quarta-feira, 26 de julho de 2017

2014 – O Duque de Burgundy (Peter Strickland, Inglaterra) **** (4)

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Strickland desenvolve um relacionamento sadomasoquista num universo feminino, em que as transformações e mudanças ocorrem sempre para um recomeço.  Com uma estética que em certos momentos parece plástica pelo apreço por tecidos, cores ao mesmo tempo que ajudam a construir este universo particular em sua subjetividade compartilhada, que por vezes é invadida. Cynthia, a mulher mais velha e suposta dona da casa, desenvolve de forma cíclica um relacionamento com Evelyn, sua empregada.
            
Muito já se sabe sobre o desenvolvimento sadomasoquista no sujeito, a psicanálise diz que o sujeito que é masoquista, também é sádico, é como se houvesse um processo de variação de sentido da pulsão do sujeito, podendo incidir tanto no outro quanto em si mesmo. Ao mesmo tempo que se sabe muito bem dos verdadeiros roteiros e rituais produzidos para as realizações dos atos produtores de dor. Dessa forma, quando este casal Cynthia e Evelyn reproduzem o mesmo ritual repetidas vezes, no qual a empregada falha em suas obrigações e a dona da casa deve puni-la, assim como certas vezes a obriga a lavar suas calcinhas de forma que se tornem completamente puras. É interessante notar o poder que a pessoa que toma a posição de masoquista não necessariamente toma a posição de submissão, pois, Evelyn, ao se colocar na posição de submissão hierárquica, o faz ao seu bel prazer, sendo ela a verdadeira dominante. Ditando todas as regras do jogo e por vezes se irritando quando estas não são seguidas, demonstrando um verdadeiro prazer com a lei, que só se faz na repetição. O grande poder deste aprofundamento está em explorar a saturação da repetição para irrupção de uma criação de sentimento, colocando-o em foco como um processo árduo e doloroso. Por isso, o diretor investe nas palestras sobre as borboletas e mariposas, assim como na expressão quase idêntica delas, acentuando pequenas nuances e diferenças. Com isto, existe um comentário no próprio relacionamento das duas que imersas numa narrativa, elas se perdem para formar uma coisa só, sem distinção, ao passo que procuram produzir-se em si mesmas e se diferenciarem.
            
As palestras ainda são o cenário chave para a construção do universo em que as personagens vivem, um lugar sem homens. Tentando construir um espaço no qual todas essas mulheres pudessem fazer o que quiserem, eliminando assim o olhar e presença masculina sobre o relacionamento delas. Outro ponto diferenciado desse mesmo momento é a utilização de manequins em meio às mulheres, mostrando a repetição e diferença, a realidade e a ficção em plena harmonia como no próprio relacionamento de Cynthia e Evelyn, porém essa harmonia é distorcida, pois como as manequins causam um efeito estranho e difícil para qualquer um ao redor. Portanto, Strickland consegue, por meio de efeitos visuais e habilidade técnicas interessantíssimas, misturar completamente a intensidade das transformações cíclicas das borboletas com a vida de suas personagens, construindo metáforas visuais extremamente poderosas. Ainda com um design de som estupendo, que parece corroer os ouvidos com os barulhos de asas de insetos que se misturam com tons cotidianos e silenciosos. Seu filme se torna um verdadeiro ambiente onírico, sem precisar construir algo bizarro de fato. Sua opção por uma montagem extremamente lenta, tentando ocupar os espaços por meio dos sons adquiridos em cena por vezes se torna cansativa, mas sempre justificável, pois conseguiu criar uma ambientação singular.
            
Strickland construiu um belo filme, lento e intenso. Com um ótimo elenco e onde a repetição se torna criação por meio de metáforas. Construindo o olhar apaixonado por uma relação tão bonita e complexa como qualquer outra. 

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