terça-feira, 12 de dezembro de 2017

2015 – Demônio (Marcin Wrona, Polônia) **** (4.0)

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É difícil comentar deste filme sem relacioná-lo ao suicídio de seu diretor, um pouco antes de sua exibição no Festival de Toronto. É praticamente inevitável observar as semelhanças de enredo com a própria vida do diretor, mas pretendo nesta crítica não buscar metáforas da vida pessoal de um artista e sim buscar as tensões estéticas na sua obra, o que toda crítica deve fazer. Este era apenas o terceiro filme do diretor, o seu mais famoso até então, onde narra o casamento de Piotr e Zaneta, porém os signos temporais da mudança começam a transformar o enredo numa tragicomédia.
            
O tom do longa é feito com uma mescla genuína de comédia e terror, sem querer de fato assustar com sustos o espectador, mas propondo um medo mais primitivo, o do desconhecimento da situação. O casamento polonês é carregado de bebida, nenhum personagem consegue ficar são em meio ao caos. Este contexto, na qual a religião apresenta-se como um suporte para muitos, o que existe é um descarrego. Danças epilépticas, sorrisos molhados, a chuva, o temporal, toda a ambientação é caótica, mas sem deixar de ser divertida. Quando o principal fato do filme ocorre, que é a possessão de Piotr por um espírito, as piadas se juntam com as críticas. O padre presente na cerimônia não aceita a veracidade do acontecimento, por mais que existam evidências da existência do espirito, enquanto, de forma contrária, o professor, que supostamente era cético, é o primeiro a afirmar a necessidade de um exorcismo. Quanto mais o filme constrói esse movimento que mescla o terror com a comédia, mais faz surgir um drama poderosíssimo de toda àquela situação.
            
A história de Piotr é sobre um homem que deixa de se reconhecer ao entrar para a família Zaneta. Ao chegar na casa, percebe toda uma história que não faz parte dele e se torna imerso nela, não é à toa que em uma cena ambígua se vê afogado em lama. Além disso, o irmão de Zaneta propõe a mudança de seu nome para um nome propriamente polonês, como se precisasse a todo custo adentrar de forma que perde-se a si. Todo longo processo até o casamento foi para que o protagonista fosse se apagando, assim sendo, quando chegou o momento do ato cerimonial Piotr não se reconhecia mais e, por isso mesmo, devia-se mostrar como outro para todos. Seu corpo em movimento convulso, dobra-se, desdobra-se, enrola-se, é uma dança totalmente hipnotizante. Deve-se elogiar a atuação de Itay Tiran como o protagonista, sensacional a forma com que consegue se expressar tanto com os olhos quanto o corpo. Assim, com toda esta transformação do personagem, até mesmo a família deixa reconhecê-lo, a reação do patriarca é extremamente pesada.
            
Por fim, um outro comentário perpassa esse enredo: sobre os mortos. Todos aqueles que já morreram seja lá por qual motivo na Polônia, mas obviamente com uma ênfase na quantidade de mortos no Holocausto. O passado condena a terra, é nesse pessimismo que se funda todo o sofrimento do protagonista. Por meio de planos longos, o diretor explora os espaços, a terra, a lama, os mortos, a conjunção do cenário para construir uma ambientação na qual o lamento seja verdadeiro. Sem contar os momentos no qual enquadra seu protagonista sozinho, aproximando-se lentamente, num movimento preciso para causar mais intensidade. O fim do filme parece ficar sem resposta, com um plano aberto e doloroso, porém seguindo sua linha pessimista é possível elaborar interpretações tristes.
            
Se em seu aspecto tragicômico o filme consegue fazer emergir um drama poderoso, seu pessimismo engendra um drama ainda maior, quase que fazendo sumir seu embrionário enredo. Com seus personagens inebriados, movendo a câmera de um lado ao outro com precisão e exigindo muito de seus atores. Demônio é preciso, um drama triste, que causa o riso e aos poucos se torna um riso de nervoso. 

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