segunda-feira, 7 de agosto de 2017

1950 – Francisco, Arauto de Deus (Roberto Rossellini, Itália) ****1/2 (4.5)

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Rossellini sempre demonstrou em todos os seus filmes sua veia religiosa, aqui a expõe de maneira assertiva e revela completamente sua visão da fé, trazendo a perspectiva franciscana (algo que já havia sido sugerido em Roma, Cidade Aberta). Narrando em doze curtos capítulos, até mesmo desconexos, que retratam a vivência de Francisco e seus seguidores, assim como as próprias teses desta vertente religiosa, acentuando o lado cômico da situação e, ao mesmo tempo, cercado de uma fotografia que pulsa realismo, drama e profundidade.
            
A grande potência que o diretor enxerga no catolicismo franciscano é de ver a bondade num mundo aterrorizado pela violência, para alguém que vivenciou as duas guerras, principalmente na Itália, vivenciando o governo fascista de Mussolini. Construir tal visão parece até mesmo um absurdo, porém as comédias políticas italianas sempre foram produzidas com grande qualidade, assim como em obras mais cômicas e fantasiosas de Pasolini, a trilogia da vida, por exemplo. Dessa forma, este filme se apresenta muito como uma visão cômica de situações complexas, talvez não cômica, porém ingênua. Como o seguidor de Francisco que caça um porco, mas pede encarecidamente para o animal lhe dar sua pata, então, a arranca com um facão e acredita que os gritos do porco são como uma afirmação que concorda com seu pedido. Antes que isto pareça cinismo, é possível ver a ingenuidade transbordar deste personagem, Juniper, que parece ser alguém com quem Francisco tem um grande apreço, até mesmo admiração, ele tolera bastante todos os seus momentos de ingenuidade, pois a bondade ou simplesmente não ter uma ideia negativa de diversas coisas (como o assassinato de um porco para a alimentação) é como ser ingênuo. Mas Rossellini tem total consciência do que é esta ingenuidade, é quase uma tentativa de produção de saúde, como se fosse possível enxergar o mundo que Deus criou como melhor possível, com esta ideia em mente, existe uma montagem quase naturalista que reconstrói as sensações da natureza, demonstrando a relação desses sujeitos com a mesma, tendo como melhor expressão disso o momentos que os franciscanos ficam na chuva e a sentem, com a fotografia realista a cena ganha um potência e beleza impressionantes.
            
Existem algumas histórias em que a intensidade parece ser maior, talvez onde o drama surja. Na noite em que Francisco se encontra com o leprosa que vaga sozinho. Construindo uma cena silenciosa e intensa, no qual percebe-se de forma muito poderosa o que significa esta vertente do catolicismo, uma verdadeira filosofia, na qual a bondade é a prioridade. O abraço que o personagem dá no leproso é sofrido e até mesmo pouco entendível para o sujeito. Uma das últimas histórias, na qual Juniper é sequestrado por um rei tirano que, pelas proporções de sua armadura e de seu poder, transforma o horror em uma comédia, conduzindo a ingenuidade do personagem ao máximo, desafiando até mesmo homens perigosos. Esta sequência consegue trazer a caricatura do poder, de como o rei nem consegue se mover com tantos adornos, enquanto os franciscanos seguem com suas batas, leves e sujas. Se existe algo de maior potência no filme, é a sua montagem tanto do todo, como das partes. Do todo em sua separação em dozes episódios, praticamente cotidianos, para explorar a bondade, ingenuidade e simplicidade que reside em enxergar o mundo sem a maldade, procurando o bem, em conjunção à montagem das partes que varia entre a comicidade e drama, no naturalismo e nos longos planos para por vezes trazer melancolia e por outras vezes contemplação.
            
Portanto, esse filme não é uma tentativa de conversão do espectador em católico, muito menos uma tentativa de provar a existência de Deus, como muitos filmes recentes parecem almejar, mas simplesmente demonstrar a veia religiosa franciscana. Aquela na qual o diretor parece compreender e depois de tantos filmes em que o sofrimento por conta das guerras, do preconceito e da violência são retratados, por que não um filme que procure a bondade, nunca se tornando falso ou escapista, como todos os filmes do neorrealismo italiano. 

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