
Desde seu primeiro longa, ou
ainda, desde seu primeiro projeto cinematográfico, Trauffaut expressava um
olhar muito sensível para com as crianças. A inventividade, a potência da
elaboração, toda uma necessidade de criação e por vezes uma tristeza pela
impotência da vida adulta. Seu maior personagem, Antoine Doinel, sempre teve um
toque de infantilidade, por motivos óbvios. Neste simples e singelo filme, o
diretor passeia pelas vidas diferentes e semelhantes das crianças francesas dos
anos 70, quase um estudo sócio-cômico-dramático da infância de seu tempo e de
seu país.
Apesar de manter o foco em um grupo específico de
crianças de uma pequena escola, o filme passeia livremente pelos enredos de
cada um deles. Assim, diversas histórias são narradas de forma fragmentada,
sempre carregadas de uma inventividade infantil e absurda, bem como Traffaut já
expressou tanto em seus filmes. No momento em que um pequeno bebê cai da janela
e levanta sorrindo, enquanto todos os adultos engolem a própria respiração pelo
medo. Percebe-se a disparidade do mundo infantil que enxerga comicidade em
ações que são aterrorizantes, são signos que se modificam na vivência neurótica
do adulto. A comédia chega a ser próxima a de um cartoon, o que faz muito
sentido pela expressão da infância em seus personagens. Porém, por mais que se
pense que o diretor propõe um olhar austero sobre a infância nesse longa, por
conta de seu título, se engana. Não existe maniqueísmo. As crianças agem como
os adultos, por vezes roubam, por vezes fazem escambos absurdos, orientados, na
maioria das vezes, por desejos egoístas.
Indo até mesmo para o avesso da elaboração criativa da
infância, pois uma das crianças sofre em casa e aparenta ter uma condição
social muito precária. Em certo momento, a história parece se tornar levemente
cansativa, pois não existe um foco, ao mesmo tempo que se é agraciado com
surpresas, atrás de surpresas. O sentido do filme, a direção dele está no
passeio, pois caminha-se por um bosque conhecido, porém sempre é possível
encontrar outros caminhos. Vale salientar que o diretor não deixa de trabalhar
o romance, ou a dificuldade do mesmo para algumas das crianças, com toda a
timidez e por vezes desenvoltura, com a inocência e o desespero.
O visual deste longa é recheado de cores, lembrando muito
sua série de filmes de Antoine Doinel, onde as cores se reúnem de maneira tão
forte que realmente destoam de um suposto realismo. Certa vez comparei Truffaut
com Picasso, suas obras parecem cubistas, destoam, parecem carregar consigo
algo de inverossímil, como as senhoritas de Avignon podem estar de frente e de
costas ao mesmo tempo? Como uma criança pode cair da janela e sobreviver? A
beleza desses dois grandes artistas se encontra numa estética capaz de
expressar tudo que desejam, existe sim um realismo aí, as cores produzem
sensações reais, suas narrativas trazem à tona questões reais, pois, apesar de
inverossímeis não parecem plásticas, não parecem falsas. São personagens
vívidos, são discursos necessários, por mais que cômicos e por vezes
tristonhos.
Não é à toa que a Nouvelle Vague tem como sua base o
Neorrealismo Italiano, porém também a inventividade do Cinema Americano. Ou
seja, uma mistura do realismo e da magia cinematográfica (ou como Godard
costuma chamar, maquiagem) – uma magia que não é usada de maneira puramente
alienante, mas sim para intensificar, fazer surgir algo –, talvez seja isso que
Truffaut faça de melhor. Histórias belas, extremamente bem contadas, com
pitadas de inverossimilhança, para realçar à sua maneira diversos aspectos
reais de seus enredos. A Idade da Inocência é um filme que expressa bem essa
condição narrativa do diretor, passeando por diversos personagens amáveis.
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