segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

1952 – O Abismo de um Sonho (Federico Fellini, Itália) **** (4.0)

 photo whitesheik1952.95686_091820150253_zpsgfhmvshf.jpg

O primeiro filme do diretor italiano como diretor solo é uma comédia que passeia pela tristeza, além de explorar por pequenos detalhes os problemas da pequena burguesia dos interiores. Em seu título original “O Sheik Branco” que diz diretamente do enredo do longa, porém o título traduzido consegue trazer o senso, quase de obviedade, das temáticas fellinianas. Ivan e Wanda, recém-casados, resolvem passar sua lua de mel em um Hotel em Roma, porém passam grande parte do tempo separados imersos em seus sonhos.
            
Bem, Wanda descobre que a produção de uma de suas séries favoritas se encontra no hotel em que reside. A série é sobre este sheik branco que remete ao título original. Neste encontro percebe diversas formas de adentrar dentro dos seus mais profundos sonhos, entre eles ser uma atriz, conhecer o sheik branco e imergir neste mundo árabe, obviamente de fachada, já que todos ali são italianos, se duvidar, então, até romanos. A comédia é guiada pela ingenuidade de Wanda e pelo desespero, praticamente burlesco, de seu marido com o seu sumiço. Além disso, o diretor utiliza de maneira bastante cômica os próprios membros da equipe de produção da série, a forma que eles se comportam em conjunto é uma verdadeira loucura que preenche as telas, criando um aspecto ainda mais onírico, como se Wanda estivesse sendo facilmente manipulada por aquela vivacidade, aquele êxtase, completamente diferente da mesmice e o comum do seu marido. Deve-se ressaltar que tanto Ivan quanto ela são de uma cidade menor, por isso, Roma é sempre conhecida como a capital dos artistas, das novidades, este é um dos principais pontos do diretor em seus primeiros filmes onde trabalha as diferenças morais e de modos de apreender a vida dos sujeitos de diferentes regiões do mesmo país. Assim, sendo, se para um é desesperador ter seu estilo de vida desafiado, para outro é como se novas portas fossem abertas.
            
O desespero maior de seu marido se encontra em perder seus sonhos, que é exatamente seguir à risca os preceitos da família, por isso passa grande parte do tempo arranjando desculpas para seus parentes não visitarem sua esposa. Já que Wanda passa grande parte do tempo na praia, onde vivencia a experiência do artista. Existe um deslumbramento em assistir aqueles sujeitos vestidos daquela forma, com o mar brilhando, Fellini tem um olhar absurdamente potente para a produção de pequenos momentos de sonho, que culminam em tristezas absurdas. Talvez fosse possível comparar muito com o Antonioni, por mais que este não use da comédia em momento algum, ele investiga a vida de seus personagens a fundo, até dissecá-la ao vazio. Dessa forma, é como num circo em que se fica feliz e triste ao mesmo tempo, Fellini iria se tornar o mestre deste sentimento agridoce. Cabe salientar a aparição de uma personagem sua que posteriormente iria ganhar um filme inteiramente seu, esta é Cabíria, interpretada pela sua própria esposa, Giulietta Masina, numa sequência exemplar em que tenta acudir Ivan, inebriado pelo desespero. Um momento que já se percebe a força da personagem pela sua maneira de se portar, seu olhar e obviamente sua persona. Uma estratégia usada por Wong Kar Wai, nos anos 90, ao apresentar um dos seus grandes personagens do Século XXI, bem no fim de Dias Selvagens.
            
Dessa forma, O Abismo de um Sonho é uma verdadeira comédia felliniana que ainda não utilizada recursos extremamente oníricos ou ainda religiosos, mas que já atravessava estes temas por cada detalhe de seus personagens. O cinema aqui já é como um circo, onde o palhaço ri e chora ao mesmo tempo, onde todo o sonho, toda a mágica, no fim, é um truque. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário