
É difícil comentar deste filme
sem relacioná-lo ao suicídio de seu diretor, um pouco antes de sua exibição no
Festival de Toronto. É praticamente inevitável observar as semelhanças de
enredo com a própria vida do diretor, mas pretendo nesta crítica não buscar
metáforas da vida pessoal de um artista e sim buscar as tensões estéticas na
sua obra, o que toda crítica deve fazer. Este era apenas o terceiro filme do
diretor, o seu mais famoso até então, onde narra o casamento de Piotr e Zaneta,
porém os signos temporais da mudança começam a transformar o enredo numa
tragicomédia.
O tom do longa é feito com uma mescla genuína de comédia
e terror, sem querer de fato assustar com sustos o espectador, mas propondo um
medo mais primitivo, o do desconhecimento da situação. O casamento polonês é
carregado de bebida, nenhum personagem consegue ficar são em meio ao caos. Este
contexto, na qual a religião apresenta-se como um suporte para muitos, o que
existe é um descarrego. Danças epilépticas, sorrisos molhados, a chuva, o
temporal, toda a ambientação é caótica, mas sem deixar de ser divertida. Quando
o principal fato do filme ocorre, que é a possessão de Piotr por um espírito,
as piadas se juntam com as críticas. O padre presente na cerimônia não aceita a
veracidade do acontecimento, por mais que existam evidências da existência do
espirito, enquanto, de forma contrária, o professor, que supostamente era
cético, é o primeiro a afirmar a necessidade de um exorcismo. Quanto mais o
filme constrói esse movimento que mescla o terror com a comédia, mais faz
surgir um drama poderosíssimo de toda àquela situação.
A história de Piotr é sobre um homem que deixa de se
reconhecer ao entrar para a família Zaneta. Ao chegar na casa, percebe toda uma
história que não faz parte dele e se torna imerso nela, não é à toa que em uma
cena ambígua se vê afogado em lama. Além disso, o irmão de Zaneta propõe a
mudança de seu nome para um nome propriamente polonês, como se precisasse a
todo custo adentrar de forma que perde-se a si. Todo longo processo até o
casamento foi para que o protagonista fosse se apagando, assim sendo, quando
chegou o momento do ato cerimonial Piotr não se reconhecia mais e, por isso
mesmo, devia-se mostrar como outro para todos. Seu corpo em movimento convulso,
dobra-se, desdobra-se, enrola-se, é uma dança totalmente hipnotizante. Deve-se
elogiar a atuação de Itay Tiran como o protagonista, sensacional a forma com
que consegue se expressar tanto com os olhos quanto o corpo. Assim, com toda
esta transformação do personagem, até mesmo a família deixa reconhecê-lo, a
reação do patriarca é extremamente pesada.
Por fim, um outro comentário perpassa esse enredo: sobre
os mortos. Todos aqueles que já morreram seja lá por qual motivo na Polônia,
mas obviamente com uma ênfase na quantidade de mortos no Holocausto. O passado
condena a terra, é nesse pessimismo que se funda todo o sofrimento do
protagonista. Por meio de planos longos, o diretor explora os espaços, a terra,
a lama, os mortos, a conjunção do cenário para construir uma ambientação na
qual o lamento seja verdadeiro. Sem contar os momentos no qual enquadra seu
protagonista sozinho, aproximando-se lentamente, num movimento preciso para
causar mais intensidade. O fim do filme parece ficar sem resposta, com um plano
aberto e doloroso, porém seguindo sua linha pessimista é possível elaborar
interpretações tristes.
Se em seu aspecto tragicômico o filme consegue fazer
emergir um drama poderoso, seu pessimismo engendra um drama ainda maior, quase
que fazendo sumir seu embrionário enredo. Com seus personagens inebriados,
movendo a câmera de um lado ao outro com precisão e exigindo muito de seus
atores. Demônio é preciso, um drama triste, que causa o riso e aos poucos se
torna um riso de nervoso.
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