
Este foi o último longa de
Truffuat, um verdadeiro suspense Hitchcokiano. Usando de uma fotografia preto e
branca belíssima, um conjunto de atores sensacional, o enredo se desenvolve com
fluidez e certa vivacidade que relembra os tempos da Nouvelle Vague, com
recursos cinematográficos inventivos.
Julien Vercel, interpretado de maneira contundente por
Jean-Louis Tritignant, trabalha como empresário, não gosta muito de seu
trabalho, porém passa a se esconder nele quando se torna o principal suspeito
no assassinato do amante de sua esposa, pouco depois torna-se duplamente
acusado já que sua mulher também é assassinada. Sua secretária Barbara Becker,
interpretada magistralmente por Fanny Ardant, por mais que também não goste o
suficiente de seu trabalho e de seu chefe, passa a ter certa empatia pelo sofrimento,
pelo medo do mesmo. Sua eloquência e movimentação pelo cenário fazem lembrar
Grace Kelly em Janela Indiscreta, na verdade toda a relação de paralisação
sensória motora de Vercel e a possibilidade da investigação de Becker acabam
por lembrar desta dinâmica. Além de diversos outros signos que são da herança
do diretor britânico, o visual do filme é completamente explorado por
singularidades noir um grande contraste entre luz e sombra, os ambientes
tristes e carregados de chuva, até mesmo ter como protagonista um homem
indiciado de forma errônea é um signo do cinema tão influente de Hitchcock.
Portanto, pode-se dizer que o diretor volta ao calor, por mais melancólico que
o filme aparenta ser, de seus filmes mais antigos, porém com sua estética mais
amadurecida. Parece haver uma frieza que afasta a improvisação dos seus últimos
filmes, porém a inventividade ainda existe, como as cenas de assassinatos, como
constrói o mistério, tudo isto feito com movimentos de câmera e enquadramentos
que recortam o ambiente de maneira eficaz.
Torna-se necessário comentar mais uma vez o trabalho
exemplar de Fanny Ardant neste longa, sua atuação consegue dar a sua personagem
muitas camadas, pelos pequenos movimentos de seu rosto, percebe-se uma
implicação para que a personagem fosse viva. O processo de investigação é
carregado por uma espécie de mistério que se desprende da comum
verossimilhança, no próprio livro da longa entrevista do diretor com Hitchcock,
os dois argumentam sobre o mundo fílmico não precisar ser verossímil, apenas
precisa conter relevo, relevo este construído cinematograficamente. Portanto, é
de certo bonito ver a magia dos filmes do diretor francês também existirem, por
mais que exista sempre um tom de realismo poético que ronda quase todo o seu
trabalho, ele não exclui a magia cinematográfica do cinema clássico americano,
tenta uni-la ao realismo poético, é nisso que consiste toda Nouvelle Vague. Com
isto, diversos momentos do longa transmitem um potencial de absurdo, mas que
por conta de inventividade narrativa do diretor se tornam momentos de relevo
narrativo. Portanto, cabe pensar que
Truffaut não está emulando Hitchcock, e sim, absorvendo de forma orgânica suas
técnicas de implicação do público durante toda sua carreira, culminando neste
longa.
Este filme também demarca uma conotação apresentada em
seus três últimos longas. O Último Metrô, A Mulher do Lado e De Repente, Num
Domingo parecem trazer personagens na mesma posição de impossibilidade de agir,
no primeiro o dono do teatro judeu se encontra escondido no porão, no segundo,
o homem casado que revê um antigo amor pela sua janela, se vê transtornado e
tenta não agir e, por fim, este longa em que Vercel se esconde em seu
escritório. É sempre um paralisar-se, tornar-se voyeur para assistir ao perigo,
ou talvez até a própria morte, sendo Truffaut um amante do cinema, um cinéfilo,
pode-se dizer que estes personagens assistem e se implicam num espetáculo do
filme que se inserem.
Assim, De Repente, Num Domingo é um dos mais belos trabalhos do Truffaut, um ótimo último longa, não preparado exatamente como um filme de despedida. Mas contém diversas potencialidades do trabalho do diretor, principalmente no que tange à sua noção pitoresca do suspense
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