Esse foi o segundo filme lançado
por Hong Sang-Soo no ano de 2017, exibido na competitiva do Festival de Cannes.
Com sua fotografia preto e branco, que há tempos não figurava em seus filmes
(desde seu ótimo O Dia Em Que Ele Chegar), narra em tom cômico, mas também
cheio de nuances poéticas, um caso extraconjugal e suas artimanhas para fazê-lo
durar no tempo. Assim, Bongwan contrata uma nova secretaria para sua editora de
livros, enquanto sua esposa suspeita que ele está a traindo com alguém de seu
trabalho.
A
música que serve como tema do longa – usualmente existe um único tema que
perdura em certos momentos em todos os seus longas – é certamente distinto do
que se costuma ouvir nos filmes do diretor. Utilizando muitas vezes Beethoven e
outros grandes nomes da música clássica, aqui surge uma música eletrônica
instrumental, em uma crescendo melancólico que também ressalta certa angustia
contemporânea. Enquanto ela reverbera, Bongwan, interpretado por Kwon Hae-Hyo,
atravessa a madruga, se alimenta mal e discute com a mulher antes de sair de
casa. Na vastidão da cidade vazia vai de encontro com sua amante. Além disso,
ele malha, tenta parecer mais jovem, já que ela é mais jovem. E os relógios contabilizam
o seu tempo gasto.
É
desse ponto que a nova secretaria surge. Kim Min-Hee interpreta Ah-Reum, uma
personagem deveras interessante, considerando a si mesma como católica, porém
com uma condição muito diferente daquela na qual a culpa e remorso se fazem
como os afetos dominantes. Ela parece ter uma noção quase budista da vida já
que imagina seu deus como algo disforme e que sua vida não é nada mais que uma
pequena fração do tempo, ela pode morrer a qualquer momento. Sua postura
melancolia criam um tom cômico agridoce na relação dela com seu chefe.
A
tensão entre a nova secretária e seu chefe se desenvolve exatamente por sua
postura indagadora e que coloca sempre as escolhas de seu chefe na parede.
Veja, por exemplo, a discussão que os dois têm sobre o propósito na vida. Ele
adentra na postura existencial de que as palavras não tocam as coisas, portanto
não deve se prender a nada, assim como proclama que o Real é outra coisa que a
realidade. Uma distinção é atestada entre o Simbólico, ou seja, o mundo da
linguagem e o Real, aquilo que é inominável. Porém, ela demonstra ser
estritamente materialista quando o questiona sobre uma realidade que não se
possa tocar, além de acreditar que ele só não acredita em nada por uma
conveniência de acreditar que tudo é permitido.
Hong
Sang-Soo intercala essas cenas com momentos do editor chefe com a
ex-secretária. Esse processo faz o espectador comparar as relações e buscar
certa lógica nas duas, repetições e diferenças. Seja pela força com que
ex-secretária desafia Bongwan a todo momento, mas ao mesmo tempo faz com uma
eloquência diferente, não com a sutileza das palavras que é comum à Ah-Reum,
mas com uma palavra-empurrão, com uma insistência provocadora. Assim, é
impossível não refletir sobre a memória e tempo, a forma com que o diretor
apresenta suas cenas sempre coloca a percepção no indiscernível destas coisas.
Como a passagem do tempo é um fato da mente humana
Esteticamente
esse longa se encontra em consonância com a obra de Song. Contudo, aqui mais
que em qualquer outro filme do diretor, o preto e branco se faz de forma mais
límpida, chega a ser impressionante como o branco explode dentro do escritório
de Bongwan, como os livros, papéis, paredes e quadros compõem com clareza
máxima os ambientes. Até mesmo as ruas frias da madrugada, ou em qualquer
ambiente externo. O primeiro diálogo no bar de Ah-Reum e Bongwan tem um feixe
de luz incidindo pela janela, perfeitamente como numa obra de Veermer, além
desta, outra cena que impressiona visualmente é a beleza da neve caindo
enquanto Ah-Reum abre a janela do carro, e reza ao olhar o presente que cai dos
céus e ilumina com limpidez a noite.
Pois
bem, não existe expressionismo ou guerra de luz e sombras no preto e branco do
diretor, mas uma a luz irrompendo e tornando tudo visível. É necessário
ressaltar, também, como o zoom cadencia o ritmo do longa levemente, usando como
dispositivo de concentração e ênfase nos diálogos ditos, aliás, ressaltando a
naturalidade e espontaneidade dos gestos de Kim Min-Hee. Por fim, o que se
torna visível nessa apreensão do detalhe e na iluminação das sombras é como
essa melancolia de seus personagens por vezes disfarça um cinismo cômico.
O
desenrolar do enredo não só carrega essa veia cômica, como também consegue
surpreender o espectador com momentos inesperados, mas nunca exagerados. Assim,
alguns dias depois, os afetos atravessam no relógio eterno do protagonista,
alguns são esquecidos, outros são eternizados e a vida segue.
Esse sim, foi um filme "simples" de Hong sang Soo, em questão de tempo e materiais, porém, acredito que ele tenha brincado muito com q dinamica dos personagens e a história em si, fazendo com que o foco todo do espectador tenha sido no enredo.
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