terça-feira, 2 de janeiro de 2018

1935 – Toni (Jean Renoir, França e Itália) ****1/2 (4.5)

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Este longa de Renoir busca de forma poética apresentar a vida dos imigrantes italianos, fugindo do fascismo, para a França. É aqui que se percebe que, além dos documentários, a maior influência do neorrealismo italiano se encontrava no Realismo Poético, principalmente o desse diretor francês, pois Luchino Visconti, aquele quem iniciou o movimento com Obsessão, foi seu co-diretor neste filme. Assim sendo, Toni vive na região de Provence, trabalhando com mineração e procurando se apaixonar longe de suas terras.
            
O longa se inicia com um trem, um objeto valioso na filmografia do diretor, indica sempre mudanças, intensidade de conexões que parecem um puro fluxo de movimentos. Como se estivesse indicando que essa é a história de um povo que se encontra nômade, porém não por desejo próprio, obrigados. O protagonista para residir de forma plena no local começa a morar com uma francesa. Porém, ele se encontra apaixonado por Josefa, que sempre no caminho para o trabalho se encontra com ela. Renoir consegue extrair o melhor dos atores, grande parte deles estreantes, não profissionais, pois, qual seria o rosto dos imigrantes italianos? São rostos desconhecidos. A locação ao melhor estilo impressionista, recheada de natureza, sempre com o vento movimentando as cenas, aliado de seu movimento de câmera ameno, que consegue compreender a tridimensionalidade do cinema. Até certo ponto é divertido perceber as tradições italianas se misturando às francesas, as cantigas, os sonhos dos mineradores, tudo isso é apresentado num clima cotidiano, porém ao mesmo tempo se apresentam com tristeza, pois os sonhos se quebram, as tradições começam a causar problemas e as cantigas parecem servir apenas para o consolo.
            
De fato, Toni não está feliz em ver tudo desabando e busca sua fuga em Josefa, ou seja, no amor. Porém, as coisas acontecem de maneira na qual o protagonista não pode controlar e continuam a acontecer, um ponto se conecta a outro, que se conecta a outro, são agenciamentos, acoplamentos. Em certo momento, Josefa fica grávida e Toni se torna padrinho, a tensão sobre o cuidado do bebê, o casamento de Josefa com Albert, a impossibilidade continuar vivendo com Marie. Todos esses acontecimentos são narrados em total conjunção com a natureza, as conversas corriqueiras durantes as pausas no trabalho, em que o protagonista se abre de maneira verdadeira, enquanto assiste ao fundo do plano as dinamites derrubarem uma montanha. Essa noção poderosa que o diretor encontra de contar sua história numa tridimensionalidade do quadro tornam sua obra com uma potência moderna muita grande, não é à toa que é pioneiro no que tange ao uso da profundidade de campo. Outro momento bonito, porém, melancólico é quando Marie se vê perdida e decide se matar, atravessa o mato, pega um barco e quando o cinza do rio se mistura com o cinza do céu completamente, é possível enxergar de maneira contundente a tristeza que a personagem vive, pois é como se ela pairasse sobre um vazio absurdo.
            
Os outros personagens que compõe muito bem o ritmo do enredo são Fernand, o melhor amigo de Toni, aquele que escuta suas loucuras, um homem mais velho que é singelo. Já Gabe é um verdadeiro aproveitador, que só pensa em seu próprio ego, ele é primo de Josefa. As situações finais do longa são de um derradeiro acontecimento na qual Renoir narra com maestria, cada movimento de câmera é preciso de uma forma que pulsa o realismo poético, pulsa o germe do neorrealismo italiano, é como se o quadro se enchesse de vida. Não é à toa que uma última perseguição do longa ocorre próximo aos trilhos de um trem e ao fim deste ato, o trem passa com uma velocidade imensa jogando os personagens para o plano de fundo. Os acontecimentos complexos da vida jorram pela tela como um rio em movimento. Tão rápido como um sopro, o próprio sopro de vida que é impossível de se nomear de fato. Assim, o filme termina da mesma forma que começou, com o trem anunciado a mudança dos tempos, a mudança própria que é o tempo.
            
Toni é uma pérola do cinema do diretor, que parece ser apenas um filme qualquer, mas é de um afinco técnico imprescindível para o desenvolvimento de todo o cinema moderno. Além disso, faz-se uma importante crítica social ao modo de vida do trabalhador imigrante na França, as dificuldades de se inserirem socialmente de fato e por fim, carregam uma poesia cinematográfica. 

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