terça-feira, 25 de abril de 2017

2016 – Jackie (Pablo Larraín, EUA e Chile) ****1/2 (4.5)




Um filme completamente diferente do esperado, com uma estrutura narrativa que se movimenta por uma memória afetiva. Talvez por isso não tenha caído no gosto do público, tão viciado em palavras e palavras, esquecendo que o poder do cinema se concentra na imagem em movimento, no mosaico temporal da montagem. Pablo Larraín criou uma mini obra prima, com uma atuação excepcional de Natalie Portman. Baseando-se numa entrevista que Jacqueline Kennedy concedeu ao repórter Theodore H. White em sua saída da Casa Branca, o filme é um relato mnemônico dos efeitos da morte do Presidente Kennedy em sua esposa.
            
As escolhas estéticas para o filme criaram uma narrativa que se cadencia ao som de uma trilha sonora que se experimenta com a imagem, uma sequência musical que sempre está se propondo ao enfrentamento de uma catástrofe e de uma tristeza sem igual. Os figurinos, e recriações de época, muito bem realizados pelo trabalho com a fotografia, até mesmo os momentos recriados da TV da época, no preto e branco, tiveram o cuidado de distorcer a voz da protagonista ao ponto de parecer realmente ter sido gravado nos anos 60. Larraín enquadra Jackie quase sempre de frente, quando afastada da câmera para capturar sua solidão, por exemplo nas cenas na Casa Branca, no qual se torna um ponto colorido ou em preto, na imensidão pálida daquele lugar. Ao passo, que ao introduzi-la em close-ups consegue-se encarar a personagem, olhar nos olhos dela, e o mais absurdo é que não conseguimos entende-la de fato, não sabemos o quanto amava seu marido, ou se amava a imagem projetada dele. Não sabíamos se ela só decorou a Casa Branca, pois queria luxo, ou simplesmente acreditava que os matérias, as pinturas, as artes criavam um senso histórico para o ser humano. “Kennedy não me deixava comprar uma pintura, mas se fossem votos ele compraria”, Jackie é uma personagem que está muito além de sua imagem, mas Larraín também não a conhece, quem a conhece? O diretor se posiciona aqui como um grande apreciador da persona, e a constrói em diversos paradoxos, loucuras e indecisões.
            
A poderosa cena do assassinato também é usada primeiramente de forma recortada, tarda-se muito ao filme até que podemos ver o rosto do presidente. Assim, rejeitando qualquer foco na figura dele e mostrando o quão bem trabalhado o filme está no tema das imagens midiáticas das pessoas. Jackie, ao levar seu marido no caixão para um funeral particular, conversa com o motorista e irmão de Kennedy, “vocês sabem quem é James Garfield ou William McKinley?”, logo eles respondem que não, e ela afirma que são presidentes que foram assassinados em atividade. “E Abraham Lincoln?”, essa é fácil, todos o conhecem, mas ele também foi assassinado. Dessa forma, demonstra nesse simples diálogo o retrato de Kennedy, hoje, considerado um dos mais importantes presidentes que o EUA já teve, todos lembram dele com afeto, mas o que ele realmente fez pelo país? Ninguém sabe responder, pois ele nem teve tanto tempo para isso, a verdade é que Jackie estudou história, construiu uma nova imagem de seu marido quando ele morreu, uma imagem que se tornou inconsciente.
            
As atuações estão ótimas, John Hurt (em um de seus últimos trabalhos, já que faleceu recentemente) como um padre tentando entender quais as necessidades dessa viúva e Peter Sarsgaard como Bobby Kennedy, triste, mas com pé no chão. Natalie Portman está deslumbrante, emulando o sotaque de Jacqueline de forma assustadora, não se enxerga mais a atriz ali, ela era Jackie Kennedy, seus olhares, seus sorrisos, sua maneira de andar, tudo estava espetacular. A cena em que relata que tentou juntar os pedaços de seu marido, sua reação, seu olhar, e então nos depararmos com a cena e vemos seu corpo, seu movimento, é um terror sem igual. Todos viram a morte de seu marido. E ela fez todos o amarem seu e o tornarem muito maior do que ele já foi.

            
Portanto, Jackie é uma experiência incrível que pouco agradou o grande público, talvez pela sua estrutura que remete à uma estagnação no tempo, um tempo lento, imenso. Ou simplesmente o estilo do Larraín seja muito diferente para os habituais dramas biográficos. A verdade é que ele construiu uma obra singular adentrando na mente de uma personagem pública, que ainda é um mistério.

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