segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

1983 – De Repente, Num Domingo (François Truffaut, França) ****1/2 (4.5)

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Este foi o último longa de Truffuat, um verdadeiro suspense Hitchcokiano. Usando de uma fotografia preto e branca belíssima, um conjunto de atores sensacional, o enredo se desenvolve com fluidez e certa vivacidade que relembra os tempos da Nouvelle Vague, com recursos cinematográficos inventivos.
            
Julien Vercel, interpretado de maneira contundente por Jean-Louis Tritignant, trabalha como empresário, não gosta muito de seu trabalho, porém passa a se esconder nele quando se torna o principal suspeito no assassinato do amante de sua esposa, pouco depois torna-se duplamente acusado já que sua mulher também é assassinada. Sua secretária Barbara Becker, interpretada magistralmente por Fanny Ardant, por mais que também não goste o suficiente de seu trabalho e de seu chefe, passa a ter certa empatia pelo sofrimento, pelo medo do mesmo. Sua eloquência e movimentação pelo cenário fazem lembrar Grace Kelly em Janela Indiscreta, na verdade toda a relação de paralisação sensória motora de Vercel e a possibilidade da investigação de Becker acabam por lembrar desta dinâmica. Além de diversos outros signos que são da herança do diretor britânico, o visual do filme é completamente explorado por singularidades noir um grande contraste entre luz e sombra, os ambientes tristes e carregados de chuva, até mesmo ter como protagonista um homem indiciado de forma errônea é um signo do cinema tão influente de Hitchcock. Portanto, pode-se dizer que o diretor volta ao calor, por mais melancólico que o filme aparenta ser, de seus filmes mais antigos, porém com sua estética mais amadurecida. Parece haver uma frieza que afasta a improvisação dos seus últimos filmes, porém a inventividade ainda existe, como as cenas de assassinatos, como constrói o mistério, tudo isto feito com movimentos de câmera e enquadramentos que recortam o ambiente de maneira eficaz.
            
Torna-se necessário comentar mais uma vez o trabalho exemplar de Fanny Ardant neste longa, sua atuação consegue dar a sua personagem muitas camadas, pelos pequenos movimentos de seu rosto, percebe-se uma implicação para que a personagem fosse viva. O processo de investigação é carregado por uma espécie de mistério que se desprende da comum verossimilhança, no próprio livro da longa entrevista do diretor com Hitchcock, os dois argumentam sobre o mundo fílmico não precisar ser verossímil, apenas precisa conter relevo, relevo este construído cinematograficamente. Portanto, é de certo bonito ver a magia dos filmes do diretor francês também existirem, por mais que exista sempre um tom de realismo poético que ronda quase todo o seu trabalho, ele não exclui a magia cinematográfica do cinema clássico americano, tenta uni-la ao realismo poético, é nisso que consiste toda Nouvelle Vague. Com isto, diversos momentos do longa transmitem um potencial de absurdo, mas que por conta de inventividade narrativa do diretor se tornam momentos de relevo narrativo.  Portanto, cabe pensar que Truffaut não está emulando Hitchcock, e sim, absorvendo de forma orgânica suas técnicas de implicação do público durante toda sua carreira, culminando neste longa.
           
Este filme também demarca uma conotação apresentada em seus três últimos longas. O Último Metrô, A Mulher do Lado e De Repente, Num Domingo parecem trazer personagens na mesma posição de impossibilidade de agir, no primeiro o dono do teatro judeu se encontra escondido no porão, no segundo, o homem casado que revê um antigo amor pela sua janela, se vê transtornado e tenta não agir e, por fim, este longa em que Vercel se esconde em seu escritório. É sempre um paralisar-se, tornar-se voyeur para assistir ao perigo, ou talvez até a própria morte, sendo Truffaut um amante do cinema, um cinéfilo, pode-se dizer que estes personagens assistem e se implicam num espetáculo do filme que se inserem. 
            
Assim, De Repente, Num Domingo é um dos mais belos trabalhos do Truffaut, um ótimo último longa, não preparado exatamente como um filme de despedida. Mas contém diversas potencialidades do trabalho do diretor, principalmente no que tange à sua noção pitoresca do suspense

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