
Um dos mais tristes e
indulgentes filmes do diretor francês, conhecido por suas comédias, mas também
por uma sensibilidade deveras potente. Tratando do luto a partir de uma
belíssima conjunção estética de cores e sombras. Truffaut é o próprio
protagonista do enredo, Julien Davenne, que continua num eterno luto de sua
mulher, mesmo após dez anos de sua morte, guardando todos os seus objetos num
quarto esverdeado.
Visualmente o filme contém tons góticos o que rememora o
uso poderoso de sombras e luzes do expressionismo alemão. Como a história se
passa nos de 20, ainda, existe o fantasma da primeira guerra mundial, a
abertura do filme contém uma visão da guerra sobreposta ao rosto tristonho do
protagonista, em um fotografia completamente azul, como os próprios filmes
desta época e, principalmente, deste movimento (o expressionismo alemão),
quando procuravam produzir a sensação da noite ou da tristeza. Desta forma,
pontua-se que a utilização da cor no filme é extremamente significativa. Quando
se estuda a história do cinema, ou melhor, a história das cores do cinema,
descobre-se que determinado tom de verde possuí certa significação de morte,
diferente do roxo que na maior parte do tempo proclama assassinato. Com efeito,
não é à toa que o quarto, no qual o protagonista constrói o seu altar aos
mortos seja carregado desta mesma tonalidade de verde. Os cemitérios, também,
sempre presentes são permeados pela vegetação do local, pulsando a cor de
maneira que chega a irritar, criando uma relação inevitável entre morte e
memória. Como os mortos seguem eternos se não existe de ninguém para lembrar
deles? São alguns dos questionamentos do personagem, ao lado de uma companheira
inusitada, Cecilia Mandel, interpretada pela jovem Nathalie Baye.
Não se encontra nada do Truffaut divertido, ou inventivo
de outrora, apenas uma melancolia pungente que parece ser uma verdadeira
fixação pela memória. É necessário lembrar dos que já foram, honrá-los. Seus
diálogos excessivos, prolixos, que circundam o horror da morte e a necessidade
da memória são carregados de um pesar grande. Talvez seja de extrema
importância procurar entender qual o motivo do diretor se colocar como ator
principal. Não seria por não achar ninguém qualificado, já sendo um diretor
extremamente renomado, poderia chamar diversos atores espetaculares, o que
sugere uma hipótese de sua conexão com o personagem. Um homem que vive num
quarto escuro, numa monomania de sua memória. Talvez, não seja à toa que seu
filme seguinte encerre o ciclo de Antoine Doinel (quatro filmes e um curta que
narram as aventuras na vida de um personagem completamente autobiográfico, mas
extremamente caricato), será que existia um processo de elaboração e luto de si
neste longa? São interpretações inexatas, porém interessantes. De qualquer
maneira, uma imagem inevitável surge, no momento em que constrói um funeral
para diversos mortos, de diversas épocas, neste momento ele narra a vida de
outros, com suas fotografias, acompanhadas de uma trilha sonora estridente
(compondo ainda mais para uma estética gótica), podendo servir de uma alegoria para
o próprio trabalho do cineasta de fazer pulsar a vida em narrativas para um
público (de qualquer arte, mas com mais familiaridade, o cinema). Existe uma
relação intensa com o cinema e memória, além da própria semelhança de certos
funcionamentos das imagens.
O Quarto Verde é por vezes difícil, pois se autoflagela
demais com sua prolixidade, ao mesmo tempo que é um deleite visual e de
iconografia da memória. Diversos objetos são preciosos signos de memória e
morte, as fotografias, por exemplo. Essa obra é intricada com uma estética
gótica, que foge bastante das cores de Truffaut, mas ainda consegue fazer
pulsar a vida, por conta, de sua utilização por personagens obsessivos e de uma
melancolia que irrompe para uma necessidade de continuar vivendo.
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