
Ecoando Uma Noite Americana
por se falar do processo de criação de uma peça, o Último Metrô é mais uma
tentativa do Truffaut em expor o autor e a obra, suas relações inevitáveis. Em
meio à França, tomada pelo nazismo, um jovem ator consegue um papel em um antigo
teatro, anteriormente orquestrado por um judeu.
O longa tem uma abordagem muitíssimo interessante,
focando praticamente nas relações dentro do teatro para ainda assim demonstrar
a sensação de sufocamento existente numa ditatura. Por exemplo, o vermelho está
presente em todas as cenas, o cenário utilizado, as roupas, as cadeiras, o pano
que esconde o palco, tudo está envolto no vermelho, é como se a todo momento o
espectador e os personagens tivessem que lembrar que a situação não é a que
parece. Não é pelo fato de estar dentro da encenação de uma peça que a realidade
social se esvai. Além disso, as pequenas visitas dos soldados nazistas ao
local, sempre à procura do judeu foragido. Esses momentos são carregados de um
preconceito por parte dos nazistas, um preconceito do intelectualismo, em que
por mais que o sujeito seja um judeu, suas peças são tão boas que no fundo ele
não precisaria fugir. Porém, o que constrói a tensão chave da narrativa é pelo
fato de Lucas Steiner, o dono teatro, nunca ter fugido e sim residir no porão,
como um rato.
Como
alguém como Truffaut iria a afastar o criador de sua obra, nem mesmo um governo
nazista seria capaz de tal feito! Ele acompanha por meios dos dutos de ar, como
os diálogos de sua peça são ditas pelos atores e recebe visitas regulares de sua
mulher, atual dona do teatro. Marion Steiner, interpretada com uma beleza
imensa por Catherine Denueve, em certos momentos fria, em outros completamente
passional, mas com certeza uma mulher forte que tem que enfrentar cara a cara
todos os nazistas. Apesar deste ser o ponto chave da narrativa, os olhos do
narrador são o de Bernard Granger, interpretado com toda uma ingenuidade por
Gerard Depardieu, um jovem ator que tenta ao máximo não se apaixonar pela
figura de Marion, ao passo que se joga no cenário do teatro por completo.
Deve-se elogiar bastante a montagem que é utilizada, por
mais que de uma maneira extremamente simples é ela que constrói a consistência
do filme. Sempre alternando entre os ouvidos de Lucas no porão, para então
guiar-se para a peça. É sempre interessante como parece ocorrer um
mal-entendido, muito antes de ser entre ator e diretor, mas sim entre aquele
que ouve e aquele quem diz, para nós então, para aqueles que veem. O diretor
que nunca pode assistir suas peças, se torna mais um músico que dramaturgo,
essa lógica de comunicação entre os personagens é mais uma vez uma demonstração
da incisão do nazismo que força a sensação de que é necessário se esconder, na
verdade está contida em todo o fascismo. Porém, esse mal-entendido não deixa de
fazer a vida do autor transformar a obra. Lucas exige que os dois não atuem como
um dueto, um casal, mas como conspiradores, seu sufocamento precisa ser
expresso para resistir no mundo.
Se o diretor é famoso por seu amor ao passado, ao
nostálgico, não é à toa que todo este filme foi pensado por uma pequena
situação da época da narrativa. Durante a ocupação, os franceses tinham que
pegar o último trem para ver as peças, por conta dos horários rigorosos da
ditatura, assim sendo, o público do teatro ficava prejudicado, apenas os
aventureiros, os conspiradores ficavam até tarde para assistir uma peça sobre o
amor, sobre uma produção de política. Para Truffaut existe uma dualidade na
arte, ela é extremamente pessoal e extremamente política, não existe essa distinção
para o autor, por mais que muitos digam que a política não atravessa sua obra,
o próprio Godard já afirmou isso. A política aqui muito mais entendida como o
ato de resistir às condições sociais e existenciais que fazer algum tipo
propaganda, ou literalmente falar sobre a macropolítica. Com certa beleza, ao
melhor estilo da Nouvelle Vague, a introdução do longa conta esse costume por
meio de um pequeno documentário.
Por fim, este longa é um belo filme francês, não é o
melhor de Truffaut nem de longe, mas contém ótimas atuações, uma narrativa
envolvente que sabe do que a capaz e tenta explorar suas minúcias.
Parece ser muito interessante, e a fotografia tb aparenta ser belíssima! Um filme que fala sobre teatro e sobre nazismo, parece uma combinação improvável, mas me apetece bastante!
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