quinta-feira, 27 de julho de 2017

2014 – A Montanha da Liberdade (Hong Sang-Soo, Coreia do Sul) **** (4)


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Trazendo mais um protagonista turista, dessa vez um japonês na Coreia, e narrando a história sem cronologia alguma, Hong Sang-Soo produz mais um filme vagante, que aprofunda alguns de seus temas e consegue ser muito engraçado. Mori viaja para a Coreia do Sul em busca de uma mulher por quem esteve apaixonado, porém, ela não está lá, dessa forma deixa cartas, como diários de cada dia de sua estadia.
            
A história poderia ser contada de forma linear, mas talvez não alcançasse as potencialidades que o diretor vem explorando em sua mistura entre sonhos, memória e a realidade de seus personagens, até mesmo indo além, misturando sua vida real (como diretor) com o a vida ficcional de seus personagens. Dessa forma, quando Kwon encontra as cartas, tropeça e perde completamente a ordem cronológica, constrói, assim, uma continuidade estranha, mas ao mesmo tempo coesa, desconexa e contínua. Não é à toa que o protagonista lê um livro que discute questões sobre o tempo e afirma que o tempo não é real, nosso cérebro que se estrutura de uma maneira cronológica para que as coisas façam mais sentido. Dessa forma, tornando a estrutura narrativa necessária como expressão estética da história. Mas não é apenas com isto que o diretor resolve se divertir neste filme, o nome do bar, no qual Mori conhece Youngsun, uma mulher que se interessa bastante por ele, se chama A Montanha da Liberdade. Extremamente sugestivo, os dois constroem uma relação na qual podem se livrar das dores que o cercam e viver o momento. O diretor explora o sonho de seu protagonista para mostrar como o tempo por mais que não seja real, gera efeito psicológico no ser humano e por isso ele o sente escoar como se estivesse vagando num rio.
            
O filme não é só um experimento acerca da maneira que se percebe o passado, o presente e o futuro, ou seja, o tempo cronológico, mas também uma ótima comédia sobre o sonho. No bar, o cachorro de Youngsun se chama Kkumi, que significa “Sonho” e a todo momento o personagem se vê numa imersão onírica de realização de desejos ao mesmo tempo que frustrações, incômodos. E ainda, quando finalmente se chega a uma verdadeira continuidade objetiva na história, Hong Sang-Soo recorre mais uma vez aos sonhos. O mais interessante deste processo narrativo, como em alguns outros filmes, por exemplo, Pulp Fiction, é que aqui o ponto de ancorada não é cíclico, mas completamente indeterminado. Por exemplo, muitos filmes que recorrem de uma história relatada em diários ou que há um estrutura de maneira desconexa que expressa a memória, tenta no fim conectar suas pontas soltas por encontros de uma última instância que levam toda narrativa de volta ao início, porém em A Montanha da Liberdade o ponto de ancorada parece se perder na história, por mais que em certos momentos as mãos e olhos de Kwon aparecem fazendo a leitura ininterrupta das cartas, não se volta mais à ela, é como se ela deixasse o espectador sozinho, ou talvez ainda mais inusitado, o verdadeiro ponto de ancorada serem os sonhos de Mori que o estrangulam. Indeterminação onírica.

            
Hong Sang-Soo é um dos diretores mais autorais da contemporaneidade, com narrativas complexas disfarçadas de leves comédias. Carregando uma tradição vinda de Rohmer e Resnais. Portanto, A Montanha da Liberdade é um ótimo filme, curto, divertido e uma interessante incursão narrativa sobre tempo e sonho. 

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