
Este curto e simples filme
sobre a puberdade de uma jovem que consegue encontrar liberdade no ato de
dançar, para liberar os seus movimentos, seus gestos, sua mais pura expressão. É
interessante denotar que muitos esquecem o quanto a mudança assusta e como a
liberdade também é angustiante, Sartre foi um dos filósofos mais contundentes
em relação a isto, “O homem está condenado a ser livre”, ênfase ao condenado. A
protagonista do longa, Toni, se vê afastada de um suposto universo mais
feminino, por conta de seu estilo “tomboy”. Se movimentando para uma mudança ao
demonstrar fascínio pela dança e por isso decide deixar as aulas de boxe com
seu irmão para trás e investir nesse desejo.
Por meio de pequenos detalhes a diretora constrói uma
alegoria poderosa sobre a puberdade. Todas as jovens adolescentes e crianças
que dançam de forma irrepreensível começam a ter certas convulsões, por vezes
acompanhadas de momento de catatonia e alucinações. Criando um certo fascínio
pelo acontecimento, ao mesmo tempo que um tremendo medo em alguns, o que de
fato, se caracteriza melhor por uma ansiedade coletiva. Toni começa a se
desapegar dos traços masculinos, fura a orelha, onde há sangue. Percebe-se que
os fatores transformadores da construção do gênero feminino sempre perpassa o
sangue, algo visceral e muito forte. Seja a menstruação, ou o próprio
sofrimento de regulação social que impõe afecções como cicatrizes ao corpo.
Dessa forma, o filme impõe um ritmo lento e simples, acompanhado em certos
momentos, com planos estáticos, em que as garotas, apenas, se relacionam e se
expressam, narrando este processo de maneira lúdica.
Ainda existe um verdadeiro prazer de mostrar como a dança
pode ser uma forma de expressão do corpo muito poderosa. Onde, em primeira
instância, existe uma tentativa de controlar os movimentos do corpo, se
assemelhando, no filme, com uma luta de boxe, enumerando passos, momentos,
intervalos, mudanças. Logo, percebe-se que movimentos inconscientes e
incontroláveis se expressam no corpo por meio desta arte. Quando as meninas têm
as convulsões por vezes paralisam, por vezes expressam espasmos, quase como
numa histeria, uma repressão que produz uma liberação somatizada, porém a grande
diferença que não é uma transformação em sintoma, é a mais pura expressão de
encontro com o próprio corpo. Algo que pode ser assustador. Toni tem medo de
vivenciar tal coisa. Ela expressa descontentamento, pois a julgam como
masculina, porém também tem medo desse lado feminino, até pelo fato de ser um
mistério para ela, mas o maior mistério é o próprio corpo. Spinoza já dizia em
Ética, não se sabe o que pode o corpo, o corpo é o mistério da humanidade. Por
mais que se domine todas as técnicas, por mais que se disseque cada pedaço do
corpo, ele está sempre se alterando (pois as experiências são múltiplas) e sua
maneira de agir (fundando-se no inconsciente) é imprevisível, é no corpo que o
que não se sabe se expressa.
Nesta incursão de dança, a trilha sonora escolhida foi
interessante e curiosa, não é uma trilha dançante ou animada, mas misteriosa e
intensa, que ao lado de uma fotografia poderosa e uma montagem, que trabalha o
tempo de cada cena, criam um grande movimento intensivo. Toda essa jornada da
personagem é narrada com tanta simplicidade, conseguindo ser pontual e se
fazendo poderoso com intensidade apenas na sua necessidade, nunca sendo prolixo
tanto em palavras, quanto em imagens. Cada imagem é usada com um sentido e
propósito.
Portanto, o filme de estreia de Anna Rose Holmer é uma
bela, simples e poderosa aventura nos mistérios do corpo. Usando das mudanças
biopsicossociais da adolescência e da singularidade de sua personagem para
criar uma sensação de tal experiência.
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