
A adaptação em Live-Action
americana de Ghost In the Shell parecia acertar em seus trailers, principalmente,
por que algumas cenas simplesmente mimetizavam a animação japonesa dos anos 90.
Porém, trocando o minimalismo de Oshii pelo maximalismo de Sanders, que não só
usa uma estética mais próxima de Blade Runner que de sua obra fonte, como
também faz muitas modificações no enredo, enfraquecendo sua história ao ponto
de torna-la frágil. Partindo do mesmo ponto, Major, aqui interpretada por uma
até esforçada Scarlett Johasen, é uma policial androide que entra numa
labiríntica missão de encontrar um hacker que está cometendo crimes e
desafiando a ética entre o ser humano e a tecnologia.
A princípio, o visual impressiona. Hologramas maiores que
os prédios, já descrevendo o poder abusivo que as propagandas contêm, o cinza e
as cores coexistindo como se uma não afetasse a outra, assim como o visual das
pessoas, num exagero icônico da autenticidade, como se houvesse cada vez mais
uma necessidade ser “original”. Porém, em diversas cenas parece faltar relevo,
falta imergir o espectador neste universo, já que até mesmo construiu mais
nuances que a animação deste contexto futurista. O que acontece é uma
plasticidade geral do cenário, que de longe é belo, mas de perto se
desconstrói. Até mesmo as cenas de ação com efeitos visuais que exageram na
câmera lenta, tornando sempre petrificada as reações de seus personagens. A
escolha dos atores – sem ainda comentar sobre o whitewashing* (embraquecimento
de personagens e de história de outras etnias) – foi até boa. Scarlett apesar
de fazer uma personagem praticamente inexpressiva, ainda consegue deixa-la mais
humana, mas quem rouba a cena mesmo é o Takeshi Kitano, realizando o chefe de
operações, ganhando mais importância nesta adaptação que na narrativa original.
Talvez seja cabível tratar as diferenças deste filme para
com o original. Identificando-as e procurando traçar qual o motivo das
mudanças. Pois, acredito, que qualquer adaptação não é uma mera cópia da obra
fonte, sempre há o peso de quem a produz (digo isto tanto de adaptações de
mídias diferente quanto remakes, reboots e as manias do cinema contemporâneo).
Mas espera-se que exista um motivo de produção para estas mudanças e que não
sejam puramente mercadológicas, em Vigilante do Amanhã ainda mais, por conta de
ser um filme bem mais longo que animação original, o que implica em dizer que
não só mudaram algumas coisas como também acrescentaram diversos enredos. Para
tornar Major ainda mais humana houve a inserção de uma nova personagem,
interpretada por Juliette Binoche, como a própria criadora da androide. Até
certo ponto é interessante, um dos grandes entraves de Major na animação é
parecer mais robô que humana, ou na verdade existir dificuldade de gerar
empatia por ela, aqui é o contrário parece ser mais humana que robô, porém a
zona de indiscernibilidade do ser humano e da tecnologia que é tão poderosa se
perde, este conceito tenta ser construída a partir de seu parceiro, Batou,
interpretado até de forma simpática por Pilou Asbaek, que durante uma missão
tem que mesclar seu corpo à tecnologia. No original, desde o começo o
personagem já possuí pedaços de seu corpo tecnológica e outro personagem faz o
humano do grupo.
O
ponto principal da adaptação está muito mais em fazer o espectador construir empatia
pelas personagens que produzir tais críticas e causar o medo de não saber o que
significa ser humano em um mundo onde parece que ninguém mais o é. Dessa forma,
encontra-se algo de frágil, se a potência gerada pela sombra da decadência humana
era um dos pontos altos do longa original, nesta adaptação não existe, as
discussões éticas sobre o que separa o humano de um robô e o medo causado pela
dúvida se tornam segundo plano para a mera produção de identificação para com a
personagem principal.
Os outros dois pontos mais irruptivos da mudança são a
presença física de seu vilão, algo que o tornou menos assustador, já que a sua
própria comunicação ubíqua era como se ele fosse um ser sobrenatural, o
tornavam mais desconhecido, além de seu enredo ser mistura de diversas
histórias do universo de Ghost in The Shell. Michael Pitt o interpreta, porém,
o personagem se destrói aos poucos, já que ele é estranhamente humano. Com
estas pequenas mudanças, percebe-se a mudança de abordagem da mesma história,
entretanto, a mudança mais forte em prol de construir empatia foi construírem
um passado objetivo e extremamente explícito para Major, descaracterizando-a de
forma extrema. É aí que o whitewashing reside de fato. Major era Makoto uma
garota japonesa que teve seu consciente (ou suas conexões neurais) transmitidas
para um corpo sintético, um corpo americano. Portanto, o whitewashing é
inserido como um acontecimento no próprio enredo.
Dessa forma, é possível dizer que as mudanças
enfraqueceram a potência da história original, a dúvida e a melancolia em
relação ao futuro, porém atingem o suposto empático que o diretor buscava. Como
se ele buscasse a empatia como resposta, assim como a memória que é utilizada
em diversos momentos. Infelizmente (ou felizmente) este filme viverá na sombra
de uma obra maior que é a animação, não só por conta do whitewashing, mas pelas
suas qualidades gerais também, ele acaba sendo apenas fraco.
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