terça-feira, 16 de janeiro de 2018

2003 – Dançando na Poeira (Asghar Farhadi, Irã) **** (4.0)

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Em sua estreia, Farhadi, traz os paradigmas da moral de seu país. O tema que irá abordar em todos os seus filmes, se é possível chamar algo tão intricado a produção de cinema, como a condição social iraniana, de tema, talvez poderíamos chamá-lo de ponto de partida.  Ao mesmo tempo que é possível ver o diretor usando recursos que comumente são considerados televisivos, mas que, talvez, fosse melhor chamá-los de datados e piegas. Com isto, narra a história de Nazar jovem que tem de acabar o seu casamento após descobrirem que sua mãe era uma prostitua.
           
A relação desse casal ingênuo se destrói por conta de valores morais rígidos demais, muito bem trabalhados pelo cinema iraniano que desde Kiarostami vem enfrentando todas as formas de censura que seu país impõe. O início do longa é belíssimo, em que o casal assiste a um filme indiano, no qual uma mulher dança sobre o vidro por amor a um homem. Nazar questiona sua esposa se ela faria o mesmo, os dois brincam e ele joga uma maçã nele que desvia e essa acaba por quebrar o vidro da janela. Essa pequena introdução já diz que um deles terá que pisar no vidro para provar o seu amor pelo outro e este será Nazar.
            
Ao tentar buscar dinheiro para pagar o dote de sua esposa, que seria o preço para terminar o relacionamento, acaba apenas entrando numa jornada, não só de autodescoberta, mas de muito sofrimento. Ele pretende fazer isso por amor, para não manchar o nome de sua esposa. Farhadi joga seu enredo do caos urbano para o deserto, quando, ao fugir de policiais Nazar adentra na van de Haji. Essa virada visual modifica completamente o rumo do longa trazendo indagações pertinentes e interessantes ao seu personagem.
            
Diferente do habitual, seu personagem principal fala demais, não para nenhum momento com sua prolixidade. Tendo Haji como o seu companheiro, porém é um homem de difícil de diálogo. Assim, Nazar se vê em diversos monólogos até chegar em momentos de silencio absoluto. Além disso, o diretor faz questão de trazer pequenos momentos de ingenuidade do personagem, principalmente em relação ao amor, já que a forma que ele enxerga o amor é aquele pueril de tantos filmes de Bollywood.

A transformação do personagem pelos dias no deserto, na imensidão desse vazio e do silêncio, é extremamente bem realizada por seu ator Yousef Khodaparast. Em primeiro momento seu sorriso solto, olhos apertados começam a sumir para um rosto mais cansado, suas bochechas ficam murchas. Já Haji é um homem da realidade, um homem que caça cobras e pela sua mudez parece ter algo guardado de muito pesado. Esse jeito infantil de seu protagonista aliado de um personagem mais velhos e possivelmente sábio é um prato cheio para um movimento cinematográfico iraniano que se inspira amplamente no Neorrealismo Italiano.

Ainda, o diretor utiliza da metáfora da maçã e da cobra, que fazem parte do imaginário religioso. Os dois símbolos são referenciados como o mal, mas também como o conhecimento. Farhadi talvez esteja desde sempre apostando nisso, infringir o suposto bem proposto pela moral, para obter algum tipo de conhecimento, algo que seja mais que revelador, algo que seja real.

Porém, existem opções técnicas do diretor que acabam por perder a força em seu drama. Seja pelo o uso de câmera lenta pouquíssimo efetivo, tentando por meio desta transforma uma cena mais intensa ou ainda os gritos de Nazar que ecoam tentando de forma piegas reverberar sua dor pelo som do longa. É possível dizer que o diretor trouxe consigo alguns recursos habituais da televisão iraniana, já que trabalhava até então com séries de televisão. Estes recursos que foram ruins não enfraquecem o longa como um todo. Que com pequenos gestos e símbolos conseguem produzir uma reflexão acerca da cultura iraniana.

Por fim, este é um drama competente de um diretor fenomenal. Sua estética, cada vez mais restrita aos espaços urbanos apertados, ainda se encontrava em construção. Mas seu ponto de partida em demonstrar o conhecimento a partir da quebra da moral aparece de maneira contundente. A história de Nazar é uma história de descobrir o amor e o próprio Irã. 

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