quarta-feira, 22 de novembro de 2017

1978 – O Quarto Verde (François Truffaut, França) **** (4.0)

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Um dos mais tristes e indulgentes filmes do diretor francês, conhecido por suas comédias, mas também por uma sensibilidade deveras potente. Tratando do luto a partir de uma belíssima conjunção estética de cores e sombras. Truffaut é o próprio protagonista do enredo, Julien Davenne, que continua num eterno luto de sua mulher, mesmo após dez anos de sua morte, guardando todos os seus objetos num quarto esverdeado.
            
Visualmente o filme contém tons góticos o que rememora o uso poderoso de sombras e luzes do expressionismo alemão. Como a história se passa nos de 20, ainda, existe o fantasma da primeira guerra mundial, a abertura do filme contém uma visão da guerra sobreposta ao rosto tristonho do protagonista, em um fotografia completamente azul, como os próprios filmes desta época e, principalmente, deste movimento (o expressionismo alemão), quando procuravam produzir a sensação da noite ou da tristeza. Desta forma, pontua-se que a utilização da cor no filme é extremamente significativa. Quando se estuda a história do cinema, ou melhor, a história das cores do cinema, descobre-se que determinado tom de verde possuí certa significação de morte, diferente do roxo que na maior parte do tempo proclama assassinato. Com efeito, não é à toa que o quarto, no qual o protagonista constrói o seu altar aos mortos seja carregado desta mesma tonalidade de verde. Os cemitérios, também, sempre presentes são permeados pela vegetação do local, pulsando a cor de maneira que chega a irritar, criando uma relação inevitável entre morte e memória. Como os mortos seguem eternos se não existe de ninguém para lembrar deles? São alguns dos questionamentos do personagem, ao lado de uma companheira inusitada, Cecilia Mandel, interpretada pela jovem Nathalie Baye.
            
Não se encontra nada do Truffaut divertido, ou inventivo de outrora, apenas uma melancolia pungente que parece ser uma verdadeira fixação pela memória. É necessário lembrar dos que já foram, honrá-los. Seus diálogos excessivos, prolixos, que circundam o horror da morte e a necessidade da memória são carregados de um pesar grande. Talvez seja de extrema importância procurar entender qual o motivo do diretor se colocar como ator principal. Não seria por não achar ninguém qualificado, já sendo um diretor extremamente renomado, poderia chamar diversos atores espetaculares, o que sugere uma hipótese de sua conexão com o personagem. Um homem que vive num quarto escuro, numa monomania de sua memória. Talvez, não seja à toa que seu filme seguinte encerre o ciclo de Antoine Doinel (quatro filmes e um curta que narram as aventuras na vida de um personagem completamente autobiográfico, mas extremamente caricato), será que existia um processo de elaboração e luto de si neste longa? São interpretações inexatas, porém interessantes. De qualquer maneira, uma imagem inevitável surge, no momento em que constrói um funeral para diversos mortos, de diversas épocas, neste momento ele narra a vida de outros, com suas fotografias, acompanhadas de uma trilha sonora estridente (compondo ainda mais para uma estética gótica), podendo servir de uma alegoria para o próprio trabalho do cineasta de fazer pulsar a vida em narrativas para um público (de qualquer arte, mas com mais familiaridade, o cinema). Existe uma relação intensa com o cinema e memória, além da própria semelhança de certos funcionamentos das imagens.  
           
O Quarto Verde é por vezes difícil, pois se autoflagela demais com sua prolixidade, ao mesmo tempo que é um deleite visual e de iconografia da memória. Diversos objetos são preciosos signos de memória e morte, as fotografias, por exemplo. Essa obra é intricada com uma estética gótica, que foge bastante das cores de Truffaut, mas ainda consegue fazer pulsar a vida, por conta, de sua utilização por personagens obsessivos e de uma melancolia que irrompe para uma necessidade de continuar vivendo. 

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