quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

2017 – Na Praia à Noite Sozinha (Hong Sang-Soo, Coreia do Sul) *****(5)


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A traição sempre esteve presente nos longas do diretor, mas nunca esteve com tamanha melancolia. Talvez por conta da semelhança dessa história com fatos recentes de sua vida. Esse filme é estruturado em duas partes, a primeira na qual a atriz Younghee, viaja para a Alemanha, lamentando-se sobre fatos do passado, a segunda, de volta à Coreia do Sul.
            
A atuação de Kim Min-Hee é absurda, de um poder tanto em seus trejeitos quanto em suas expressões, trazendo consigo uma espontaneidade gigantesca. Seu olhar em certos momentos esbanja uma curiosidade, mas em grande parte do tempo para distante, fixo no passado que lhe consome. Existe uma especialidade do diretor Hong Sang-Soo em conduzir seus personagens bêbados, não é diferente aqui, quando ela perde as estribeiras produz uma variação de sorrisos, tensões e ingenuidade genuínos. Sua estadia na Alemanha é curta, passeia por alguns lugares com sua amiga, conhece alguns poucos sujeitos, para encerrar esse primeiro ato na praia. No seu passado, Younghee ficou com o diretor de um longa no qual atuava, porém ele era um homem casado, o que causou um alvoroço imenso em sua vida.
            
Seu retorno à Coreia, em que passa a se sentir mais estrangeira que antes é cheio de encontros. Em um destes encontros produz um diálogo impressionante quando a perguntam como foi passar esse tempo na Alemanha, ela fala sem muito pudor sobre os corpos dos homens, mas atinge a decadência o tempo todo, pois sempre traz à tona a morte como uma questão. Perguntam sobre o amor, ela o nega e retorna a morte, como algo que passeia pela sua cabeça o tempo todo. Mas sua confusão alcoólica é grande, pois percebe-se que usava da morte para não retornar ao amor, exatamente para negá-lo. Chega a ser belo ela dizer “Nós todos cantamos sobre o amor”, ressaltando que cantamos sobre algo que não entendemos e pouco antes, ela estava fazendo exatamente o mesmo. Hong Sang-Soo conduz os diálogos com alguns zooms, alguns poucos movimentos de câmera, mas sem cortes, conseguindo acentuar o poder das falas em sequência, fazendo o fluxo de afecções perseverar no tempo.
            
Outro encontro digno de reflexão é quando dorme na praia e é acordada por um dos membros da equipe de um diretor. Logo se descobre que este é o diretor que Younghee havia ficado, assim, acompanhados pela equipe, eles bebem. Ela dispara contra o diretor sobre seus filmes repetitivos, com seus temas pessoais, desinteressantes. Os alunos bravejam que o que importa é como é feito e não o tema. Já ouvimos isso antes em outros filmes de Hong Sang-Soo, essa sua narrativa aqui, se torna indiretamente metalinguística. O diretor resolve fazer uma leitura do trecho de um livro que gostaria de adaptar e com isso, ela paralisa, pois era tudo que gostaria de ouvir, todos os seus sentimentos em relação ao amor, ao olhar dos outros, ao julgamento, ao descontrole, às convenções sociais.
            
Mas a palavra que é tanto usado por Hong Sang-Soo, só se engradece de fato, pela composição e sutileza que produz em seus planos. É interessantíssimo como o diretor utiliza um personagem aleatório vestido de preto para sugerir um incomodo da personagem. Na Alemanha, um homem a persegue perguntando sobre as horas, pedindo a indicação do tempo. Esse personagem parece ser a tristeza do passado que a persegue, chega sem aviso, tenta sequestre-la para outro lugar. Na cena da praia, no país europeu, com um movimento de câmera simples, lento e até mesmo cômico, apresenta a facilidade com que sua personagem se perde nessa dor que sente. Essa figura volta a aparecer de formas inusitadas. Chega a ser surreal sua utilização no filme.
            
Por fim, novamente o diretor usa dos sonhos da personagem para trabalhar de forma precisa suas implicações psicológicas. Quando se diz dessa forma, o diretor coreano parece um sofisticado diretor alegórico que trabalha com símbolos, ou com certo tipo de psicanálise. Mas o que realmente acontece é que ele usa esses recursos de forma que eles se tornem indiscerníveis, ao ponto de se misturarem completamente à composição da imagem. Criando assim um minimalismo poderoso, que revela as nuances de seus personagens por meio de recursos nada usuais estruturalmente. Além disso, é possível encontrar outras marcas estéticas do diretor pelo filme como a praia, na forma que a enquadra junto de seus personagens construindo uma bela conjunção.
            
É fácil não desvincular o fato de que Hong Sang-Soo traiu sua esposa com Kim Min-Hee, ainda mais com a pessoalidade e intimidade com que produz seus filmes. Mas este longa é tão poderoso, tão sensível, um longa que faz o tempo correr pela brisa do mar, pelos sorrisos de canto de rosto de sua personagem, pelas lágrimas escondidas, pelo cheirar das flores. O tempo em seus filmes é como um labirinto que captura seus personagens que só desejam viver como querem, mas sofrem por essa luta.

Um comentário:

  1. Esse filme é bem sensível, muito bom! Acredito que seja mais difícil de processar o enredo sem o conhecimento da vida do diretor, mais ainda assim, muito bom!

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