
A traição sempre esteve presente nos
longas do diretor, mas nunca esteve com tamanha melancolia. Talvez por conta da
semelhança dessa história com fatos recentes de sua vida. Esse filme é
estruturado em duas partes, a primeira na qual a atriz Younghee, viaja para a
Alemanha, lamentando-se sobre fatos do passado, a segunda, de volta à Coreia do
Sul.
A atuação de Kim Min-Hee é absurda,
de um poder tanto em seus trejeitos quanto em suas expressões, trazendo consigo
uma espontaneidade gigantesca. Seu olhar em certos momentos esbanja uma
curiosidade, mas em grande parte do tempo para distante, fixo no passado que
lhe consome. Existe uma especialidade do diretor Hong Sang-Soo em conduzir seus
personagens bêbados, não é diferente aqui, quando ela perde as estribeiras
produz uma variação de sorrisos, tensões e ingenuidade genuínos. Sua estadia na
Alemanha é curta, passeia por alguns lugares com sua amiga, conhece alguns
poucos sujeitos, para encerrar esse primeiro ato na praia. No seu passado,
Younghee ficou com o diretor de um longa no qual atuava, porém ele era um homem
casado, o que causou um alvoroço imenso em sua vida.
Seu retorno à Coreia, em que passa a
se sentir mais estrangeira que antes é cheio de encontros. Em um destes
encontros produz um diálogo impressionante quando a perguntam como foi passar
esse tempo na Alemanha, ela fala sem muito pudor sobre os corpos dos homens,
mas atinge a decadência o tempo todo, pois sempre traz à tona a morte como uma
questão. Perguntam sobre o amor, ela o nega e retorna a morte, como algo que
passeia pela sua cabeça o tempo todo. Mas sua confusão alcoólica é grande, pois
percebe-se que usava da morte para não retornar ao amor, exatamente para
negá-lo. Chega a ser belo ela dizer “Nós todos cantamos sobre o amor”,
ressaltando que cantamos sobre algo que não entendemos e pouco antes, ela
estava fazendo exatamente o mesmo. Hong Sang-Soo conduz os diálogos com alguns
zooms, alguns poucos movimentos de câmera, mas sem cortes, conseguindo acentuar
o poder das falas em sequência, fazendo o fluxo de afecções perseverar no
tempo.
Outro encontro digno de reflexão é
quando dorme na praia e é acordada por um dos membros da equipe de um diretor.
Logo se descobre que este é o diretor que Younghee havia ficado, assim, acompanhados
pela equipe, eles bebem. Ela dispara contra o diretor sobre seus filmes
repetitivos, com seus temas pessoais, desinteressantes. Os alunos bravejam que
o que importa é como é feito e não o tema. Já ouvimos isso antes em outros
filmes de Hong Sang-Soo, essa sua narrativa aqui, se torna indiretamente
metalinguística. O diretor resolve fazer uma leitura do trecho de um livro que
gostaria de adaptar e com isso, ela paralisa, pois era tudo que gostaria de
ouvir, todos os seus sentimentos em relação ao amor, ao olhar dos outros, ao
julgamento, ao descontrole, às convenções sociais.
Mas a palavra que é tanto usado por
Hong Sang-Soo, só se engradece de fato, pela composição e sutileza que produz
em seus planos. É interessantíssimo como o diretor utiliza um personagem
aleatório vestido de preto para sugerir um incomodo da personagem. Na Alemanha,
um homem a persegue perguntando sobre as horas, pedindo a indicação do tempo.
Esse personagem parece ser a tristeza do passado que a persegue, chega sem
aviso, tenta sequestre-la para outro lugar. Na cena da praia, no país europeu,
com um movimento de câmera simples, lento e até mesmo cômico, apresenta a
facilidade com que sua personagem se perde nessa dor que sente. Essa figura
volta a aparecer de formas inusitadas. Chega a ser surreal sua utilização no
filme.
Por fim, novamente o diretor usa dos
sonhos da personagem para trabalhar de forma precisa suas implicações
psicológicas. Quando se diz dessa forma, o diretor coreano parece um
sofisticado diretor alegórico que trabalha com símbolos, ou com certo tipo de
psicanálise. Mas o que realmente acontece é que ele usa esses recursos de forma
que eles se tornem indiscerníveis, ao ponto de se misturarem completamente à
composição da imagem. Criando assim um minimalismo poderoso, que revela as
nuances de seus personagens por meio de recursos nada usuais estruturalmente.
Além disso, é possível encontrar outras marcas estéticas do diretor pelo filme
como a praia, na forma que a enquadra junto de seus personagens construindo uma
bela conjunção.
É fácil não desvincular o fato de
que Hong Sang-Soo traiu sua esposa com Kim Min-Hee, ainda mais com a pessoalidade
e intimidade com que produz seus filmes. Mas este longa é tão poderoso, tão
sensível, um longa que faz o tempo correr pela brisa do mar, pelos sorrisos de
canto de rosto de sua personagem, pelas lágrimas escondidas, pelo cheirar das
flores. O tempo em seus filmes é como um labirinto que captura seus personagens
que só desejam viver como querem, mas sofrem por essa luta.
Esse filme é bem sensível, muito bom! Acredito que seja mais difícil de processar o enredo sem o conhecimento da vida do diretor, mais ainda assim, muito bom!
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