segunda-feira, 31 de julho de 2017

2015 – The Fits (Anna Rose Holmer, EUA) ****1/2 (4.5)

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Este curto e simples filme sobre a puberdade de uma jovem que consegue encontrar liberdade no ato de dançar, para liberar os seus movimentos, seus gestos, sua mais pura expressão. É interessante denotar que muitos esquecem o quanto a mudança assusta e como a liberdade também é angustiante, Sartre foi um dos filósofos mais contundentes em relação a isto, “O homem está condenado a ser livre”, ênfase ao condenado. A protagonista do longa, Toni, se vê afastada de um suposto universo mais feminino, por conta de seu estilo “tomboy”. Se movimentando para uma mudança ao demonstrar fascínio pela dança e por isso decide deixar as aulas de boxe com seu irmão para trás e investir nesse desejo.  
            
Por meio de pequenos detalhes a diretora constrói uma alegoria poderosa sobre a puberdade. Todas as jovens adolescentes e crianças que dançam de forma irrepreensível começam a ter certas convulsões, por vezes acompanhadas de momento de catatonia e alucinações. Criando um certo fascínio pelo acontecimento, ao mesmo tempo que um tremendo medo em alguns, o que de fato, se caracteriza melhor por uma ansiedade coletiva. Toni começa a se desapegar dos traços masculinos, fura a orelha, onde há sangue. Percebe-se que os fatores transformadores da construção do gênero feminino sempre perpassa o sangue, algo visceral e muito forte. Seja a menstruação, ou o próprio sofrimento de regulação social que impõe afecções como cicatrizes ao corpo. Dessa forma, o filme impõe um ritmo lento e simples, acompanhado em certos momentos, com planos estáticos, em que as garotas, apenas, se relacionam e se expressam, narrando este processo de maneira lúdica.  
            
Ainda existe um verdadeiro prazer de mostrar como a dança pode ser uma forma de expressão do corpo muito poderosa. Onde, em primeira instância, existe uma tentativa de controlar os movimentos do corpo, se assemelhando, no filme, com uma luta de boxe, enumerando passos, momentos, intervalos, mudanças. Logo, percebe-se que movimentos inconscientes e incontroláveis se expressam no corpo por meio desta arte. Quando as meninas têm as convulsões por vezes paralisam, por vezes expressam espasmos, quase como numa histeria, uma repressão que produz uma liberação somatizada, porém a grande diferença que não é uma transformação em sintoma, é a mais pura expressão de encontro com o próprio corpo. Algo que pode ser assustador. Toni tem medo de vivenciar tal coisa. Ela expressa descontentamento, pois a julgam como masculina, porém também tem medo desse lado feminino, até pelo fato de ser um mistério para ela, mas o maior mistério é o próprio corpo. Spinoza já dizia em Ética, não se sabe o que pode o corpo, o corpo é o mistério da humanidade. Por mais que se domine todas as técnicas, por mais que se disseque cada pedaço do corpo, ele está sempre se alterando (pois as experiências são múltiplas) e sua maneira de agir (fundando-se no inconsciente) é imprevisível, é no corpo que o que não se sabe se expressa.
            
Nesta incursão de dança, a trilha sonora escolhida foi interessante e curiosa, não é uma trilha dançante ou animada, mas misteriosa e intensa, que ao lado de uma fotografia poderosa e uma montagem, que trabalha o tempo de cada cena, criam um grande movimento intensivo. Toda essa jornada da personagem é narrada com tanta simplicidade, conseguindo ser pontual e se fazendo poderoso com intensidade apenas na sua necessidade, nunca sendo prolixo tanto em palavras, quanto em imagens. Cada imagem é usada com um sentido e propósito.
            
Portanto, o filme de estreia de Anna Rose Holmer é uma bela, simples e poderosa aventura nos mistérios do corpo. Usando das mudanças biopsicossociais da adolescência e da singularidade de sua personagem para criar uma sensação de tal experiência. 

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