
Um manifesto sobre o próprio
amor do diretor pelas mulheres em suas narrativas. Uma poesia divertida, que
brinca com o movimento das pernas das mulheres, como o próprio balanço do
mundo. Este filme despretensioso carrega muitos dos signos do diretor em seu
estilo mais cômico, ao mesmo tempo que extremamente pessoal. Narrando a
história de Bertrand, a partir de seu funeral, onde é visitado por centenas de
mulheres.
Truffaut não tenta produzir uma explicação plausível de
qual a importância deste homem na vida de todas essas mulheres, sua
justificativa se encontra na base do todo o filme, o amor irremediável à todas
as mulheres. Bertrand encontrava maneiras de apreciar todas elas, um amor que
se adaptando aos tempos atuais é levemente assustador. Por exemplo, logo no
início do filme quando observa uma mulher de relance, anota sua placa e bate o
próprio carro para conseguir encontrá-la. Como essa fosse sua sina, perseguir
as mulheres por qual se apaixona, não necessariamente transar com ela, não necessariamente
acopla-se a ela. Mas a conversa era o principal, a apreciação aproximada que
ele necessitava fazer. Claro, que muitas vezes esses encontros terminavam em
sexo, Bertrand era um romântico clássico, um homem das palavras e extremamente
eloquente. A narrativa se aprofunda no personagem no momento que ele decide
escrever sobre sua própria história. Algo que no Ciclo de Antoine Doinel o
diretor pincelou, aqui se torna a própria base de todo o enredo, e não é isso
mesmo que Truffaut sempre fez? Aprofundou-se em si mesmo para produzir seus
filmes, inspirando-se em outros, mas sempre falando de si. Todos os seus filmes
são sua própria história.
Este longa tem uma forte impressão sobre a importância da
memória para o diretor. Existem breves momentos onde flashbacks ocorrem, usando
do preto e branco, parece fazer ressurgir a estética de seu primeiro longa “Os
Incompreendidos”, assim como na cena do sonho de “A Noite Americana”. Esses
momentos são curtos, mas parecem compreender toda a psicologia de seu
personagem, é como se o diretor estivesse buscando momentos que pudessem
descrever o desenvolvimento de sua personalidade. Portanto, a relação com a mãe
era difícil, porém com uma grande apreciação, pois ela era uma amante dos
homens, escrevia sobre todos eles, se encontrava com diversos. Antes de
enquadrar esta relação num circuito edipiano, parece traçar muito mais um
movimento de repetição e não de busca de uma mãe ideal em outras mulheres.
Então, com isto, existe um personagem-autor, pois há uma indiscernibilidade
entre o próprio diretor e Bertrand.
A estrutura do filme é levemente episódica passeando de
mulher em mulher, conduzida fortemente pelo voice-over do personagem. O que
torna o longa um verdadeiro compilado de acontecimentos divertidos, por vezes
tensos, por vezes leves. Sempre com comentários ácidos e poéticos sobre as
mulheres com quem se encontrou e principalmente sobre si mesmo. Esta potência
autoral de seus personagens, por vezes se configura numa potência de um
cientista/médico, eles urgem a habilidade de invenção. A estética de Truffaut é
a do personagem-autor, mesmo ele não sendo um artista, um profissional, todos
eles têm essa habilidade de ser o que são e se expressarem em suas próprias
linguagem sobre o mundo.
Este filme é Truffaut inspirado por sua própria vida,
cada vez mais se mostrando obcecado pelo passado, algo que viria surgir de
maneira mais intensa e até assustadora em seus subsequentes filmes. Expressando
aqui seu amor por mulheres que já era bem notório em todos os seus filmes,
dessa forma encerro com uma bela frase de seu personagem “ As pernas das
mulheres são como o compasso, que circula o globo o terrestre em todos os
sentidos, dando a ele seu equilíbrio e sua harmonia”
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