
Trazendo mais um protagonista turista, dessa vez um
japonês na Coreia, e narrando a história sem cronologia alguma, Hong Sang-Soo
produz mais um filme vagante, que aprofunda alguns de seus temas e consegue ser
muito engraçado. Mori viaja para a Coreia do Sul em busca de uma mulher por
quem esteve apaixonado, porém, ela não está lá, dessa forma deixa cartas, como
diários de cada dia de sua estadia.
A história poderia ser contada de forma linear, mas
talvez não alcançasse as potencialidades que o diretor vem explorando em sua
mistura entre sonhos, memória e a realidade de seus personagens, até mesmo indo
além, misturando sua vida real (como diretor) com o a vida ficcional de seus
personagens. Dessa forma, quando Kwon encontra as cartas, tropeça e perde
completamente a ordem cronológica, constrói, assim, uma continuidade estranha,
mas ao mesmo tempo coesa, desconexa e contínua. Não é à toa que o protagonista
lê um livro que discute questões sobre o tempo e afirma que o tempo não é real,
nosso cérebro que se estrutura de uma maneira cronológica para que as coisas
façam mais sentido. Dessa forma, tornando a estrutura narrativa necessária como
expressão estética da história. Mas não é apenas com isto que o diretor resolve
se divertir neste filme, o nome do bar, no qual Mori conhece Youngsun, uma
mulher que se interessa bastante por ele, se chama A Montanha da Liberdade.
Extremamente sugestivo, os dois constroem uma relação na qual podem se livrar
das dores que o cercam e viver o momento. O diretor explora o sonho de seu
protagonista para mostrar como o tempo por mais que não seja real, gera efeito
psicológico no ser humano e por isso ele o sente escoar como se estivesse
vagando num rio.
O filme não é só um experimento acerca da maneira que se
percebe o passado, o presente e o futuro, ou seja, o tempo cronológico, mas
também uma ótima comédia sobre o sonho. No bar, o cachorro de Youngsun se chama
Kkumi, que significa “Sonho” e a todo momento o personagem se vê numa imersão
onírica de realização de desejos ao mesmo tempo que frustrações, incômodos. E
ainda, quando finalmente se chega a uma verdadeira continuidade objetiva na
história, Hong Sang-Soo recorre mais uma vez aos sonhos. O mais interessante
deste processo narrativo, como em alguns outros filmes, por exemplo, Pulp
Fiction, é que aqui o ponto de ancorada não é cíclico, mas completamente
indeterminado. Por exemplo, muitos filmes que recorrem de uma história relatada
em diários ou que há um estrutura de maneira desconexa que expressa a memória,
tenta no fim conectar suas pontas soltas por encontros de uma última instância
que levam toda narrativa de volta ao início, porém em A Montanha da Liberdade o
ponto de ancorada parece se perder na história, por mais que em certos momentos
as mãos e olhos de Kwon aparecem fazendo a leitura ininterrupta das cartas, não
se volta mais à ela, é como se ela deixasse o espectador sozinho, ou talvez
ainda mais inusitado, o verdadeiro ponto de ancorada serem os sonhos de Mori
que o estrangulam. Indeterminação onírica.
Hong Sang-Soo é um dos diretores mais autorais da
contemporaneidade, com narrativas complexas disfarçadas de leves comédias.
Carregando uma tradição vinda de Rohmer e Resnais. Portanto, A Montanha da
Liberdade é um ótimo filme, curto, divertido e uma interessante incursão
narrativa sobre tempo e sonho.
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