quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

1946 – Segredos de Alcova (Jean Renoir, EUA & França) **** (4.0)

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Adaptando a obra máxima de Mirbeau, Renoir, encontra um misto de realismo e plástico, uma mistura de sua técnica apurada com a ambientação de estúdio. Tendo a Paulette Godard como a musa Celestine, sendo a camareira que é contratada pela família Lanlaire.
            
Um de seus temas mais recorrentes faz-se presente com força neste drama cômico, a força do embate entre burgueses e proletários. Já que se aprofunda na relação que os nobres da região constroem com Celestine, além de é claro como os olhos recaem sobre ela. Como uma presa. Nestas relações é possível perceber os burgueses da época em suas obsessões individualistas procurarem certa superioridade, enquanto ela apenas assiste e aprende, apesar de ter uma válvula de escape com sua companheira de trabalho. O enredo ganha uma energia mais dramática com a chegada de George, o filho da família, que há tempos não aparecia em casa. Taxado como um homem doente e com uma dificuldade grande em construir relações, sua mãe tenta usar de Celestine para deixá-lo em casa. Neste momento passa a tratá-la bem, tão quanto suas peças de prata. Objetos e sujeitos são a mesma coisa para a família Lanlaire, contanto que tenham utilidade.
            
Além disso, Renoir usa de forma bastante interessante sua habilidade de profundidade de campo. Em seus filmes, as janelas ao fundo, abertas, conseguem criar um aspecto de que o microcosmo do enredo não fecha em si mesmo, sempre está em aberto, em relação com o fora. Enquanto toda a vila comemora a proclamação da República com um grande Carnaval nas ruas, os burgueses bebem em sua privacidade, fecham as janelas e ainda comemoram a morte da República, conseguindo, por meio deste ato da janela, criar uma oposição do que está dentro e do que está fora. Os momentos que se desenrolam no Carnaval são sensacionais, um belíssimo uso das multidões, é como se elas ganhassem vida, lembrando vagamente os filmes do russo Eisenstein.
            
Os movimentos de câmera são muito bem utilizados também, movendo-se de um ambiente a outro, com deveras maestria, acompanhando seus personagens numa vontade moderna. É nestes movimentos que seus personagens se tornam vivos, que sua relação com o ambiente se torna sensorial, sem eles a plasticidade do cenário iria vencer o realismo de sua decupação cinematográfica. Talvez o que falte ao longa seja uma precisão melhor de seu enredo, se é uma comédia, ou se é um drama, pois sua conjunção faz de certo modo o longa perder sua graça, ao mesmo tempo tornar seu drama pouco potente. Próximo do fim, pelo menos, o drama retorna com força e é neste momento narrativo que todas as habilidades técnicas e de conteúdo do diretor se unem formando uma conjunção de aspectos sociais, cômicos e filosóficos.
           
Paulette Godard está simpática como Celestine, por mais que os diálogos do longa tornem a sua expressividade muito autoexplicativa, deixando pouco espaço a sugestão. Mas a técnica poética do diretor vive, pulsa, nos movimentos, na profundidade de campo, esses signos visuais constroem um ritmo misterioso ao longa, por mais que simples, tornam o longa realmente divertido e impulsionam a discussão da luta de classe e até mesmo do amor. 

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