
Scanners
surge como um sucessor mais que lógico para as temáticas trabalhadas em seus
filmes anteriores. A relação da mente e do corpo parecem chegar em seu limite
neste filme (só parecem). Scanners é uma história de conspiração, em que os
scanners são pessoas com poderes telecinéticos poderosos que pretendem derrubar
o governo e tomar o poder do mundo.
Em uma de suas cenas iniciais, Cronenberg
já incita desespero no espectador ao explodir uma cabeça. Revok, um scanner,
que foi chamado para ser testado pela CONSEC, uma corporação do governo que
pretende domá-los, demonstra o potencial de sua mente, que de forma absurda, é
capaz de destruir um corpo. Dessa forma, será que existiria uma superioridade
da mente sobre o corpo? Algo que parecia impensável nas narrativas do diretor
que carregavam uma veia de indiscernibilidade total dos dois. Bem, não é de se
enganar que existe um esforço corporal para que essa ação de explosão do corpo
do outro, assim como o uso da droga ephemerol (droga fictícia) para controlar
os poderes, algo que também perpassa de uma produção física, substancial. Mas
Cronenberg parece saber que está levando ao limite tal batalha inevitável, não
existe mais mistura e sim uma luta. Quando o protagonista do filme Cameron
Vale, um scanner, com ajuda do doutor Paul Ruth persegue Revok, encontra um artista
que também é um scanner. Suas obras expressam tal desespero dos mutantes,
esculturas com corpos gigantes, destroçados, em sofrimento, os dois ainda
compartilham uma conversa em uma cabeça gigantesca, é como se todo aquele poder
sobre a mente causasse uma desregulação total dos dois atributos que o ser
humano possui, a mente e o corpo. Ainda existem pequenos vislumbres sobre a
maneira com que seus personagens se acoplam com a tecnologia quando Vale é
obrigado a invadir um sistema de dados de computador, já mostrando outra zona
de indiscernibilidade e relação na qual o diretor irá trabalhar em seus filmes
posteriores com mais afinco, já que considera a tecnologia como uma extensão do
corpo humano.
Se existe algum momento intenso que
possa se equiparar a grande explosão da cabeça do início do filme é a batalha
entre Vale e Revok. Suas mentes e corpos digladiam-se em uma verdadeira
loucura. Sendo uma das cenas mais nojentas de seus filmes. Ao fim dela, o
diretor parece realmente querer produzir uma ideia de transcendência da mente.
Porém, certa vez o diretor afirmou “Eu acredito que o corpo
humano é o primeiro fato da existência humana. E se você se agarrar na
realidade do corpo, você se agarra à mortalidade e isso é algo muito difícil de
ser fazer, pois a mente consciente não pode imaginar o não-existente. É impossível de fazê-lo”. Tendo isso em vista,
é possível afirmar que existe uma inclinação da mente em perseverar-se de forma
consciente, algo que pode produzir uma questão transcendente. Freud já dizia
que a morte de si é inconcebível para a mente humana, assim como Spinoza também
já dizia que a mente não pode imaginar seu fim. Mas esses dois grandes
filósofos não afirmavam uma superioridade da mente sobre o corpo. O que parece
ocorrer em Cronenberg não é, de fato, transcendência, pois a mente continua
presa a um corpo, encarnada. O que significa que Cronenberg estava buscando
encontrar um limite para a mente e para o corpo, porém não os encontrou (Spinoza
afirmava ainda ser desconhecido, tanto o limite da mente, quanto do corpo, e o
que não deixará de ser pela incessante busca de Cronenberg em explorar a
vicissitude do corpo humano durante toda sua filmografia). Neste seu filme, o
diretor canadense, eleva o atrito da mente e do corpo ao ponto de querer
destruir um deles por um possível medo inevitável da morte, ao mesmo tempo que
encontra a inevitabilidade do corpo, pois como o mesmo disse, o corpo é o
primeiro fato da existência humana.
Polêmico, pelo seu alto grau de violência, mas ao mesmo
tempo uma aventurosa incursão sobre a mente e o corpo humano, que se expressa
em uma história de conspiração sci-fi que beira o trash. Só nas mãos de alguém que
sabe exatamente o que quer para algo de tanto brilhantismo ser produzido.
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