sábado, 13 de janeiro de 2018

1954 – A Estrada da Vida (Federico Fellini, Itália) ***** (5)

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O que dizer deste longa tão potente? Fellini constrói um drama existencial pesado, claro que com seus momentos cômicos, mas carregado de uma franqueza e melancólica. Além disso, o filme explode neorrealismo, seja pela sua história se enfoca em dois personagens sem rumo e sem dinheiro, ou ainda por seus aspectos técnicos. Narrando de maneira brilhante a história de Zampana, um artista de circo viajante, e a sua parceira Gelsomina.
            
A introdução deste filme é verdadeiramente bela. Numa praia, pela manhã, uma mãe vende sua filha a este artista de rua. A vende por conta da dificuldade financeira que a Itália, durante o pós-guerra, sofreu. Com o olhar duro e rosto tristonho, Giuletta Masina faz sua personagem gigante, pois sua tristeza quase animalesca – seus olhos parecem com os de um cachorro molhado – seus trejeitos caricatos, sua pequenez, todos os fatores de corpo e, principalmente, gestuais de sua personagem a tornam o perfeito arquétipo do burlesco. Quanto mais assisto aos filmes do neorrealismo italiano mais enxergo a influência de Charlie Chaplin com seu humanismo e suas críticas sociais no cinema moderno. Sua personagem contrapõe Zampana, interpretado por Anthony Quinn. Ele é robusto, peludo, um outro tipo de animal, se Rosa é a presa, o patinho feio que se perdeu de sua família, ele é um verdadeiro predador, não uma raposa, mas um leão.  Aliás, a comunicação dos dois é sujeita a grandes expressões, o corpo como um todo é expressivo e por vezes as falas, criando ainda mais esse aspecto advindo do cinema mudo.
            
Isso quer dizer que a relação dos dois não é um mar de rosas da comédia. Em certo ponto, Gelsomina não gostaria de estar ali, em outro, Zampana é que sempre foi um lobo solitário e não está acostumado com uma parceira. Com isto, os dois se desentendem no desenrolar de todo o longa. Nunca fica explícito se Zampana comprou o dote de casamento da protagonista, ou apenas a comprou como objeto – no caso, para ser sua parceira –, mas, no fundo, são a mesma coisa. Fellini elimina esses detalhes de sua narrativa construindo aquele aspecto episódico já característico de Os Boas-Vidas, fazendo o enredo se estender no tempo. A melancolia existencial de seus personagens em suas aventuras, em festas de casamento, nas ruas vazias durante a madrugada e até mesmo num circo, é belaa e ajuda a construir uma visão dos italianos da época. Em um ótimo diálogo entre o Louco, o equilibrista do circo, e Gelsomina, a sensação de inutilidade da personagem jorra por cada movimento seu, mas ele traz a ideia de que todas as coisas do universo servem para alguma coisa, mesmo ele não sabendo exatamente para quê, talvez apenas Deus soubesse. É bonito, pois não assume o destine como propulsor das causas mundanas, esse discurso faz a personagem construir a sua própria utilidade, o seu próprio caminho, sua estrada.
            
Sua estética onírica se faz mais presente nos momentos quase religiosos, a cena que Gelsomina procura o garoto doente no casamento para animá-lo, ou durante as terríveis ações de Zampana à noite no convento. Porém, a que mais se sobressai são solitárias e tristes caminhadas da protagonista quando seu parceiro trocava seu olhar doce por uma prostitua, ou ainda pela bebida. As ruas das cidades italianas trazendo um vento próprio das fábulas, em que o vazio delas faz atravessar diversos sentimentos. Toda a jornada destes dois personagens complexos é carregada de uma melancolia pungente, uma procissão eterna buscando se entenderem.
            
O fim do longa é um dos mais emocionantes retratos da solidão. A praia à noite, Zampano se joga ao chão e chora, sendo esta a única vez durante toda a sua história no qual entende que está sozinho. Mesmo com outros personagens ao seu redor, este homem é carregado de uma solidão enorme, ainda mais quando percebe a forma que trata as pessoas e de todos os erros que cometeu na vida. Ele não precisa elaborar isso verbalmente, mas as imagens de Fellini dizem, quando a câmera se afasta lentamente, tornando seu personagem cada vez menor e sozinho naquele ambiente, sendo só possível escutar o barulho do mar e do vento.
           
Este filme é com certeza um dos melhores deste diretor italiano. A estrada caminha pela difícil conjunção de dois personagens que não sabem se comunicar. Dois animais distintos, dois animais solitários, dois seres humanos com suas próprias tristezas, mas nessa miséria conseguem ainda tirar um sorriso do rosto, pela faísca que é Gelsomina, uma faísca, uma estrela. 

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