
Seria
possível Sion Sono ter buscado produzir o Stalker (filme de Tarkovsky) japonês?
Acredito que não, porém existe semelhanças estéticas nos dois longas. Para um diretor
conhecido por uma irreverência descontrolada e completamente absurda, o
silêncio e o vazio das cenas tornam essa obra o próprio inverso de tudo que o
diretor fez, entretanto, sem perder a qualidade narrativa. Talvez fazendo
surgir o Sion Sono que se encontra de relance em suas obras, um poético e
lírico em meio ao trash maximalista.
Acompanhamos uma androide que
trabalha viajando por entre planetas fazendo entregas. Num suposto futuro no
qual os humanos se espalharam por todos os cantos do universo, que, apesar de
não apresentada, tem como fator importante a criação de uma máquina de teletransporte.
Sem a necessidade de muitos diálogos a protagonista da história silenciosamente
espera para a chegada de seu novo destinatário, uma espera que parece prolixa
com a invenção marcante do século. Com sua fotografia em sépia, na qual a nave,
a terra e a própria cor dos personagens compartilham o tom, criando não só um
aspecto de mundo esquecido, mas também de indiscernibilidade entre as coisas. A
câmera acompanha lentamente sua personagem em seu vaguear simples pelos mundos
avulsos. Além desta semelhança estética com Stalker – o uso do sépia e os
ambiente vazios -, existe algo daquele local desolado que surge com o ímpeto o
desastre de Fukushima, assim como no filme russo Chernobyl fazia sua sombra.
Na lentidão das pequenas reflexões
sobre a vida humana de Yoko, a androide, percebe certo estranhamento na espera
que os seres humanos se submetem para fazerem tais entregas. Parece algo
completamente enfadonho, desnecessário, ao mesmo tempo que talvez a espera seja
a única coisa que faça esses seres humanos continuarem vivos. Já que todos são
como “velas se apagando”, a pequenez do ser humano é salientada quando ele se
encontra espalhado em pequena quantidade na imensidão do universo. É interessante que todos os objetos entregues
são ícones mnemônicos, assim parecem trazer certa esperança de quem os recebe.
Yoko desenvolve uma empatia tremenda a partir das entregas, uma máquina que
absurdamente se movimenta para a compreensão de um sentimento que não existe
nela. Veja como é interessante a dilatação e compreensão do tempo, o espectador
por muito fica preso dentro da nave, apenas acompanhando um cotidiano simplório
de uma androide, enquanto isso anos passam, a espera não soa como algo chato
para ela, afinal, essa condição de espera só existe de fato para o ser humano.
Com isso, todo tempo passa em segundos para essa personagem, enquanto para o
humano que está esperançoso é como um sofrimento eterno, porém necessário para
se continuar.
Um detalhe que ressoa nesta
personagem é a sua condição de fala, ela praticamente sussurra, acostumada com
o próprio silêncio. Em determinado planeta, o uso do som é estranho, não é
possível escutar determinadas coisas, como as ondas do mar, ou objetos
barulhentos, assim, até mesmo sua voz parece se esvair aos poucos. Mas o que se
descobre é que neste planeta sons acima de trinta decibéis podem ser fatais
para os seres humanos, por isso, a todo momento, Yoko regula por meio de um
medidor a sua voz. No fim dessa jornada ele acaba pisando em uma latinha, que
acompanha até sua nave, arrastando-se, riscando o chão, com seu zumbido
metálico num quieto mar em sépia. Este uso simples das sonoridades ecoa certa
particularidade da personagem, pois começa a carregar para si algo que falta
nos humanos.
Aliás, este filme tem certo apreço
ao sonoro e visual com uma simplicidade poética grande como um todo. Desde da
nave que contém certo apelo vintage, quanto ao próprio silêncio universal. De
certo, a sensorialidade é bem utilizada por Sono, mas sua poesia costumeira
sempre é exagerada, gritante, o inverso aparece aqui como uma experimentação
melancólica. É difícil até de explanar o que há do estilo de Sion Sono aqui,
além da plasticidade e do vazio existencial que se encontram de forma bela na
sequência que Yoko anda por um corredor fazendo entregas por entre Shojis
(aquelas portas de correr japonesas), vendo apenas suas silhuetas, aprendendo
de forma distanciada.
Por fim, A Estrela Sussurrante é um
belo filme que conversa com o seu tempo, com a distância dos seres humanos e
com a necessidade da espera – que se configura em esperança talvez. Yoko faz de
tudo para entender o que se passa na mente dos sujeitos que parecem estar
sumindo por conta da própria autodestruição, seria ambíguo o não uso do
teletransporte? Seria uma forma de se destruir ou uma forma de persistir? Na
sua obra mais diferente evidencia a capacidade para fazer pensar e se
estranhar, seja com o maximalismo ou com o minimalismo de suas produções.
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