
Um de seus últimos filmes com
sua esposa Ingrid Bergman, propõe alcançar outros terrenos com sua estética
neorrealista, perpassando o suspense. Não só isso, usa dos signos do suspense
para trazer um pesadelo que sua própria mulher vivia na vida real, culminando
na própria separação do casal. A grande discussão neste filme só se conclui no
poderosíssimo Uma Viagem à Itália. Com isto, conta a história de Irene que se
arrepende de trair o seu marido, porém a ex-mulher do seu amante começa a
chantageá-la, o que transforma sua vida numa terrível imersão na culpa.
O principal interesse do longa, visualmente, é como o
diretor conseguiu mesclar o estilo Noir americano com sua estética
neorrealista. Primeiro, o fantasma do pós-guerra assombra todos os personagens,
todo o peso que estes dois estilos carregam consigo. Seu marido ser um
cientista e conter certa correlação com a produção do gás que matou milhares no
holocausto, faz parte de uma ancoragem na realidade. Segundo, a habilidade
humanística com qual explora a atuação de Ingrid Bergman que sempre é um
espetáculo, principalmente em seu trabalhado com o diretor italiano. A
chantagem é feita aos poucos, com belas dosagens, construindo a tensão e o
desespero da personagem. A cena final é com certeza o maior exemplo deste
feito, em que num corredor completamente sombreado, que as luzes vão se
acendendo uma a uma, para que Irene percorrer um trajeto de remorso e dor, que
transformam o noir em expressionismo, trazendo sua essência de volta.
Em meio a toda essa experimentação estética, que apesar
de visualmente sutil, conceitualmente é de extremo interesse. Existe, ainda,
uma discussão ética sobre o cuidado com qual um diretor deve abordar algum de
seus temas. É inevitável a relação de sua história com o momento da vida de
Ingrid Bergman, que havia deixado seu marido e filhos nos Estados Unidos e
partido com sua nova paixão, o diretor Roberto Rossellini. No país americano,
ela havia sido estigmatizada por tal escolha, relacionando todo esse processo
como uma traição. Sabendo que este filme foi realizado já quando o
relacionamento dos dois estava para terminar, Rossellini parece empurrar um
remorso, uma culpa à personagem que Bergman realiza, de forma que parece
indulgente. Talvez pior, talvez pareça algo que ele precisasse que ela
sentisse.
Deve-se ressaltar, em contrapartida, que o que trago não
é uma afronta aos diretores que produzem obras pessoais e que expressam a
própria experiência dos mesmos. Muito pelo contrário, acho que seja inevitável
falar de qualquer outra coisa que não sua própria experiência. Só denoto um
cuidado com qual se põe certas questões sobre os atores, sobre sua relação com
o tema. Hong Sang-Soo recentemente em On The Beach Alone at Night fez
praticamente a mesma coisa que o diretor, porém em circunstancias mais
cuidadosas, mais elaboradas. Além de que devo ainda salientar que não se deve,
em hipótese alguma, produzir um comentário sobre o estado psíquico de um
artista a partir de sua obra, pois qualquer obra faz atravessar pulsões de vida
que fazem parte de um agenciamento, o que denota uma conjunção de sujeitos e
não de uma única pessoa, ou seja, do que adianta dizer que Kafka tinha
problemas com o pai? As pessoas querem mesmo resumir uma obra ao um comentário
sobre o estado psicólogo do artista? Como
nos atuais casos em que procuram explorar nas obras de Harvey Weinstein, após
as recentes acusações, tons de machismo e estupro. Ou, ainda, em casos mais controversos analisar
os filmes de Hitchcock numa perspectiva de alguém que perseguia suas atrizes ou
os filmes de Woody Allen a partir da pedofilia e abuso sexual. (ressalto apenas
que não pretendo com isso defende-los também, apenas usei como exemplo de que é
algo desnecessário)
De
qualquer modo, O Medo consegue ser um filme interessante, um suspense bem
realizado, um drama do pós-guerra, o retrato de um relacionamento que se
destrói por chantagens, realizações indiretas, culpa e desespero. O medo que a
personagem vive não é apenas para com o conhecimento de seu marido sobre o seu
caso extraconjugal, mas, de fato, o medo para com o que a culpa irá levar a
fazer, a extrema culpa, quase uma culpa católica. É de extremo interesse que se
faz esta conjunção de gêneros do pós-guerra, o noir e o neorrealismo, extraindo
o que há de interessante nestas formas para produzir um intenso e triste longa.
Conclui-se, portanto, que, para além dos bastidores e de
suas implicações éticas, O Medo é um filme que segue a estética Neorrealista do
diretor que se modifica pouco a pouco, se tornando cada vez mais moderna, aqui,
então realizada uma bela mescla entre o Noir Americano e o próprio estilo mais
dramático, humanista de Rossellini.
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