
Rossellini sempre demonstrou
em todos os seus filmes sua veia religiosa, aqui a expõe de maneira assertiva e
revela completamente sua visão da fé, trazendo a perspectiva franciscana (algo
que já havia sido sugerido em Roma, Cidade Aberta). Narrando em doze curtos
capítulos, até mesmo desconexos, que retratam a vivência de Francisco e seus
seguidores, assim como as próprias teses desta vertente religiosa, acentuando o
lado cômico da situação e, ao mesmo tempo, cercado de uma fotografia que pulsa
realismo, drama e profundidade.
A grande potência que o diretor enxerga no catolicismo
franciscano é de ver a bondade num mundo aterrorizado pela violência, para
alguém que vivenciou as duas guerras, principalmente na Itália, vivenciando o
governo fascista de Mussolini. Construir tal visão parece até mesmo um absurdo,
porém as comédias políticas italianas sempre foram produzidas com grande
qualidade, assim como em obras mais cômicas e fantasiosas de Pasolini, a
trilogia da vida, por exemplo. Dessa forma, este filme se apresenta muito como
uma visão cômica de situações complexas, talvez não cômica, porém ingênua. Como
o seguidor de Francisco que caça um porco, mas pede encarecidamente para o animal
lhe dar sua pata, então, a arranca com um facão e acredita que os gritos do
porco são como uma afirmação que concorda com seu pedido. Antes que isto pareça
cinismo, é possível ver a ingenuidade transbordar deste personagem, Juniper,
que parece ser alguém com quem Francisco tem um grande apreço, até mesmo
admiração, ele tolera bastante todos os seus momentos de ingenuidade, pois a
bondade ou simplesmente não ter uma ideia negativa de diversas coisas (como o
assassinato de um porco para a alimentação) é como ser ingênuo. Mas Rossellini
tem total consciência do que é esta ingenuidade, é quase uma tentativa de
produção de saúde, como se fosse possível enxergar o mundo que Deus criou como
melhor possível, com esta ideia em mente, existe uma montagem quase naturalista
que reconstrói as sensações da natureza, demonstrando a relação desses sujeitos
com a mesma, tendo como melhor expressão disso o momentos que os franciscanos
ficam na chuva e a sentem, com a fotografia realista a cena ganha um potência e
beleza impressionantes.
Existem algumas histórias em que a intensidade parece ser
maior, talvez onde o drama surja. Na noite em que Francisco se encontra com o
leprosa que vaga sozinho. Construindo uma cena silenciosa e intensa, no qual
percebe-se de forma muito poderosa o que significa esta vertente do catolicismo,
uma verdadeira filosofia, na qual a bondade é a prioridade. O abraço que o
personagem dá no leproso é sofrido e até mesmo pouco entendível para o sujeito.
Uma das últimas histórias, na qual Juniper é sequestrado por um rei tirano que,
pelas proporções de sua armadura e de seu poder, transforma o horror em uma
comédia, conduzindo a ingenuidade do personagem ao máximo, desafiando até mesmo
homens perigosos. Esta sequência consegue trazer a caricatura do poder, de como
o rei nem consegue se mover com tantos adornos, enquanto os franciscanos seguem
com suas batas, leves e sujas. Se existe algo de maior potência no filme, é a
sua montagem tanto do todo, como das partes. Do todo em sua separação em dozes
episódios, praticamente cotidianos, para explorar a bondade, ingenuidade e
simplicidade que reside em enxergar o mundo sem a maldade, procurando o bem, em
conjunção à montagem das partes que varia entre a comicidade e drama, no
naturalismo e nos longos planos para por vezes trazer melancolia e por outras
vezes contemplação.
Portanto, esse filme não é uma tentativa de conversão do
espectador em católico, muito menos uma tentativa de provar a existência de
Deus, como muitos filmes recentes parecem almejar, mas simplesmente demonstrar
a veia religiosa franciscana. Aquela na qual o diretor parece compreender e
depois de tantos filmes em que o sofrimento por conta das guerras, do
preconceito e da violência são retratados, por que não um filme que procure a
bondade, nunca se tornando falso ou escapista, como todos os filmes do neorrealismo
italiano.
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