quinta-feira, 3 de agosto de 2017

2017 – Corra! (Jordan Peele, EUA) **** (4)


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Corra surge como um dos melhores filmes de terror dos tempos atuais, crítico, tenso e cômico. Diga-se de passagem, o vício pelos sustos ou ainda as repetições do “novo” formato de gravação encontrada (found footage), cada vez mais parecem distantes dos bons filmes de terror. Corra é um filme sobre um jovem, chamado Chris, que vai visitar a família de sua namorada, sendo ele negro e ela branca, não só trabalhando com a angústia do racismo ao mesmo tempo que conta uma tensa narrativa de suspense.
            
Deve-se atentar à cena inicial do longa que já deixa de forma bem notória seu tema e intensidade com qual o trabalhará, ainda fazendo certa homenagem a outros filmes do gênero, com uma veia nesta potencialidade de terror, como John Carpenter. Jordan Peele já é muito conhecido pela habilidade com a comédia, por isso, ao colocar Chris em constantes diálogos com seu amigo, também negro, não só constroem momentos de comicidade dentro da agonia do seu personagem, como também constroem um refúgio de filiação ao personagem que se vê como um perdido ao redor de tantas pessoas brancas. Além disso, existe um momento em que comentários até recorrentes que se fazem de maneira estereotipada e com certeza preconceitos, mas que são taxados como “piadas”, se tornam verdadeiras peças de produção de tensão no filme. Pois a maneira que tais comentários são expostos consegue mesclar toda seu absurdo revestido de piada com o horror real que ronda o ambiente.
            
As atuações de todos os personagens estão ótimas, algumas parecem levemente caricatas, mas o Chris interpretado por Daniel Kaluya está sensacional, sabendo expressar insegurança, medo e confiança muito bem. É interessante salientar que seu personagem é um fotógrafo, um homem que observa e tira fotos, que consequentemente em diversos momentos tem sua potência sensória motora inibida, como por exemplo, quando a mãe de sua namorada, Rose, resolve fazer hipnose nele, para trabalhar em cima de seu vício em cigarro. De forma aterrorizante, ele se vê num buraco negro enquanto assiste tudo por uma tela, remetendo-se até mesmo à uma tela de cinema. Este local “Afundado no Esquecimento” tem uma potência significativa muito forte para o filme, pois é uma metáfora poderosa à apropriação cultural. Historicamente, desde os tempos de colonização, nos EUA e em tantos outros países que escravizaram pessoas negras, os brancos roubaram técnicas, habilidades e até a própria cultura de tal povo, consequentemente os jogando em um local de esquecimento, o longa trabalha essa temática como seu ponto chave de maneira sensacional. Percebe-se também como esta cena em especifico se relaciona poeticamente com o trabalho do personagem e ainda faz uma total pontuação no cinema com uma falta imensa de representatividade, já que Chris, quando submerso neste local, enxergar na tela apenas brancos, enquanto esquece de si mesmo.
           
Ainda existe um bom uso dos sonhos, percebendo um cuidado de construção psicológica do diretor, em produzir um personagem que tenha profundidade. Outra potencialidade do filme é a elaboração intensa de suspense, que faz surgir no espectador uma sensação de espera que o envolve, o faz perseverar nos detalhes e nuances do filme, sabendo exatamente quando ou não mostrar o que for preciso para o enredo avançar. Em certos momentos, o principal a se esconder parece obvio aos olhos do público, mas consegue ser muito mais interessante e talvez horrível que o esperado, deixando assim toda a violência para o fim de forma irruptiva e forte.
            
Portanto, Corra se estabelece ao lado de obras como Babadook, A Corrente do Mal, A Bruxa, etc, como filmes de horror que conseguem ser assustadores e tensos, ao mesmo tempo que bem produzidos, com um cuidado técnico e artístico grande, assim como produzem diversos significados poderosos. Sendo ainda mais importante em tempos do retorno do conservadorismo e do grande conflito racial nos EUA. Jordan Peele, em sua estreia, impressionou com a simplicidade essencial do gênero do terror e com a habilidade em conjunto a propriedade em trabalhar com um tema complexo. 

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