segunda-feira, 24 de julho de 2017

2013 – Filha de Ninguém (Hong Sang-Soo, Coreia do Sul) **** (4)

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A Filha de Ninguém é mais um filme de Hong Sang-Soo que carrega consigo uma personagem que busca seguir em frente, mas o passado a persegue, ou talvez necessite se reencontrar no passado, ou seria no sonho? Explorando de maneira quase geométrica a relação de seus personagens, busca enfatizar o desejo de Haewon em ser quem é e seguir em frente, por isso se despede da mãe e busca encerrar um relacionamento com seu professor que parece conturbado e por um fio.
            
Deve se ressaltar como Haewon é uma protagonista bonita, não por sua beleza física, que também é inegável, mas como ela erra, busca o que não quer para satisfazer o que parece inevitável, como se perde em seus próprios sonhos, ao mesmo tempo que busca o seu futuro de forma realista. Se no início do filme sonha com a Jane Birkin e se interessa intensamente em sua filha, a atriz francesa Charlotte Grainsbourg, realizando de forma onírica o desejo de ser aceita como atriz por uma mãe, quando acordada tem como dificuldade extrema de dizer adeus à sua própria mãe. Chega a ser irônico a mãe dizer “ A partir de hoje, só teremos dias felizes” e logo depois Haewon cair em prantos. Nesse momento, já se percebe como a protagonista na verdade não é filha de ninguém, ela é a filha dos próprios desejos que se colidem o tempo todo. Até mesmo em relação ao seu professor, pois consegue expressar ao mesmo tempo um grande apreço por ele, um desejo de ficar com ele, porém também deseja um ponto final. A primeira parte do enredo se encerra com um belo pôr do sol numa antiga fortaleza, em que o professor sozinho se encontra com um vendedor de bebidas, um dos planos mais belos da filmografia do diretor que ganha mais intensidade pela bebida ser libertadora e causadora de conflitos em seus filmes.
            
Sua segunda parte se inicia por uma das incursões mais interessantes e sugestivas do diretor. Haewon, após toda a primeira parte se põe a escrever um diário, em que relata a primeira vez que visitou a grande fortaleza. Ela já expõe sonhos de ir embora da Coreia, mas a sua mãe já sabe, ela está fugindo do que fez. Novamente, a repetição da visita a um local histórico que está preso em seu tempo, que parece não funcionar mais para o agora e ainda assim, seus personagens embebidos continuam a caminhar de maneira errante por esses lugares. Se a primeira parte se encerra com a forte pôr do Sol avermelhado que remete à camisa vermelha da protagonista, o fim da segunda parte reconstrói o plano, mas com uma grande diferença, o professor não sofre sozinho, sua amante e aluna o acompanha, imersos em um céu azulado e Haewon também aparece com uma blusa da mesma cor.  O que remeta à talvez a uma das construções mais complexas do diretor, pois em diversos momentos do filme a jovem atriz adormece e então se sucedem corte rápidos. Seria um sonho?
            
O fim do filme ainda sugere isso mais fortemente, mas seria este um sonho, dentro de uma memória, dentro do próprio filme? Todas as camadas existenciais da personagem se fazem visíveis. Dessa forma, construindo a personagem com a mesma complexidade de uma pessoa, cheia de desejos, sonhos, vontades, potências que se contradizem e lutam. O sonho ou o desejo movem seus personagens, assim como os encontros inusitados recompõem outros fluxos de desejos, tornando cada vez mais difícil de discernir as diferentes proposições do sujeito. Usando do campo ficcional para explorar o subjetivo do ser humano, como poucos, realçando de maneira simples a estética iluminada, sem alvoroços ou grande complicações. É muito interessante como o diretor produz um efeito de aprofundamento subjetivo de seus personagens, explora a memória, o sonho, sem nunca se tornar  surrealista ou usando de simbolismos, sempre com seus blocos de luz, límpidos, expressando a própria visibilidades dessas questões humanas.
          
Portanto, A Filha de Ninguém é um ótimo filme, com uma das personagens mais interessantes do diretor, que explora de forma cada vez mais implicada a potência do cinema como imagem da experiência subjetiva.

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