
O
mais recente filme do diretor belga, famoso por seus trabalhos com toques
estranhos e existencialistas é uma interessante viagem à um Deus kafkiano, que
por conta de alguns exageros e por parecer vagar por um terreno fértil sem
saber o que colher se tornou apenas interessante. Narrando a história de Ea,
filha de Deus, que escapa do céu para encontrar seus apóstolos e acabar com as
misérias humanas.
A proposta narrativa de Dormael é
bem interessante, trazendo um Deus niilista insuportável que se diverte, de
fato, com toda a miséria humana, criando leis universais que se repetem apenas
para gerar estresse. Um homem que só assiste hóquei de forma incessante e
reclama do tédio. O cenário é usual e por isso agoniante. Deus tem uma sala só
para ele, em que constrói suas leis em um computador, rodeado por gavetas e
gavetas. A sua mulher é uma dona de casa, como um estereótipo. Nesse ambiente
intenso é possível enxergar diversas referências como uma bem cômica à Stalker
de Tarkovky, quando Ea movimenta os copos de leite com sua mente, ou a referência
ao próprio Jesus. Onde teria ido o filho de Deus? Ele está presente no filme,
como uma peça em cima da geladeira, um castigo possível por ter fugido de casa
tentando resolver os problemas do mundo.
Se em sua narrativa escrachada inicial ele consegue manter
o tom cômico e existencial muito presente, isto parece que se perde por se
repetir incessantemente com as histórias dos apóstolos. São histórias
divertidas, mas a maneira que elas são contadas foram se tornando
desinteressante, seja pela repetição de Ea dizendo qual música toca na alma de
cada um deles ou a utilização de momentos extremamente plásticos para conduzir
a narrativa de maneira surreal. Por exemplo, a história sem muito sentido em
que a personagem de Catherine Denueve resolve se deitar com um Gorila, por mais
que visualmente cômico vê-la com um primata, beira o trash e distoa, ou ainda
um dos apóstolos que resolve nunca mais sair de um banco, mas logo depois
resolve perseguir um pássaro e faz isto o filme inteiro. De certa forma todas
as histórias têm suas peculiaridades, algumas mais interessantes que outras, a
história do homem viciado em sexo ou a do assassino são com certeza algumas das
mais empolgantes, o que persiste na sequência nos enredos é a força da
protagonista.
Ea é uma bela personagem, sua
tendência em contar as histórias de cada um de seus apóstolos em seus mínimos
detalhes para tentar criar uma poesia do microcosmo, por vezes acerta e por vezes
erra, em certo momentos parece imitar a tendência de filmes como O Fabuloso
Destino de Amelie Poulan, mas sem ser visualmente tão agradável. Existem muitos
momentos no quais ela dialoga com o público diretamente, assim como outros
personagens, porém um bom recurso como esse deveria ser utilizado com mais
precisão para não o desgastar, o que ocorre no filme. Em compensação, quando
Deus vai atrás de sua filha e vivência cada uma de suas leis é muito engraçado.
No decorrer do longa, o diretor parece querer fazer um comentário sobre se Deus
fosse feminino, como talvez o mundo seria, apesar do humor e da inventividade
de confrontar os gêneros numa situação divina, acaba por tornar a situação doce
demais, tão doce que enjoa.
Dessa forma, O Novíssimo Testamento
é um filme com uma premissa muito interessante e que apesar de alguns tropeços
consegue ser divertido e existencial.
Nenhum comentário:
Postar um comentário