domingo, 20 de agosto de 2017

1981 – Scanners (David Cronenberg, Canadá) **** (4.0)

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Scanners surge como um sucessor mais que lógico para as temáticas trabalhadas em seus filmes anteriores. A relação da mente e do corpo parecem chegar em seu limite neste filme (só parecem). Scanners é uma história de conspiração, em que os scanners são pessoas com poderes telecinéticos poderosos que pretendem derrubar o governo e tomar o poder do mundo.
            
Em uma de suas cenas iniciais, Cronenberg já incita desespero no espectador ao explodir uma cabeça. Revok, um scanner, que foi chamado para ser testado pela CONSEC, uma corporação do governo que pretende domá-los, demonstra o potencial de sua mente, que de forma absurda, é capaz de destruir um corpo. Dessa forma, será que existiria uma superioridade da mente sobre o corpo? Algo que parecia impensável nas narrativas do diretor que carregavam uma veia de indiscernibilidade total dos dois. Bem, não é de se enganar que existe um esforço corporal para que essa ação de explosão do corpo do outro, assim como o uso da droga ephemerol (droga fictícia) para controlar os poderes, algo que também perpassa de uma produção física, substancial. Mas Cronenberg parece saber que está levando ao limite tal batalha inevitável, não existe mais mistura e sim uma luta. Quando o protagonista do filme Cameron Vale, um scanner, com ajuda do doutor Paul Ruth persegue Revok, encontra um artista que também é um scanner. Suas obras expressam tal desespero dos mutantes, esculturas com corpos gigantes, destroçados, em sofrimento, os dois ainda compartilham uma conversa em uma cabeça gigantesca, é como se todo aquele poder sobre a mente causasse uma desregulação total dos dois atributos que o ser humano possui, a mente e o corpo. Ainda existem pequenos vislumbres sobre a maneira com que seus personagens se acoplam com a tecnologia quando Vale é obrigado a invadir um sistema de dados de computador, já mostrando outra zona de indiscernibilidade e relação na qual o diretor irá trabalhar em seus filmes posteriores com mais afinco, já que considera a tecnologia como uma extensão do corpo humano.
            
Se existe algum momento intenso que possa se equiparar a grande explosão da cabeça do início do filme é a batalha entre Vale e Revok. Suas mentes e corpos digladiam-se em uma verdadeira loucura. Sendo uma das cenas mais nojentas de seus filmes. Ao fim dela, o diretor parece realmente querer produzir uma ideia de transcendência da mente. Porém, certa vez o diretor afirmou “Eu acredito que o corpo humano é o primeiro fato da existência humana. E se você se agarrar na realidade do corpo, você se agarra à mortalidade e isso é algo muito difícil de ser fazer, pois a mente consciente não pode imaginar o não-existente.  É impossível de fazê-lo”. Tendo isso em vista, é possível afirmar que existe uma inclinação da mente em perseverar-se de forma consciente, algo que pode produzir uma questão transcendente. Freud já dizia que a morte de si é inconcebível para a mente humana, assim como Spinoza também já dizia que a mente não pode imaginar seu fim. Mas esses dois grandes filósofos não afirmavam uma superioridade da mente sobre o corpo. O que parece ocorrer em Cronenberg não é, de fato, transcendência, pois a mente continua presa a um corpo, encarnada. O que significa que Cronenberg estava buscando encontrar um limite para a mente e para o corpo, porém não os encontrou (Spinoza afirmava ainda ser desconhecido, tanto o limite da mente, quanto do corpo, e o que não deixará de ser pela incessante busca de Cronenberg em explorar a vicissitude do corpo humano durante toda sua filmografia). Neste seu filme, o diretor canadense, eleva o atrito da mente e do corpo ao ponto de querer destruir um deles por um possível medo inevitável da morte, ao mesmo tempo que encontra a inevitabilidade do corpo, pois como o mesmo disse, o corpo é o primeiro fato da existência humana.
            
Polêmico, pelo seu alto grau de violência, mas ao mesmo tempo uma aventurosa incursão sobre a mente e o corpo humano, que se expressa em uma história de conspiração sci-fi que beira o trash. Só nas mãos de alguém que sabe exatamente o que quer para algo de tanto brilhantismo ser produzido. 

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