sexta-feira, 4 de agosto de 2017

1948 – O Amor (Roberto Rossellini, Itália) **** (4)

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Rossellini é um dos pais do cinema italiano, variando, no seu início de carreira, em filmes políticos e em certo grau com à religião, principalmente à maneira religiosa de amar ao outro. Neste filme, divido em duas partes, com Anna Magnani sempre interpretando as protagonistas. A primeira “A Voz Humana”, escrita por Jean Cocteau, é um experimento teatral em que a personagem conversa ao telefone com outra e a segunda, “O Milagre”, é uma polêmica história de como uma camponesa acredita ter o filho de um santo.
           
É de imensa habilidade como agenciador de intensidades que o diretor, na primeira história, consegue perdurar seus quarenta minutos em um único ambiente e com uma única personagem. É como se a partir da inibição de uma maior mobilidade, como usualmente no teatro, houvesse uma potencialização do centro do problema ou da história. No caso, não há uma história explícita ou intricada, é notório que existe um sofrimento sobre um relacionamento em que a personagem de Magnani está, porém, o centro é sua atuação, que por vezes parece um pouco melodramática, mas enquanto anda pelo ambiente ou a forma que se afunda na cama, a forma que perde toda a lucidez em composição à uma montagem e direção que se concentram e potencializam sua personagem, existe uma explosão do que é cinematográfico. Pois, é muito comum em produções audiovisuais que tem poucos recursos espaciais e de personagem promoverem um aspecto próximo do teatro, longos planos sem sentido (ou seja, longos planos apenas pela facilidade dos mesmos) e prolixidade e prolixidade. A grande diferença desta obra às outras, que são taxadas de teatrais, é o saber cinematográfico imposto por ela, em quarenta minutos não deixa de ser aproveitado nada visualmente, tudo é usado na narrativa visual, enquadrando o necessário e potencializando cada cena com os tipos de planos utilizados, com o uso da distância focal, com o movimento de câmera e diversos recursos.
            
O segundo enredo foi proibido em diversos lugares pelo polêmico conteúdo implícito. Anna Magnani se encontra com um homem vestido como um santo (interpretado por um jovial Fellini), conversa com o mesmo enquanto este permanece em silêncio e oferece bebida a ela, até que adormece, quando acorda, ele já foi embora. Pouco tempo depois, se apresenta grávida, ela alega que está grávida de um santo e é julgada como uma prostitua por todos. A polemica surge como uma verdadeira sugestão de estupro, o suposto santo parece ter embriagado a mulher para fazer isso. Rossellini faz Magnani sofrer o tempo todo, todo mundo a rejeita, poucos são aqueles que acreditam no possível milagre, esta sequência é muito triste e explode neorrealismo, com a irreverência do povo e a complexidade do sofrimento de seus personagens. Desta forma, existe uma forma de amor bem explícita na qual o diretor italiano quer retratar, o amor platônico, o transcendente amor em que os corpos não podem se tocar, porém o verbo encarna o corpo e o adoece. Na primeira, Magnani chora pela impossibilidade de continuar seu amor, enquanto ela permanece a se comunicar com ele. Na segunda, Magnani ama o santo, o sacro e nem consegue conceber o estupro. Com inteligência, os diálogos com o amado, para público, são sempre sem resposta. O santo não dialoga com ela e na primeira história existe uma resposta, mas o público nunca a escuta, é como se ela falasse sozinha. Seriam todas as histórias sobre amor à Deus e o silêncio que existe neste amor, a dolorosa incursão da fé platônica? Sendo Rossellini é possível imaginar tal possiblidade.
            
Tendo isso em vista, o diretor italiano conseguiu explorar as potencialidades Anna Magnani em papéis distintos e intensos, com um apreço técnico muito forte. Fugindo da urgência neorrealista, mas usando de sua força para carregar a segunda história, explorando as suas temáticas mais interessadas ao amor e mais terrivelmente a grandeza silenciosa de Deus. 

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