
O primeiro filme do diretor
italiano como diretor solo é uma comédia que passeia pela tristeza, além de
explorar por pequenos detalhes os problemas da pequena burguesia dos interiores.
Em seu título original “O Sheik Branco” que diz diretamente do enredo do longa,
porém o título traduzido consegue trazer o senso, quase de obviedade, das
temáticas fellinianas. Ivan e Wanda, recém-casados, resolvem passar sua lua de
mel em um Hotel em Roma, porém passam grande parte do tempo separados imersos
em seus sonhos.
Bem, Wanda descobre que a produção de uma de suas séries
favoritas se encontra no hotel em que reside. A série é sobre este sheik branco
que remete ao título original. Neste encontro percebe diversas formas de
adentrar dentro dos seus mais profundos sonhos, entre eles ser uma atriz,
conhecer o sheik branco e imergir neste mundo árabe, obviamente de fachada, já
que todos ali são italianos, se duvidar, então, até romanos. A comédia é guiada
pela ingenuidade de Wanda e pelo desespero, praticamente burlesco, de seu
marido com o seu sumiço. Além disso, o diretor utiliza de maneira bastante
cômica os próprios membros da equipe de produção da série, a forma que eles se
comportam em conjunto é uma verdadeira loucura que preenche as telas, criando
um aspecto ainda mais onírico, como se Wanda estivesse sendo facilmente
manipulada por aquela vivacidade, aquele êxtase, completamente diferente da
mesmice e o comum do seu marido. Deve-se ressaltar que tanto Ivan quanto ela
são de uma cidade menor, por isso, Roma é sempre conhecida como a capital dos
artistas, das novidades, este é um dos principais pontos do diretor em seus
primeiros filmes onde trabalha as diferenças morais e de modos de apreender a
vida dos sujeitos de diferentes regiões do mesmo país. Assim, sendo, se para um
é desesperador ter seu estilo de vida desafiado, para outro é como se novas
portas fossem abertas.
O desespero maior de seu marido se encontra em perder
seus sonhos, que é exatamente seguir à risca os preceitos da família, por isso
passa grande parte do tempo arranjando desculpas para seus parentes não
visitarem sua esposa. Já que Wanda passa grande parte do tempo na praia, onde
vivencia a experiência do artista. Existe um deslumbramento em assistir aqueles
sujeitos vestidos daquela forma, com o mar brilhando, Fellini tem um olhar
absurdamente potente para a produção de pequenos momentos de sonho, que
culminam em tristezas absurdas. Talvez fosse possível comparar muito com o
Antonioni, por mais que este não use da comédia em momento algum, ele investiga
a vida de seus personagens a fundo, até dissecá-la ao vazio. Dessa forma, é
como num circo em que se fica feliz e triste ao mesmo tempo, Fellini iria se
tornar o mestre deste sentimento agridoce. Cabe salientar a aparição de uma
personagem sua que posteriormente iria ganhar um filme inteiramente seu, esta é
Cabíria, interpretada pela sua própria esposa, Giulietta Masina, numa sequência
exemplar em que tenta acudir Ivan, inebriado pelo desespero. Um momento que já
se percebe a força da personagem pela sua maneira de se portar, seu olhar e
obviamente sua persona. Uma estratégia usada por Wong Kar Wai, nos anos 90, ao
apresentar um dos seus grandes personagens do Século XXI, bem no fim de Dias
Selvagens.
Dessa forma, O Abismo de um Sonho é uma verdadeira
comédia felliniana que ainda não utilizada recursos extremamente oníricos ou
ainda religiosos, mas que já atravessava estes temas por cada detalhe de seus
personagens. O cinema aqui já é como um circo, onde o palhaço ri e chora ao
mesmo tempo, onde todo o sonho, toda a mágica, no fim, é um truque.
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