terça-feira, 26 de dezembro de 2017

1953 – Os Boa-Vidas (Federico Fellini, Itália) ****1/2 (4.5)

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Este é apenas o terceiro longa de Fellini, mas é um dos mais belos retratos da melancolia do diretor. Estruturado em alguns episódios, já que existem espaçadas elipses no enredo. Conta a história de alguns amigos, cada um com seu próprio sonho, mas se vem presos pelas circunstâncias da vida.
            
“I Vitelloni” é o seu título original, este termo é uma gíria que designa aos jovens de classe média, que são desempregados e ainda são sustentados pelos pais, quase como um “playboy” brasileiro. O que se enxerga nesse filme é um acúmulo de frustrações nestes jovens adultos que não sabem exatamente o que estão fazendo no mundo. Estes cinco amigos compartilham desta condição, Fausto se vê obrigado a casar com Sandra, pois a engravidou; Moraldo, irmão de Sandra, acaba por ser um dos poucos que realmente tem um ímpeto a mudar de vida, sair da pequena cidade e ir para uma cidade maior com mais oportunidades. Riccardo é um barítono, porém pouco investe de fato nesta carreira musical, assim como Leopoldo, escritor de peças, considerado como um grande culto, porém parece ter medo de se expor ao mundo, além de Alberto, que é completamente sustentado por sua irmã e mãe, porém ainda quer controlar as vidas das mesmas.

A relação deles cinco é de amor e ódio, pois todos querem se ajudar, ao mesmo tempo que levam cada um para o caminho mais complicado. Grande parte do filme, acompanhamos os personagens entediados, vagando pela cidade de madrugada, completamente vazia, ou na praia durante o inverno, principalmente quando Fausto viaja para sua lua de mel. Geograficamente estes personagens sempre estão em pontos de fuga, veja bem, eles estão sempre onde os outros não estariam, é como se estivessem fugindo do que todos já comumente fazem. Mas toda essa melancolia é encoberta pela comédia felliniana, produzindo momentos de comicidade pelo gesto que cada um desses amigos tem para com o outro, são como piadas íntimas.
            
Existem alguns momentos deste filme que o engrandecem de forma que o torna um dos mais essências longas do diretor. A festa de carnaval, com uma condução onírica traz o que diriam vir a se tornar a paixão do diretor por tudo aquilo que há de circense, a maneira com que a câmera se move, em travellings, e como os personagens se movimentam de um lado para outro, como se houvesse um ritmo no caos. Um outro momento especial é quando assistem a uma apresentação num vaudeville, logo encontram-se com um ator que é adorado por Leopoldo, eles dialogam sobre arte, enquanto os outros se veem interessados pelas dançarinas da apresentação, inclusive Fausto. A sequência conduz a Leopoldo e ao ator ficarem sozinho, assim, sendo conduzidos pela noite da cidade, o ator divaga sobre o amor que sente nos textos do aspirante a escritor, então, um vento ensurdecedor toma conta do ambiente. Fellini constrói um agenciamento, uma conjunção de nuances que constroem uma ambientação, que não necessariamente é concreta, mas que existe numa sensação criada, pelo som, pela paralisia da câmera, pela forma que os personagens dispõem no ambiente, não é necessário nem palavras para saber o que o ator de fato queria com Leopoldo. É neste ponto que é possível ver como os sonhos destes personagens se quebram ao ponto de parecerem ideias pueris, é quando a comicidade, a diversão da criação, do vagar pelo que se deseja se encontra com a melancólica realidade, que é sempre áspera.
            
Muitos dizem e reforçam o quanto Fellini e Antonioni como diretores se afastam demais do Neorrealismo, afirmando uma certa superioridade política de Visconti, Rossellini e companhia. Bem, estes seus filmes iniciais por mais que trabalhem com pequenos burgueses, de cidades menores italianas, eles contêm algo muito comum dos longas do neorrealismo que são as implicações sociais do meio em que estes personagens vivem, toda a questão dos personagens se desenvolvem de forma territorial. Não é à toa que Moraldo gosta de assistir ao trem passar, ao se imaginar longe deste lugar, no qual, todos ficam inertes em sonhos quebrados. Para Fellini não existe uma vida social que deve ser preferencialmente mostrada pelo neorrealismo, qualquer vida é passível de ser narrada.
            
Portanto, Os Boas-Vidas é, ao meu ver, o ponto em que Fellini passa a se descobrir melhor como diretor, é aqui que constrói seu poder onírico de maneira mais apurada, formalmente se estabelece e tematicamente se consolida. Sendo um dos mais belos retratos de uma juventude que confunde o doce com o amargo de tantas vezes que eles se misturaram. 

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