do filme, o efeito estético, a arte como produção de saúde. Kogonada muitas vezes apresenta isso na forma que conduz diversas sequências. Como Casey que observa uma construção e suas luzes, logo quando o plano retorna a seu rosto, o cenário ao seu redor é outro, como se o efeito de observar aquela construção produzisse uma ambientação forte no corpo dela. Pensar no efeito estético é exigir mais do sentimento e da sensação que do pensamento, por isso, quando Jin pede para que Casey explique a ele, não os motivos intelectuais, mas os motivos emocionais que fazem ela adorar certa construção, Kogonada a enquadra de dentro da construção e fica impossível de escutar o que ela diz. A palavra não diz mais que o necessário no longa, o diretor abre um espaço para a imagem fluir e produzir um efeito estético também.
            
Assim, nos faz perceber esse poder da arquitetura atravessa praticamente todos os planos do filme. A forma que compõe as cenas, o posicionamento dos atores e até mesmo a encenação mais contida, conjecturam uma ambientação arquitetônica da imagem que produz um tom emocional distinto. Explicitando suas influências em Ozu, além dos “pillow shots” que ajudam a dar um ritmo às narrativas mais cotidianas, os próprios enquadramentos, não necessariamente baixos, mas posicionados de forma que priorizam uma visão geométrica da cena e ao mesmo tempo do trivial, que os encontros dos protagonistas parecem transparecer. Os interiores parecem também fazer um grande sentido no longa, por mais que haja a priorização de cena exteriores. Os planos que, em seu enquadramento, fragmentam os personagens e os colocam em ações banais ajudam a constituir um lado mais comum a eles, para além da própria aleatoriedade de suas conversas. A ambientação do interior de Jin, por exemplo, sempre fragmenta seu corpo, ou utiliza dos corredores para criar a impressão de solidão do personagem. Além de em muitas cenas mostrar seu personagem por seu reflexo em espelhos, para além de uma interpretação de busca de identidade, é possível perceber que ele sente desconectado do local, estando mais lá num plano virtual que material.
            
Por fim, Columbus é extremamente humano, em seus personagens peripatéticos, em suas andanças emocionais e em linhas geométricas. A expressão da cidade, a singularidade da forma que Kogonada nos faz perceber essa expressividade que está ao nosso redor e pode nos afetar, é de um feito cinematográfico deslumbrante. Coloco aqui, para a reflexão, a mesma questão que o personagem de Rory Culkin, um amigo de Casey, esboça: “ estamos perdendo interessante na vida cotidiana? ”. Esse longa me faz perceber que talvez sim, estejamos, ao mesmo tempo que suscita a importância de olhar o cotidiano para nos entendermos.

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