segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

2016 – Grave (Julia Ducournau, França) **** (4.0)

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Grave é um filme simples, mas atmosférico, cheio de poder no âmago do seu conteúdo. Com uma paleta de cores frias, atuações extremamente bem realizadas e o gore usado de maneira precisa, além de visceral, o longa se apresenta como um bom drama e um bom filme de horror. Narrando a história da jovem Justine, vegana, que ao entrar na faculdade de veterinária é obrigada a comer carne a primeira vez, até que isso se torna um vício descontrolado.
            
Essa conjunção de elementos extremamente contemporâneos é poderosa, o veganismo, por exemplo, existe a bastante tempo, porém agora está ganhando mais força e visibilidade. Porém, aqui não se apresenta como forma de protesto ou crítica social àqueles que comem carne, mas para produzir uma metáfora da carne como a própria sexualidade. Relacionando-a até mesmo de certa forma ao instinto. É animalesco.

A protagonista se vê atordoada no meio universitário, as festas, a lógica hedonista – que é muito conhecida aqui no Brasil –, os trotes, tudo isso a confunde, além de que ter sua irmã mais velha como sua veterana, na verdade, complica a sua vida. Em certa cena, os calouros são obrigados a ir a uma festa, a diretora produz uma cena poderosa, na qual os jovens andam de quatro e se contorcem como animais pelos gramados da faculdade. Nesta festa Justine é obrigada a comer carne crua, pela sua própria irmã. Assim misturando os elementos contemporâneos o trote e a carne, como uma suposta liberdade exacerbada.
            
Mas essa experimentação da personagem se torna um vício incontrolável. Para além disso, se torna um vício canibal. A carne que mais desperta o seu desejo é a humana. O momento que sua irmã descobre seu desejo é nojento e grotesco, apesar de conter uma nuance cômica. É aí que se descobre que Alexia, sua irmã, já passou pelo o mesmo que sua irmã, e disse que poderia ajudá-la a canalizar esse desejo para poder viver bem e sem se descontrolar. Com a proximidade das duas, elas passeiam pela madrugada e urinam pelo território da faculdade, pode parecer baboseira e idiotice de primeira, apenas uma cena cômica, mas inserido num contexto em que os humanos e os animais se misturam constantemente, as duas se divertiam enquanto tentavam marcar seu território.
            
Ducournau consegue de maneira primorosa, com um uso belo de seu cenário, a faculdade de veterinária, produzir um universo, no qual os humanos sejam animais. As aulas da faculdade, principalmente as aulas práticas dispõem os animais de maneiras especificas que então são reproduzidas pelos humanos em suas festas, seus momentos sozinhos, criando essa sensação de indiscernibilidade entre as criaturas. Até certo ponto, o longa lembra “Mate-me, Por Favor” que usa da estética do “slash movie” americano para ressaltar de forma tensa as energias à flor da pele da juventude, a própria sexualidade e tudo que se desencadeia nesta fase. Em Grave, o canibalismo, a fome pela carne, o desejo animalesco de dominação que se desenvolve nas duas tem a mesma potência.
            
A fotografia é fria, em grande parte azulada, seguindo com câmeras estáticas – movendo-se só em cenas especificas – suas personagens, produzindo uma imersão a partir de seu ambiente. Todo o desenrolar do enredo se faz nestes tons, por vezes pincelados por cores um pouco mais vivas, quase que sempre o sangue.
            
Na juventude existe uma força descomunal que atravessa o corpo, é quase que a produção de um novo corpo, uma verdadeira metamorfose. Não só no que diz respeito à puberdade, mas a própria maneira de se portar no mundo passa a se configurar enquanto vive neste limbo do amadurecimento. O desejo intenso, a sensação de liberdade irrepreensível, são algumas dessas características, no filme essa potência é explorada com todos os seus dentes. É violento e por vez agoniante.
           
A estreia de Julia Ducournau, por fim, pode não ser tão violento quanto alguns viciados em filmes gores esperam, mas sua força narrativa, além de é claro um conteúdo carregado de simbolismos, produzem de certo um filme que é por si só violento, até mesmo cru. Atinge nas entranhas e faz refletir sobre a carne e potência de quando se é jovem. 

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