
Os diretores do Novo Cinema
Romano possuem características muito distintas, mas tratam
dos mesmos temas de
uma maneira extremamente realista, usando até mesmo certas técnicas em comum,
como os longuíssimos planos. Mas o que seria esse Novo Cinema Romeno? Muitos
estão chamando essa onda de bons realizadores surgindo nos últimos anos no país
dessa forma, pois, todos trazem um suposto realismo aos seus filmes, alguns
optam por dramas silenciosos sobre a corrupção dos valores morais, outros por
comédias irônicas, com um humor muito típico. Mas todos eles trazem consigo o
peso da ditatura comunista, as críticas sociais ferrenhas ao comportamento dos
romenos na contemporaneidade e, principalmente, a produção de um cotidiano, de
um mundano extremamente bem elaborado. Sieranevada é um filme desta onda,
dirigido por um de seus pioneiros Cristi Puiu, contando a história da reunião
de uma família para realizar as cerimonias fúnebres de seu patriarca.
O longa possuí praticamente três horas, a história é
contada em grande parte em tempo real, por isso, faz muito sentido usar diversos
planos-sequências para a narração. Mas isso não quer dizer que não há elipses
no enredo. Na primeira sequência do longa, por exemplo, em que um dos
protagonistas, Lary, interpretado pelo simpático Mimi Branescu, para o carro
numa rua de mão dupla, o momento é apresentado em tempo real, num longo plano,
no qual em sua demora o faz ter que dar a volta. Então, sua mulher entra no
carro, a câmera a acompanha se posicionando no banco de trás, então, enquanto
os dois conversam até o seu destino, existem elipses, jump-cuts, era como se
Acossado de Godard estivesse sendo referenciado de uma maneira poderosa. Já que
os diálogos se desenrolavam da mesma forma, sem um fim real, apenas preenchiam
o silêncio que se estabeleceria se qualquer um dos dois não emitisse sons.
Após chegarem à casa, o longa permanece praticamente o
tempo todo enclausurado, acompanhado certo número de personagens por diálogos
avulsos. Os temas passeiam de fato como numa reunião em família. O diretor
ainda insere a presença constante de tema americanizados, talvez propondo o
imperialismo cultural dos EUA consumindo um pouco a própria vivência romena,
além disso, teorias de conspirações e a internet. O tema que mais se faz
presente são as discussões sobre o comunismo, no caso o ateu de Tia Evelina,
interpretada magistralmente por Tatiana Iekel. Ela trava uma batalha incessante
com uma de suas sobrinhas, extremamente religiosa, ao mesmo tempo apavorada
pelas histórias da ditatura.
Essas conversas parecem superficiais, até são. Elas soam
extremamente realistas e simples, mas muitas servem para nos fazer pensar sobre
o que habita o imaginário do homem comum contemporâneo, mais especificamente o
romeno. Além de que, a maneira intensa que alguns personagens se relacionam com
determinados temas e que como esses diálogos se desenvolvem é extremamente
cômico. Puiu não deixa de lado, obviamente, a melancolia que reside no fundo de
pano de cada uma daquelas conversas. O que falar com parentes que nem são de
fato próximos? Inventam-se temas. E mais, por que essas coisas persistem na
mente desses sujeitos?
O almoço que deveria ocorrer após a cerimônia se torna um
jantar. O padre atrasa e é por isso que esses sujeitos caminham pela casa de
forma arbitrária buscando passar o tempo para não se entediarem. Os momentos do ritual, quando finalmente
ocorrem, são primorosos. Aliás, trazem uma ferrenha visão crítica ao
catolicismo atual. Todas as crenças, todas as filosofias, todos os grandes
pensamentos do passado, hoje, soam falsos. Os tempos mudaram e as pessoas estão
se tornando ainda mais inseguras com o que podem acreditar. Nem mesmo o padre
acredita de fato no que faz, nem num mundo, nem em nada. É possível dizer até
que a morte do patriarca aqui surge como um símbolo para a mudança dos tempos,
dos valores. É perceptível também que não é dito que todas as mudanças são
ruins, mas o que parece acontecer é exatamente o aumento da profundidade da
falta existencial dos sujeitos, com a destruição dos valores antigos.
De todos os ótimos momentos do longa, o mais interessante
ao meu ver, é o que o diretor traz um plano-sequência em um ambiente da casa em
que quatro portas diferentes se conectam. Neste momento, uma jovem da família
traz para casa uma estrangeira que parece estar sofrendo uma overdose. A forma
que os personagens caminham de uma porta à outra, surgem de um ponto do quadro a
outro, não só lembram Renoir, como também criam um ritmo imprescindível ao
filme. É como uma dança, que tende a te surpreender com a sua eloquência.
Por fim, pode-se dizer que é possível ver muito do Brasil
na Romênia. Cada qual com sua peculiaridade, porém com fantasmas parecidos, a
intensa corrupção do povo e da política, o terror das ditaturas e as mudanças
dos valores sociais. Com isto, Sieranevada – que possuí o título de uma cidade
americana escrito de maneira incorreta, pelo simples motivo de parodiar longas
metafísicos com nomes de cidades, além de demonstrar a própria americanização
do resto do mundo – é um filme com fluidez, trabalhando com tempo de maneira
precisa, fazendo o espectador adentrar como um observador presentificado no
cotidiano de uma família romena. Qual maneira melhor de compreender o homem, se
não ao lado dele?
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