
A
Filha de Ninguém é mais um filme de Hong Sang-Soo que carrega consigo uma
personagem que busca seguir em frente, mas o passado a persegue, ou talvez
necessite se reencontrar no passado, ou seria no sonho? Explorando de maneira
quase geométrica a relação de seus personagens, busca enfatizar o desejo de
Haewon em ser quem é e seguir em frente, por isso se despede da mãe e busca
encerrar um relacionamento com seu professor que parece conturbado e por um
fio.
Deve se ressaltar como Haewon é uma
protagonista bonita, não por sua beleza física, que também é inegável, mas como
ela erra, busca o que não quer para satisfazer o que parece inevitável, como se
perde em seus próprios sonhos, ao mesmo tempo que busca o seu futuro de forma
realista. Se no início do filme sonha com a Jane Birkin e se interessa
intensamente em sua filha, a atriz francesa Charlotte Grainsbourg, realizando de
forma onírica o desejo de ser aceita como atriz por uma mãe, quando acordada
tem como dificuldade extrema de dizer adeus à sua própria mãe. Chega a ser
irônico a mãe dizer “ A partir de hoje, só teremos dias felizes” e logo depois
Haewon cair em prantos. Nesse momento, já se percebe como a protagonista na
verdade não é filha de ninguém, ela é a filha dos próprios desejos que se colidem
o tempo todo. Até mesmo em relação ao seu professor, pois consegue expressar ao
mesmo tempo um grande apreço por ele, um desejo de ficar com ele, porém também
deseja um ponto final. A primeira parte do enredo se encerra com um belo pôr do
sol numa antiga fortaleza, em que o professor sozinho se encontra com um
vendedor de bebidas, um dos planos mais belos da filmografia do diretor que
ganha mais intensidade pela bebida ser libertadora e causadora de conflitos em
seus filmes.
Sua segunda parte se inicia por uma
das incursões mais interessantes e sugestivas do diretor. Haewon, após toda a
primeira parte se põe a escrever um diário, em que relata a primeira vez que
visitou a grande fortaleza. Ela já expõe sonhos de ir embora da Coreia, mas a
sua mãe já sabe, ela está fugindo do que fez. Novamente, a repetição da visita
a um local histórico que está preso em seu tempo, que parece não funcionar mais
para o agora e ainda assim, seus personagens embebidos continuam a caminhar de
maneira errante por esses lugares. Se a primeira parte se encerra com a forte
pôr do Sol avermelhado que remete à camisa vermelha da protagonista, o fim da
segunda parte reconstrói o plano, mas com uma grande diferença, o professor não
sofre sozinho, sua amante e aluna o acompanha, imersos em um céu azulado e
Haewon também aparece com uma blusa da mesma cor. O que remeta à talvez a uma das construções
mais complexas do diretor, pois em diversos momentos do filme a jovem atriz
adormece e então se sucedem corte rápidos. Seria um sonho?
O fim do filme ainda sugere isso
mais fortemente, mas seria este um sonho, dentro de uma memória, dentro do
próprio filme? Todas as camadas existenciais da personagem se fazem visíveis.
Dessa forma, construindo a personagem com a mesma complexidade de uma pessoa,
cheia de desejos, sonhos, vontades, potências que se contradizem e lutam. O
sonho ou o desejo movem seus personagens, assim como os encontros inusitados
recompõem outros fluxos de desejos, tornando cada vez mais difícil de discernir
as diferentes proposições do sujeito. Usando do campo ficcional para explorar o
subjetivo do ser humano, como poucos, realçando de maneira simples a estética
iluminada, sem alvoroços ou grande complicações. É muito interessante como o diretor produz um efeito de aprofundamento subjetivo de seus personagens, explora a memória, o sonho, sem nunca se tornar surrealista ou usando de simbolismos, sempre com seus blocos de luz, límpidos, expressando a própria visibilidades dessas questões humanas.
Portanto, A Filha de Ninguém é um
ótimo filme, com uma das personagens mais interessantes do diretor, que explora
de forma cada vez mais implicada a potência do cinema como imagem da
experiência subjetiva.
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