
Strickland
desenvolve um relacionamento sadomasoquista num universo feminino, em que as
transformações e mudanças ocorrem sempre para um recomeço. Com uma estética que em certos momentos
parece plástica pelo apreço por tecidos, cores ao mesmo tempo que ajudam a
construir este universo particular em sua subjetividade compartilhada, que por
vezes é invadida. Cynthia, a mulher mais velha e suposta dona da casa,
desenvolve de forma cíclica um relacionamento com Evelyn, sua empregada.
Muito já se sabe sobre o
desenvolvimento sadomasoquista no sujeito, a psicanálise diz que o sujeito que
é masoquista, também é sádico, é como se houvesse um processo de variação de
sentido da pulsão do sujeito, podendo incidir tanto no outro quanto em si
mesmo. Ao mesmo tempo que se sabe muito bem dos verdadeiros roteiros e rituais
produzidos para as realizações dos atos produtores de dor. Dessa forma, quando
este casal Cynthia e Evelyn reproduzem o mesmo ritual repetidas vezes, no qual
a empregada falha em suas obrigações e a dona da casa deve puni-la, assim como
certas vezes a obriga a lavar suas calcinhas de forma que se tornem completamente
puras. É interessante notar o poder que a pessoa que toma a posição de
masoquista não necessariamente toma a posição de submissão, pois, Evelyn, ao se
colocar na posição de submissão hierárquica, o faz ao seu bel prazer, sendo ela
a verdadeira dominante. Ditando todas as regras do jogo e por vezes se
irritando quando estas não são seguidas, demonstrando um verdadeiro prazer com
a lei, que só se faz na repetição. O grande poder deste aprofundamento está em
explorar a saturação da repetição para irrupção de uma criação de sentimento,
colocando-o em foco como um processo árduo e doloroso. Por isso, o diretor
investe nas palestras sobre as borboletas e mariposas, assim como na expressão
quase idêntica delas, acentuando pequenas nuances e diferenças. Com isto,
existe um comentário no próprio relacionamento das duas que imersas numa
narrativa, elas se perdem para formar uma coisa só, sem distinção, ao passo que
procuram produzir-se em si mesmas e se diferenciarem.
As palestras ainda são o cenário
chave para a construção do universo em que as personagens vivem, um lugar sem
homens. Tentando construir um espaço no qual todas essas mulheres pudessem
fazer o que quiserem, eliminando assim o olhar e presença masculina sobre o
relacionamento delas. Outro ponto diferenciado desse mesmo momento é a
utilização de manequins em meio às mulheres, mostrando a repetição e diferença,
a realidade e a ficção em plena harmonia como no próprio relacionamento de
Cynthia e Evelyn, porém essa harmonia é distorcida, pois como as manequins
causam um efeito estranho e difícil para qualquer um ao redor. Portanto,
Strickland consegue, por meio de efeitos visuais e habilidade técnicas
interessantíssimas, misturar completamente a intensidade das transformações
cíclicas das borboletas com a vida de suas personagens, construindo metáforas
visuais extremamente poderosas. Ainda com um design de som estupendo, que
parece corroer os ouvidos com os barulhos de asas de insetos que se misturam
com tons cotidianos e silenciosos. Seu filme se torna um verdadeiro ambiente
onírico, sem precisar construir algo bizarro de fato. Sua opção por uma
montagem extremamente lenta, tentando ocupar os espaços por meio dos sons
adquiridos em cena por vezes se torna cansativa, mas sempre justificável, pois
conseguiu criar uma ambientação singular.
Strickland construiu um belo filme,
lento e intenso. Com um ótimo elenco e onde a repetição se torna criação por
meio de metáforas. Construindo o olhar apaixonado por uma relação tão bonita e
complexa como qualquer outra.
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